sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Renata não lacrou. E o silêncio covarde de Bonner.



Nesta semana assistimos às entrevistas de quatro dos cinco principais candidatos à presidência no Jornal Nacional. É inegável que é um dos momentos mais importantes da campanha, uma vez que os candidatos tiveram a chance de falar com um público gigantesco, aproximadamente 50 milhões de pessoas. O resultado foi um verdadeiro show de horrores. Não por culpa dos candidatos, mas sim por culpa dos apresentadores.
Em algum momento da nossa história recente se tornou “legal” para o jornalista enfrentar o político, cortando-o sempre que possível. É sinal de “coragem” e o jornalista ganha um mérito ainda maior quando consegue tirar o político do sério. Mostra seu destempero. Político xingando vale milhões de visualizações no youtube, muitas curtidas no facebook e retuítadas. Eu acredito que isto tenha começado com o CQC. Não à toa os dois integrantes daquele programa que faziam este papel grosseiro de ataque a políticos foram os que conseguiram maior destaque fora do programa, Danilo Gentili e Monica Iozzi. O objetivo não era trazer a pauta alguma reflexão importante ou debater os rumos do país, era pegar o político de sopetão e fazê-lo se perder, agradando assim a sede de vingança de uma parte dos telespectadores que consideram a classe política a causa de todos os males que existem. O jornalista usando o político como escada.
Bonner e Renata pareciam repórteres do CQC. As entrevistas se basearam basicamente em polêmicas quase sempre inúteis, com o tempo sendo preenchido com os candidatos tentando encontrar algum jeito de se livrar delas enquanto os jornalistas, passivamente, interrompiam-os sempre que possível, fosse para fazer a mesma pergunta inútil pela terceira vez ou para falar que queriam tratar de outro assunto no momento em que o candidato finalmente tentava apresentar algo. O próximo assunto era quase sempre uma picuinha tão ridícula quanto à da pergunta anterior.
Economia, saúde, mobilidade, reforma política, tudo isto ficou em segundo plano para perguntas sobre corrupção envolvendo aliados muitas vezes distantes, críticas a alianças feitas e críticas a alianças não feitas. Na entrevista com Ciro, o candidato teve que passar preciosos falando sobre uma denúncia que nem sabia que existia contra o presidente do seu partido. Outros minutos foram perdidos falando sobre sua relação com Kátia Abreu, em que teve que falar basicamente o óbvio, que ela é diferente dele, afinal uma pessoa não é igual à outra. O mesmo aconteceu na entrevista de Marina, quando ela teve que se explicar sobre Eduardo Jorge e com Alckmin, quando este teve que se explicar sobre Ana Amélia. Política se faz com alianças, afinal. Alckmin foi interrogado sobre o fato de ter feito alianças. Foi criticado por apoiar Collor em AL. Collor que é o dono da afiliada da Globo no estado, aliás. Marina foi interrogada sobre o fato de não ter feito alianças. Até o momento em que os jornalistas começaram a criticar também as alianças que Marina fez nos estados. Longos minutos que poderiam ser gastos com saúde foram gastos para falar que REDE e PSDB estão juntas no Amapá.
Ciro tentou falar sobre sua importante proposta de ajudar as pessoas a limparem o nome, sendo ridicularizado por Bonner que o interrompia quando tentava explicar seu programa. Marina tentou falar sobre meio ambiente, sua especialidade, sendo cortada o tempo todo por Renata, que dizia que suas exigências ambientais tornavam as licenças muito lentas. Alckmin tentava falar sobre reforma política, sendo cortado pelos dois jornalistas que queriam saber sobre a Dersa. Um dos principais motivos da crise política, econômica e sobretudo moral que vivemos, que pode estar empurrando o país para uma onda fascista e autoritária, é este comportamento da mídia, incapaz de levar qualquer profundidade aos debates.
Num cenário em que ninguém consegue espaço para apresentar propostas, sobressai-se aquele que não tem nenhuma proposta para apresentar. Bolsonaro é o rei do bate-boca. Saiu de deputado insignificante para segundo colocado nas pesquisas presidenciais desta forma. É o único que está sempre preparado para o tipo de baixaria que o JN forneceu. Numa entrevista que forneceu espaço apenas para polêmicas, pôde fazer sua mensagem homofóbica, racista e machista chegar a um número nunca antes visto de lares brasileiros. Os jornalistas, de forma irresponsável, deram todo o espaço para ele expor seus pensamentos, tentando em seguida “lacrar”. Renata Vasconcelos fez uma pergunta sobre desigualdade entre homem e mulher no mercado de trabalho, claramente esperando o momento de uma réplica que a permitisse ser a heroína da vez nas redes sociais. Ao comparar o salário de Bonner com o de Renata, recebeu a  resposta da jornalista que não repetirei aqui, porque todos acho que já a viram. Resumindo, a jornalista disse o seguinte: “Meu salário não é da conta de ninguém”. Desculpa, mas é sim! Não o quanto ela recebe, claro, mas é da conta da sociedade sim se a empresa em que ela trabalha paga salários diferentes para homens e mulheres. Por isso, sim, é da nossa conta sim. Do mesmo jeito que é da nossa conta se a empresa que ela trabalha não dá o espaço devido a pessoas negras na sua programação. Disse em seguida que “jamais se sujeitaria a aceitar um trabalho em que ganhasse menos que um homem”. Desculpa, mas provavelmente se sujeitaria sim, e é este o X da questão. Como trabalhadores não temos outra opção, a não ser que o Estado interfira ao nosso lado para igualar forças. Se ela hoje pode não se sujeitar, isto é apenas um privilégio que pouquíssimas pessoas têm e nada é mais ridículo do que se orgulhar de um privilégio. Por último, Renata interpelou Bolsonaro sobre uma das muitas mentiras que o candidato fascista propagou nos últimos anos e que o fizeram ganhar espaço na mídia, o tal do “kit gay”. A boa tentativa petista de discutir igualdade e combater preconceito nas escolas foi totalmente distorcida pela parte mais reacionária da mídia e do congresso. Ao tentar mostrar o kit na TV, Renata pediu ao candidato que não o mostrasse porque “crianças estavam assistindo”. Não. Definitivamente Renata não lacrou.
A pior parte do bate-boca, porém, veio quando Bonner interpelou Bolsonaro sobre a forma como o candidato fascista ainda apoia o golpe de 1964. Bolsonaro respondeu, mais uma vez, citando o apoio de Roberto Marinho ao golpe e perguntando, “o doutor Roberto Marinho não era um democrata?”. Bonner foi incapaz de responder, “não, não era”, ficando simplesmente em silêncio. Ele sabe a verdade, mas esta é menos importante do que o seu emprego. E estamos falando de alguém consagrado, que conseguiria outro emprego caso sua empresa o demitisse por dizer a verdade. Preferiu o silêncio covarde. O fascismo triunfa não apenas pela manipulação de massas desinformadas através do ódio. Triunfa também graças ao silêncio covarde de letrados como Bonner. É a manifestação da banalidade do mal.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Reflexões sobre o crescimento de Amoedo



Tenho observado nas minhas redes sociais um crescimento significativo no número de pessoas que divulga e compartilha coisas favoráveis à candidatura de João Amoedo, do Partido Novo. Deixando bem claro que todas estas pessoas fazem parte da mesma bolha, a de pessoas de classe média de uma grande cidade, que é a bolha em que vivo afinal, e que provavelmente a candidatura de Amoedo sofrerá uma desidratação nas últimas semanas de campanha, em que boa parte do seu atual eleitorado procurará Alckmin por voto útil, acho importante refletirmos sobre o que este sucesso de Amoedo entre estas pessoas tem a dizer sobre esta parte da sociedade.
A primeira explicação para este sucesso de Amoedo, a meu ver, vem da forma como ele se comunica. Toda esta comunicação se dá através do que chamo de slogans, que são frases curtas totalmente desprovidas de algum conteúdo mais complexo, mas que grudam na cabeça de pessoas indispostas à real reflexão sobre qualquer assunto. Toda comunicação de grande massa no mercado é feita através de slogans. “Just do it”, diz a Nike ao vender seus tênis. Fazer o que exatamente? “I’m loving it”, diz o McDonalds ao vender lanches. Amando o que exatamente? São frases que não significam absolutamente nada e que podem ser usadas para qualquer coisa. “Just do it”, podemos falar ao comer um sanduíche. “I’m loving it” eu também posso dizer enquanto calço um tênis. As frases parecem que fazem sentido quando as invertemos porque na verdade não há sentido algum. Não há nada sendo dito. Mais ou menos quando dizem “Venha conhecer o Novo”. Usa-se na política o mesmo slogan que é usado, sei lá, por um jovem que apresenta um cigarro para o outro. É uma forma de seduzir sem dizer nada e de ser atraído sem ter que pensar. Um jeito de vender seu produto aos seus consumidores.
Frases feitas, vídeos curtos, slogans, quase sempre com o candidato “lacrando”. Ideias vagas, mas ao mesmo tempo de fácil incorporação a um público que quer algo “Novo”. É assim que Amoedo tem conquistado eleitores. O vídeo mais divertido que vi dele até o momento é um em que ele está no jardim do Palácio do Planalto, reclamando do custo de manutenção daquele jardim, que se não me engano ele diz que é de R$ 4 milhões por ano. A primeira reação de seus consumidores é de revolta, uma vez que a tendência é comparar este gasto com, sei lá, o seu salário. Amoedo não se interessa em verificar o quanto estes R$ 4 milhões representam o orçamento anual do governo. Também não se interessa em verificar o quanto outros governos gastam em comparação com o brasileiro e, finalmente, não faz cotações para saber se o governo paga um preço justo em sua manutenção. Tudo isto traria sentido à sua comparação e a lógica do uso de slogans é impedir que haja algum conteúdo no que é dito. Após o slogan, Amoedo traz uma “solução”, com uso bem justo de aspas, que é a transformação do Palácio do Planalto num museu. Isto significaria que não seria mais preciso cortar a grama? O presidente moraria onde exatamente? Ele faria como Aécio Neves, que governava Minas Gerais e morava numa cobertura na Barra da Tijuca? Seria importante saber onde vai morar o Presidente da República, uma vez que ele é o chefe de Estado e possui informações sobre todas as informações de segurança nacional. É importante que um cara destes esteja seguro. Ah, mas Amoedo disse que vai cortar a segurança também. Perigoso isso, não? Slogans não exigem respostas e reflexões, apenas entram na sua cabeça. São ordens, obedeçam.
Entrei no programa de Amoedo, disponível na Internet. Fiz aqui uma seleção dos slogans e clichês mais vazios: “Vamos exigir liberdade com responsabilidade”. “Vamos discutir mais ideias e menos pessoas”. “Queremos um Brasil seguro, simples e livre, onde todos possam chegar lá”. A mais interessante que achei, porém, é a seguinte “A representatividade é o caminho para a construção de um Brasil mais seguro, simples e livre”. Falarei sobre esta última a seguir.
Todo cidadão é dono de um importante e útil saber, independente da sua profissão e de sua escolaridade. Saber é diferente de instrução. Toda pessoa tem um saber que pode e deve ser utilizado na vida pública. Um caminhoneiro, por exemplo, tem muito a contribuir em debates sobre transporte. Um motorista de ônibus tem uma visão importantíssima sobre mobilidade urbana. Um gari pode ajudar e MUITO em debates sobre higiene e coleta seletiva. Seria muito importante trazer toda esta galera para a esfera pública, incentivando-os a concorrer a cargos públicos. Ouvir o que esta galera tem a dizer. O Partido Novo vai na esfera contrária, orgulhando-se em 2016 de ter no seu quadro de candidatos apenas pessoas com “diploma superior”. Consideram que apenas estes têm um conhecimento válido e devem participar do debate. Quase como um “conselho de sábios”. Mas e a representatividade citada no slogan do parágrafo anterior. É só um slogan, não significa nada.
Um fenômeno interessante do séc. XXI é o do bancário que acha que é banqueiro. Esta comparação serve como metáfora para falar sobre o trabalhador que defende o interesse empresarial. A melhor explicação dada a este fenômeno é de Marilena Chauí. Passamos por um processo de transformação de direitos em serviços. O setor privado oferece hoje tudo aquilo que o governo já oferecia. A diferença é que enquanto no setor público somos tratados como cidadãos, no setor privado somos tratados como consumidores. Para que de certa forma normatizemos isto, é necessário que o cidadão se acostume a ser apenas um consumidor. Isto se faz através do estímulo ao individualismo.
A base do discurso de slogans do Novo é que o Estado é seu inimigo. E o é porque representa o público, aquilo que difere do individual. A sua “destruição”, portanto, é o foco principal e para isto é fundamental que o outrora cidadão abra mão dos seus direitos para se tornar um consumidor em busca de serviços. O individualismo nos impede de lutar para que tenhamos um serviço de saúde pública que funcione, ou uma educação pública de qualidade, ou segurança pública etc. O individualismo nos leva a lutar contra o Estado que não fornece estes serviços da forma como deveria e a defender a compra destes serviços no setor privado. Parece ser o caminho mais “fácil” para a classe média defender o fim dos impostos que bancam os serviços públicos do que exigir que estes impostos se tornem serviços melhores.
O Brasil possui uma sociedade extremamente desigual, fruto de verdadeiras tragédias históricas, principalmente a escravidão. A principal função do Estado é combate-las, a isto chamo de verdadeira igualdade. O que faz o Novo sobre este assunto? Nega a existência de privilégios. Se eles não existem, logo o Estado não precisa entrar neste assunto. Qual o debate que o Novo propõe sobre isto? Nenhum, apenas algum slogan que deva ser aplicado com o apelido de meritocracia. Ou algum slogan dizendo que os verdadeiros "privilegiados" são os funcionários públicos. Este tipo de discurso cai bem para uma classe média frustrada que quer enxergar seus sucessos como mero fruto de algum talento, na maioria das vezes inexistente, e não de um processo histórico que a colocou em situações vantajosas.
O setor privado exige que os serviços públicos não funcionem. Ele é dependente das falhas do serviço público. Elas geram muito dinheiro aos investidores internacionais e nacionais. Veja o quanto valorizaram as ações da Kroton (educação) nestes últimos tempos. Ou o aumento significativo de planos de previdência em bancos privados com a discussão sobre a Reforma do setor público. Quanto o setor de segurança privada não lucra com os problemas de segurança no Brasil? Todos os bancos hoje também têm seguradoras, eles realmente têm algum interesse em contribuir no assunto?
Amoedo com certeza não. Todo seu plano de governo visa à destruição do Estado como garantidor de direitos e a sua substituição pelo setor privado. A justificação é quase sempre através de slogans. Não há espaço para reflexão. O que o Novo propõe é basicamente uma volta à República Velha, momento em que o Estado se punha basicamente à disposição dos interesses dos grandes cafeicultores paulistas e não se enxergava como responsável pela correção de injustiças e pelo desenvolvimento do país. Substitua “cafeicultores paulistas” por “rentistas paulistas” e basicamente chegaremos ao plano de governo do Novo. O principal sintoma que seu crescimento mostra é que a classe média realmente se acostumou a abrir mão de direitos e trocá-los por serviços. E não quer pensar muito a respeito. Como chamar de Novo algo que tenta copiar um período histórico que entrou para história com o nome de República Velha? Como chamar de Novo um partido tão elitista? Não importa, o nome do partido é só um slogan. Just do it !

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O preconceito contra o Nordeste, a mídia e as eleições de 2018



O governador do Piauí, Wellington Dias foi até Brasília participar do lançamento da candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República. Durante o evento, foi questionado por uma jornalista se o plano B do PT, Fernando Haddad, conseguiria ser compreendido pelo eleitor do Nordeste. Uma pergunta do tipo: “Você acha que o ex-prefeito Haddad vai conseguir conversar com os nordestinos?”. A resposta do governador foi: “Sim, nós falamos português lá”.
O eleitor nordestino tem sido tratado como um “ente diferenciado” por toda grande mídia nestas eleições. Tudo que direi aqui se aplica também à forma como a Região Norte é vista e tratada, aliás. Analistas do Sudeste e do Sul se revezam para falar sobre as vontades e desejos deste eleitor, mas quase nunca este eleitorado tem algum espaço para expor suas opiniões. Sudeste e Sul aparecem como aqueles que acham que devem falar, enquanto acham que a função dos nordestinos é basicamente ouvir. Quebram a cabeça para explicar porque Lula segue forte na região, mesmo com a incessante cobertura jornalística visando à sua destruição. Dicas e conselhos sobre o que Alckmin deve fazer para “conquistar o eleitorado nordestino” são dadas em editoriais e terão muito possivelmente o mesmo final que estas mesmas dicas e conselhos tiveram para os candidatos tucanos em 2006, 2010 e 2014. Nenhum interesse em tentar entender, apenas em tentar "explicar". Um tom professoral sobre um assunto que claramente não entendem e não buscam entender.
A Globonews é um canal nacional e sem dúvida nenhuma relevante no cenário político atual. Assisti há alguns dias um debate de jornalistas sobre a eleição brasileira. Havia seis jornalistas. Um em São Paulo, uma no Rio, uma em Brasília, um em Buenos Aires, um em Nova Iorque e uma em Londres. Em algum momento o tema foi o eleitorado nordestino. Os seis concluíram rapidamente que a força do PT na região se deve exclusivamente ao Bolsa Família e mudaram de assunto. Na noite daquele mesmo dia, assisti a uma sabatina de jornalistas do canal com um dos candidatos à presidência. Se não me engano eram nove jornalistas, todos brancos e basicamente com a mesma opinião sobre todos os assuntos possíveis. Nenhum dos nove jornalistas era nordestino. São raros os casos de jornalistas nordestinos, aliás, que ganham algum espaço na mídia nacional em geral. Representação zero.
Ciro Gomes é o único candidato nordestino nesta eleição presidencial. Embora tenha nascido em SP, fez toda sua carreira no CE. Uma pergunta é frequente em todas as sabatinas que jornalistas do Sul e do Sudeste fazem a ele, o senhor é um “coroné”? Ciro tenta argumentar que não, afinal não exerce um cargo público eletivo no Executivo do seu estado há mais de 20 anos. A resposta não parece suficiente. O estado de SP é governado pela mesma pessoa basicamente desde o início desde século. O ex-prefeito da capital paulista é herdeiro de uma família de senhores de engenho escravocratas do período colonial. O atual prefeito de SP é neto do governador que praticamente criou o homem que governa o estado desde o início do século e tem no sobrenome a sua única força. “Covas sendo Covas é o seu slogan”. Nenhuma pergunta sobre “coronelismo” é feita para Geraldo Alckmin. O motivo é simples, o termo pejorativo é utilizado pelas mídias do Centro-Sul para se referir a uma região que não entendem e não querem entender, sem nenhum objetivo de melhorar o nível do debate ou trazer algum tipo de reflexão.
Sem nenhum programa que apresente a forma de pensar e a realidade do Nordeste, a Globonews possui um programa semanal de debates que se passa em Nova Iorque. Nele, dois jornalistas em Manhattan discutem política brasileira com um “jornalista” que mora em Veneza e um economista que mora em São Paulo. O “jornalista” de Veneza se chama Diogo Mainardi e nas últimas eleições, transtornado com a reeleição de Dilma Rousseff, comparou o eleitorado nordestino a uma boiada. “O Nordeste sempre foi bovino e atrasado”, ele disse. O economista é Ricardo Amorim, que entre muitas pérolas na eleição passada se destacou pelo Twitter “quem estuda, não vota na Dilma”, cometendo o erro gramatical de separar sujeito e verbo com uma vírgula.
São Paulo viveu uma verdadeira onda de ódio ao Nordeste no dia do segundo turno da eleição entre Dilma e Aécio. Frases xenófobas e propostas de separação do país eclodiram em redes sociais. Um da que se destacou foi um post de Coronel Telhada, deputado estadual mais votado do estado de SP, pelo PSDB. A íntegra é a seguinte: “Já que o Brasil fez sua escolha pelo PT, entendo que o Sul e o Sudeste (exceto MG e RJ, que optaram pelo PT) iniciem o processo de independência de um país que prefere esmola do que trabalho, que preferem a desordem ao invés da ordem, que preferem o voto de cabresto do que a liberdade. Por que devemos nos submeter a esse governo escolhido pelo Norte e pelo Nordeste? Eles que paguem o preço sozinho”. Isto foi dito, repito, pelo deputado estadual mais votado do PSDB – SP. Nenhum jornalista questionou Alckmin a este respeito nas sabatinas. “Governador, o que o senhor acha de alguém no seu estado achar que o Bolsa Família é esmola e se referir de forma tão preconceituosa à região Nordeste?”. Quem sabe um jornalista nordestino o faria.
Um dos motivos que explica a forte rejeição a Aécio Neves na região Nordeste nas eleições de 2014 foi linguístico. Ele utilizava com frequência o termo “leviana” para se referir à sua concorrente. Enquanto no Sul e no Sudeste esta palavra significa algo como imprudente, sem seriedade, no Nordeste o termo significa “biscate”. Basicamente uma parte significativa do país via Aécio chamando sua oponente de prostituta e simplesmente ninguém na grande mídia ou no PSDB percebeu o impacto que isto estava tendo.
A mídia brasileira não aposta na diversidade e no diálogo. Um programa, por exemplo, apenas com jornalistas nordestinos comentando as eleições segundo a ótica da realidade que eles vivem teria um impacto muito positivo. Serviria para abrir a mente do telespectador típico de um canal como a Globonews. Acompanhei a sabatina que Ciro participou em uma rádio maranhense e é impressionante como a dinâmica é outra, como as perguntas são diferentes e como isto pode nos ajudar a sair das nossas bolhas. Precisamos dar voz nacional a formadores de opinião de todos os locais do país. Infelizmente a grande mídia não parece interessada em fazer isto. Prefere manter seu telespectador arrogante e desinformado, forjando uma unanimidade criada por debates feitos por pessoas do Sudeste e do Sul brancas. Prefere tratar seus telespectadores de forma bovina.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Digressões sobre o Tinder, o churrasco e uma sociedade escrota


Ingressei no Tinder um tempo depois de terminar um namoro e descobrir que não tinha o menor pique para a típica vida de solteiro novamente. Balada se tornou algo muito próximo do insuportável para mim. Pessoalmente, não posso negar que o aplicativo seja muito bom para conhecer gente legal, afinal é muito bom conversar com uma pessoa antes de sair com ela. Dá pra pelo menos saber que você não está saindo com uma pessoa idiota e, bom, pelo menos um gostou da aparência do outro. Para alguém tímido, isto é realmente fundamental. O Tinder é também, porém, um interessante instrumento para análises sociais.
No Tinder somos todos tratados como mercadoria. Desde o momento em que ingressamos. O mecanismo de gostei ou não gostei vem com um v verde para gostei e um x vermelho para não gostei. As fotos vão aparecendo em sequência e você “guarda” as pessoas das quais a aparência gostou e simplesmente descarta aquelas que não gostou. Com um X ou com um deslize do dedo para a esquerda. Como uma vassoura, você varre pessoas da sua vida baseando-se basicamente na aparência delas.
A escolha das suas fotos é o primeiro e mais fundamental passo nestes aplicativos. É o momento em que você vende o seu produto. “Queiram me conhecer”, é o que cada foto diz. Nelas você mostra não apenas o que gosta de si mesmo, mas o que quer que a outra pessoa também goste. A primeira coisa que percebi pelo Tinder é que as pessoas gostam de mostrar viagens. Creio que as paisagens mais frequentemente vistas no aplicativo são a Torre Eiffel e a Estátua da Liberdade. Viagens mostram alguma independência financeira e um suposto conhecimento do mundo. “Venha me conhecer, eu tô bem de grana e tenho cultura”. Fotos brincando na neve são muito comuns também. Nem sempre representam isto, claro, mas é o que tentam representar. Sociedade das aparências afinal. Outro tipo de foto frequente é a com animais dopados, especialmente no zoológico de Buenos Aires. Pessoalmente acho esta foto clássica de extremo mau gosto, mas acho que de certa forma as pessoas querem mostrar que são “destemidas”. Assim como nas fotos pulando de paraquedas. Tentativa de se mostrar uma pessoa aventureira. Muitas fotos de pessoas correndo e felizes. “Sou saudável”. Por último, uma foto muito frequente da minha experiência nestes aplicativos é a de pessoas numa festa tomando vinho. “Gosto de curtir a vida”, esta foto quer dizer.
Quando você entra no Tinder, as primeiras informações que você põe são idade e profissão. Não lembro se é no Tinder, no Happn ou nos dois, mas lembro que pelo menos no Happn a profissão é a única coisa que aparece junto com sua foto. Eu, por exemplo, sou o João economista. Nossa sociedade é vazia e na maioria das vezes a única coisa que temos realmente a apresentar é o nosso trabalho. Somos o que fazemos e queremos logo de cara saber o que a outra pessoa faz. O Brasil é um país hierárquico e escroto, muito raramente as pessoas querem muito contato com gente que não tenha um “emprego legal”. Pelo menos aquelas que usam estes aplicativos. Caso você tenha interesse, na hora que você clica na foto da pessoa pode ser que tenha uma pequena biografia escrita por ela. A minha, por exemplo, estava em branco. Mas lê-las era interessante, as pessoas muitas vezes escreviam o que gostam e o que não gostam de fazer. Entre mulheres, por exemplo, pude concluir que o fumo se tornou uma atividade muito impopular. As duas coisas que mais me impressionavam pela frequência, porém, eram: “Dê um X se você for casado” (maior frequência) e “Não me mande fotos de pau” (menor frequência).
Curioso sobre o assunto, fui conversar com uma amiga minha que usa estes aplicativos para tentar entender também como é o perfil dos homens que aparecem para ela na rede. Concordamos que eu passaria uma tarde vendo as fotos e dando X depois de ler as biografias. Ela ficou do meu lado, porque não queria que eu desperdiçasse “algum gatinho” que aparecesse. A primeira pergunta que fiz foi sobre essa questão de aparecer muito homem casado. Ela respondeu apenas que “sim”. Sobre a questão das fotos de paus, ela foi mais incisiva. “Siiiiim. É uma verdadeira epidemia masculina. Vocês homens realmente deveriam conversar entre si sobre isso”.
Pude ver que há muitas semelhanças e algumas diferenças entre a forma como homens e mulheres se vendem nestes aplicativos. Torre Eiffel, Estátua da Liberdade, neve, fotos correndo e bebidas fazem parte do cardápio. Duas diferenças, porém, chamaram a minha atenção. Uma era esperada. Homens adoram colocar fotos de carros, especialmente no salão do automóvel. Tentei refletir sobre o motivo de homens acharem sensual estarem ao lado de um veículo que claramente não é deles e nunca será. A única resposta possível que achei é que isto pode demonstrar “ambição”. Algo do tipo “quero ter este carro e dedicarei minha vida a isto. Venha comigo nesta jornada”. A segunda diferença, porém, eu não imaginava que existia. Homens adoram colocar fotos participando ou organizando churrascos.
Perguntei à minha amiga se era sempre assim e ela disse que nunca tinha reparado nisso. Louco por reflexões inúteis, pus-me a pensar sobre o significado do churrasco naquelas fotos. O enigma começou a ser desfeito na minha cabeça no último sábado. Estava num aniversário, sentado meio num canto com uma cerveja, quando numa conversa da qual eu não fazia parte ouvi um homem gay dizer: “Não sei porque homem hétero gosta tanto de churrasco”. Mais tarde, conversando com outra pessoa, descobri que aquele homem tinha organizado um churrasco na final da Copa do Mundo e disse, após o evento, que a partir daquele dia todas as suas festas teriam o formato de churrasco. Segundo ele, sempre aparece um homem hétero no evento que se propõe a cuidar da churrasqueira, permitindo a ele curtir a própria festa.
Numa conversa com um ex-chefe (o mesmo que citei no texto anterior aliás), lembro-me de uma conversa que tivemos sobre investimentos. Eu sou o “João economista”, mas pouca gente sabe que eu sou possivelmente o pior economista do mundo e com alguma frequência me procuram para pedir dicas sobre este assunto. Ele havia acabado de terminar as prestações de um apartamento. Viciado em dívidas, porém, estava querendo usar o apartamento recém-pago para dar entrada em outro, com o dobro do preço. O principal motivo apontado pelo ex-chefe é que ele queria ter uma varanda gourmet com churrasqueira, para ter um espaço para chamar uns amigos e “assar uma carne”. Respondi falando que ele deveria tirar um mês de férias e torrar uma grana numa viagem muito foda com a esposa. Acho que ele não me ouviu.
Pensando nas minhas experiências de churrasco, lembrei-me de um que a minha mãe organizou no quintal quando eu era criança. Um tio meu compareceu e houve um debate entre ele e minha mãe sobre quem deveria conduzir a churrasqueira. Meu tio venceu com o seguinte argumento “Gina, eu tenho mais de 30 anos de experiência com churrasco”. Eu acho que não sei fazer churrasco. Nunca organizei um. Acho que deve ser basicamente jogar fogo num carvão e deixar a carne temperada lá. Mas deve ter mais coisas. Lembrei-me também de uma vez que disse numa mesa de amigos que eu nunca tinha feito um churrasco na vida. Um deles me chamou de filhinho de mamãe por isso. Foi com esta lembrança que de alguma forma consegui começar a resolver a charada na minha cabeça.
Sou realmente filhinho de mamãe. Fui uma pessoa que nunca fez nada na infância e na adolescência. E meu amigo descobriu isto apenas porque eu disse que nunca tinha organizado um churrasco na vida. Ele basicamente descreveu 18 anos da minha vida com esta informação. Talvez seja isto que homens queiram dizer com esta foto. “Sou tão independente que sei fazer um churrasco”. Talvez falte isto para minha existência, ser capaz de assar uma carne.
O Tinder foi aos poucos perdendo espaço para o Happn. O motivo é que as pessoas mais ricas, bonitas etc. não estavam gostando da popularização do aplicativo. Muitas pessoas que não tinham ido para a Torre Eiffel ou para a Estátua da Liberdade começaram a aparecer e gerou um incômodo. Descartar com um X não era mais suficiente, era necessário criar outro aplicativo em que estas pessoas não estivessem. Desta forma, surgiu o Happn. Mais ou menos como Orkut e Facebook. Mais ou menos como educação, saúde e aposentadoria, aliás. A educação pública era boa. Mais pessoas começaram a ter acesso. Pessoas ricas e de classe média começaram a tirar seus filhos da escola pública e as colocaram nas privadas. Sem interesse governamental, a escola pública degringolou. A saúde pública era boa. Mais pessoas começaram a ter acesso. Pessoas ricas e de classe média começaram a pagar planos de saúde para não ter que usar o mesmo espaço do povão. Sem interesse governamental, a saúde pública degringolou. Agora é a vez da aposentadoria. Os bancos, grandes financiadores das campanhas eleitorais junto com as empreiteiras, já estão lucrando horrores com a corrida da classe média para a previdência privada. Contam com o apoio da grande mídia, que tem nestes bancos seus principais apoiadores publicitários. É tudo uma roda de escrotidão. Do assunto mais sério ao assunto mais banal, como o Tinder. Nossa sociedade gosta de exclusividade, status e aparência. E também de churrasco.

domingo, 12 de agosto de 2018

Reflexões de uma vida medíocre



Decidi que não farei revisão neste texto. Peço já antecipadamente desculpas pelos erros de português. Não sei exatamente em qual momento da história a palavra medíocre ganhou a conotação negativa que possui hoje. Por puro achismo, acredito que tenha sido a partir dos séculos 18 e 19 e com o desenvolvimento do capitalismo. Acho que foi neste momento que a ideia de ser o melhor em algo passou a embutir algum mérito. Até este momento, seu destino estava basicamente traçado a partir do momento em que você nasceu. Não que seja muito diferente hoje em dia, mas pelo menos há alguma chance de mudança de status. O certo é que em algum momento da história ser mediano passou a ser algo ruim. Os dois personagens principais de dois dos mais importantes livros do século 19 estão em eterna luta contra a própria mediocridade. Julien de Sorel em O Vermelho e o Negro e Rodion Raskolnikov em Crime e Castigo têm em comum a obsessão por Napoleão, o homem do povo capaz de feitos incríveis e buscam, através de atos extremos, igualarem-se ao líder francês e escapar da mediocridade.
Considero-me uma pessoa medíocre, no que se refere à raiz média da palavra. Mas cada hora uso o termo com uma conotação. Vivo em ambientes compostos por pessoas medíocres. Conheço muito pouca gente que é realmente boa em algo e que ao mesmo tempo tenha alguma importância social. Quase todos que conheço nesta condição são médicos e professores, possivelmente duas das atividades mais importantes em nossa sociedade. Não tenho a honra de conhecer pessoas de outras profissões que realmente admiro muito e sem as quais nossa vida entraria em rápido colapso. Garis e bombeiros, por exemplo. Não sei o nome de nenhum dos bombeiros que tentou salvar vidas no prédio que desabou no Paissandú. A característica mais importante da mediocridade é a incapacidade de reconhecer os verdadeiros heróis.
Sou economista e quase todos os meus colegas de profissão são medíocres. Tenho amizade com vários e admiração apenas por dois, que nem meus amigos são. A principal característica da minha profissão é tentar colocar tudo em números e, a partir deles, julgar se as coisas estão melhorando. O PIB brasileiro cresceu 1% no último ano, logo estamos melhorando. O número de jovens abandonando as faculdades aumentou, mas estamos melhorando. A mortalidade infantil aumentou, mas estamos melhorando. Meio milhão de pessoas está presa sem julgamento por crimes muitas vezes ridículos, mas estamos melhorando. Li outro dia que brasileiros ricos estão desencanando do Brasil e se mudando para Portugal. Isto está criando uma nova necessidade entre os arquitetos portugueses, que é o desenho de prédios com elevador de serviço, uma vez que brasileiros ricos não se sentem bem dividindo o elevador com pessoas de um nível abaixo. É a exportação de mediocridade.
Trabalhei por doze anos numa editora de grande porte. Durante dez anos ficamos num mesmo prédio, que tinha quatro elevadores. Um era de serviço, dois eram para os funcionários e um quarto era exclusivo para o diretor geral da empresa. Ele só era acessível no subsolo e no sétimo andar, onde ficava a sala da diretoria. Este diretor geral tinha um cozinheiro exclusivo para ele, que víamos frequentemente utilizando o restaurante dos demais funcionários. Ele não podia comer a comida que cozinhava para o diretor geral e seus convidados. Toda vez que uma autoridade ia visita-lo, o elevador do subsolo era programado para atender o térreo. O único funcionário que podia parar o carro no subsolo era ele. Acho que talvez um ou outro diretor talvez parasse o carro lá também, mas não me lembro exatamente. Havia outros dois estacionamentos na empresa, um coberto, exclusivo para os outros diretores e gerentes, e um descoberto, liberado para os demais funcionários. Tinha umas poucas vagas cobertas neste estacionamento geral, as vagas eram basicamente de quem chegasse antes. Lembro-me de um caso interessante de um então coordenador que criticava bastante o diretor geral nas fofocas de café por causa do tal do elevador exclusivo. Quando foi promovido a gerente, parou o carro no novo estacionamento coberto a partir do primeiro dia. A mediocridade é contagiosa, afinal.
Facilmente nos acostumamos a privilégios, a ponto de rapidamente deixarmos de enxerga-los como tal. A maioria das pessoas que conheço tem vidas sem propósito ou sentido. Especialmente no que se refere à “vida profissional”. Odeio este termo. Passamos mais tempo no trabalho do que na “vida real”. Não acho que uma pessoa possa ser algo no trabalho e outra coisa fora dele. Mas enfim. Um fenômeno interessante de se observar em empresas é o dos funcionários que odeiam o trabalho e morrem de medo da demissão. Infelicidade com o presente e medo de que o futuro seja pior. A chave para entender o momento pelo qual o Brasil passa por estes dois sentimentos, infelicidade e medo. Numa eleição de sentimentos, talvez o único que possa enfrenta-los é a ideia de esperança, e aparentemente apenas uma candidatura percebeu isto. Mas não falarei mais de política hoje.
Queria ter algum tipo de dado para saber quantas pessoas conseguem chegar ao fim dos textos que escrevo. O que consigo saber a partir do que o Google fornece é que o título é fundamental para atrair leitores. Pensei em nomear este texto como “Suzanne von Richtofen sai da cadeia para aproveitar o dia dos pais”, mas mudei de ideia. Todo dia das mães e dos pais esta manchete ganha os grandes portais. Provavelmente gera muito clique. A mediocridade gosta de sensacionalismos, afinal.
A grande arma dos medíocres é arrumar alguma forma de justificar a própria infelicidade e os fracassos. Vivemos numa grande prisão de infelicidade e medo. A principal forma de nos manter nesta prisão vem com o consumismo. Trabalhos que não gostamos para comprar coisas que não precisamos, afinal. Nada como uma prestação de trinta anos para comprar um apartamento com varanda gourmet num bairro planejado para te tornar um eterno escravo. Trinta anos são basicamente o que há de melhor na vida, facilmente trocado por um imóvel. Comprar apartamento é a melhor forma que a classe média encontrou de foder com a própria vida. A segunda é o automóvel. O desespero para seguir devendo é tão grande que a maioria das pessoas que conheço corre para trocar de veículo assim que ele acaba de ser pago.
Conheço até hoje uma pessoa que rompeu verdadeiramente com o que chamo de ciclo da prisão consumista. É um ex-colega da empresa do elevador exclusivo do chefe. Até hoje, quando encontro o pessoal que trabalhava comigo lá, falamos sobre ele com uma mistura de deboche e inveja. O deboche é a grande arma do medíocre contra o que é diferente e questionador. O deboche não tem outra função que tentar humilhar alguém, não há nenhum convite à reflexão. Medíocres não gostam de refletir.  
Participei por muito tempo de aplicativos de relacionamentos pela internet. Depois do momento em que perguntamos se a outra pessoa está bem, normalmente perguntamos o que a pessoa faz da vida. A resposta é quase sempre a profissão. Não me lembro se no Happn ou no Tinder a profissão já vem abaixo da fotinho que você curte ou não. Comecei usando Tinder, até o momento em que um amigo meu me recomendou o Happn. Descobri que era para onde as “minas gatas” estavam indo. Uma das minhas paqueras disse que havia saído do Tinder porque estava muito “povão” e só tinha gente feia. Conheço muita gente, aliás, que ao elogiar um local em que vai à noite diz que lá só tem “gente bonita”. Os aplicativos levam para a internet a escrotização da vida real. Quando saí do Happn, aparentemente ele já estava ficando ultrapassado, segundo o mesmo amigo que o havia recomendado. As pessoas bonitas e ricas estavam cansando de lá e tinham criado um novo aplicativo, cujo nome não sei.
Foi mais ou menos assim com tudo em nossa história. Podemos utilizar a educação como exemplo. Ela era exclusiva da elite. Com o tempo, o povão começou a ter acesso às escolas públicas e a classe média e a elite buscaram o setor privado para se diferenciar. O governo, basicamente a serviço destas duas classes, pôde assim deixar de investir no setor. Buscando maior diferenciação, elite e classe média começaram a ingressar em universidades e diplomas passaram a ser o grande diferencial no mercado de trabalho. Os anos 2000 representaram o momento de grande acesso de uma parcela gigantesca de pessoas pobres às universidades. Foi o momento também de explosão dos cursos de MBA entre pessoas de classe média e ricas. Como o diploma deixou de ser o diferencial, criaram-se novos cursos, a maioria inútil, apenas para diferenciar aqueles que têm condições de pagá-los. Nada se desenvolve com base na inclusão, apenas na exclusão.
Na empresa do elevador exclusivo, estávamos no café das fofocas uma vez eu, um colega e nosso chefe, falando sobre alguma eleição que não lembro o ano. Disse nosso chefe que não conhecia nenhuma pessoa que havia estudado graças ao Prouni. O meu colega, que estava a frente do chefe, havia estudado graças a este programa. Por que o nosso chefe não sabia disso? É simples, porque nunca havia se interessado em ouvir o que seu funcionário tinha a dizer. Pessoas de uma hierarquia acima nunca se interessam em aprender com as experiências de quem está abaixo. Qualquer sociedade de caráter exclusivista como a nossa é assim. Lembro-me que este mesmo colega me disse uma vez se eu já tinha notado que sabíamos o nome de um diretor de outro andar com o qual não tínhamos nenhum contato, mas não sabíamos o nome da senhora que limpava o nosso andar todo dia.
No começo do texto, disse que não sabia o nome de nenhum gari. Digo isto porque sou medíocre. Estou dedicando 2018 a tentar sair da prisão. Está difícil. Dizia Nietzsche, mais ou menos desse jeito, não lembro a citação correta, que toda vez que você decidir fazer algo da sua vida, vá até o fim, pois a vida fará o possível para que você volte atrás. A hora é de seguir em frente.

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Glória a Deus - A análise do pior debate de todos os tempos



Um lunático lendo a Bíblia nas considerações finais. Este foi o principal momento daquele que considero o pior debate da história da política brasileira. Ao menos dentre os que eu assisti. A minha frase favorita sobre o que ocorre no Brasil desde 2014 é “o Brasil tomou LSD e o efeito não passa”. Não sei quem é o(a) autor(a) da frase. A noite de ontem foi mais um momento do efeito que não passa.
Quase ninguém assistiu ao debate. Durante a sua exibição, a Band estava em quarto lugar na audiência, atrás inclusive do Programa do Ratinho. A emissora comemorava durante a transmissão a grande repercussão que o debate possuía nas redes sociais, repercussão causada em grande parte pelo uso de robôs por quase todas as candidaturas.
Ricardo Boechat foi muito mal como âncora. Permitiu que candidatos fugissem completamente ao tema das perguntas e tentou fazer uma piadinha constrangedora com um dos candidatos. Confundiu-se sobre as regras. Os demais jornalistas fizeram perguntas fracas.
A forma como debates são montados no Brasil não permite nada diferente de respostas vagas e simplistas sobre temas extremamente complexos. Não há como debater uma Reforma Educacional em um minuto e meio com quarenta e cinco segundo de réplica. Só há espaço para Alckmin repetir o slogan de “escola em tempo integral”, que promete e não cumpre em SP nestes dez milênios em que comanda o Estado, ou para Bolsonaro falar sobre o assustador, bizarro e medonho projeto de militarizar as escolas públicas, que o PSDB de Alckmin tem utilizado em Goiás.
As redes sociais terão um papel preponderante nesta eleição, talvez rivalizando com a televisão pela primeira vez. Aparentemente os publicitários do candidato fascista foram os únicos que perceberam isto até o momento, talvez por falta de opção. Em toda resposta, o candidato fascista buscava criar um vídeo de um minuto e meio para ser compartilhado em redes sociais com termos como “lacrou”. “Destaca-se” a ideia de armar a população. O formato de debates é ideal para sua visão de mundo distorcida, preconceituosa e para suas “propostas”. Corram para as montanhas.
O desempenho de Álvaro Dias foi medonho. Baseado neste debate, é realmente inacreditável que ele já tenha sido governador de um Estado. A pergunta parecia ser uma mera formalidade para o candidato, que respondia sobre o que lhe dava na telha. Se Cabo Daciolo aposta no “Glória a Deus”, Dias aposta no “Glória a Moro”, algo semelhante ao que Doria tenta fazer em SP. Prometeu que, se eleito, transformará Moro em Ministro da Justiça. Não se sabe se já falou com o juiz sobre o assunto. Apostar no “Deus” da Lava-Jato para atrair os fascistas lunáticos que o amam parece ser a única tática entre a repetição do pior slogan da história da política: “Abra o olho”. O lado interessante é a contradição, uma vez que, ao mesmo tempo em que repete que a Lava Jato deve agir livremente da política, sem interferência do governo, o plano de trazer Moro para o governo é exatamente para que este passe a interferir na operação.
Alckmin pareceu ser o alvo principal dos demais candidatos. Num dos poucos momentos interessantes do debate para mim, apontou o pluripartidarismo (no que se refere ao elevado número de partido, e não ao modelo em si) como principal problema político do país, no que está certo. Infelizmente, não houve interesse dos demais candidatos em aprofundar o assunto. Nos demais momentos, foi o Alckmin de sempre. Assisto-o em debates desde 2002 e é sempre a mesma coisa. Repetição eterna de coisas que não fez como se fossem slogans. Foi o que teve mais tempo e não conseguiu chamar a atenção em momento algum.
Marina foi Marina. Proporá um debate sobre todos os assuntos, enquanto busca fugir de todos os assuntos mais espinhosos. Um outro momento que poderia ser bom no debate foi quando ela e Ciro começaram a dialogar sobre a transposição do Rio São Francisco. Infelizmente não houve tempo para que o diálogo fosse longe, provavelmente deram espaço para Cabo Daciolo falar sobre Deus ou Álvaro Dias dar um sorriso assustador.
Boulos se mostrou muito articulado, mas falhou na tentativa de confrontar abertamente mais vezes os candidatos da direita, especialmente Alckmin. Não teve oportunidade para isto. Merece créditos por ter trazido a pauta a discussão sobre o aborto. E também teve a coragem de chamar o candidato fascista de racista e misógino, coisa que nenhum outro fez, uma semana depois do vice deste candidato ter dito a frase mais racista da eleição. Combater o fascismo deveria ser o foco de qualquer sociedade decente. O pior debate da história, porém, mostrou mais uma vez que já deixamos de ser isto.
Ciro tenta se encontrar após o fracasso de suas táticas de campanha. É, a meu ver, muito bem preparado, mas não consegue falar numa linguagem popular. Ganhou pontos comigo ao acusar o golpe em 2016, mas perdeu ao tentar elogiar Moro. Foi também muito pouco perguntado.
Por último, o grande vencedor do pior debate da história. Cabo Daciolo se mostrou o pior candidato desta eleição, isto tendo como concorrente Bolsonaro. Foi o candidato mais comentado no dia seguinte. A maioria das pessoas que conheço riu de todas as sandices que ele disse. Também já rimos de Bolsonaro quando ele começou. Se a tragédia total se aproxima, já temos um candidato à farsa. Um país que não conhece sua própria história permite que dois personagens deste tipo surjam. Que Deus nos salve.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

O fim da Editora Abril



A Editora Abril promoveu hoje mais um corte de títulos e de funcionários. Títulos tradicionais como Elle, Mundo Estranho e Casa Claudia deixam de existir. Fechamentos de títulos têm sido recorrentes na Abril desde a morte de Roberto Civita. Goste-se ou não, Civita tinha um certo amor pelo negócio. Após seu falecimento, a gestão da Abril foi terceirizada pela família a jovens do mundo financeiro que, bom, fazem aquilo que eles sabem fazer. Cortam e demitem. Se algo não dá resultado, não procure achar um jeito de tornar aquilo lucrativo, simplesmente feche. É a base de toda “teoria de negócios do MBA”, afinal. Primeiro você terceiriza e se livra de responsabilidades. Arrume alguém para culpar. Depois feche, apresentando sempre números.
Trabalhei por muito tempo no setor editorial. Era como trabalhar numa fábrica de discos de vinil no final dos anos 1980. Ou como trabalhar numa fábrica de vídeo cassete no final dos anos 1990. A ideia é sempre tentar adiar o inadiável. Mais do que isto, na maioria das vezes o foco não era no produto. Lembro-me de uma promoção tida como “bem-sucedida” em que as pessoas compravam a assinatura de uma ou mais revistas em aeroportos e ganhavam como “brinde” uma mala de viagens. Ninguém estava interessado na revista, mas sim na mala. As pessoas na empresa achavam totalmente normal que uma editora estivesse vendendo malas. Era assim também com facas, DVDs e todos os outros tipos de “brindes” que apareciam.
As revistas perderam quase toda a relevância no nosso mundo. E o pior é que se contentaram com isto. Dos assuntos que me interesso, sinto que a revista Piauí é a única que traz conteúdo minimamente relevante. Posso estar errado sobre outros meios, mas o que sinto é que não é muito diferente. A revista VIP, por exemplo, fechada hoje, era um grande desperdício de árvores, com todo o respeito aos profissionais que lá trabalhavam. O mesmo acontece com a revista GQ, sua concorrente.
Poucos ambientes são tão pouco diversos quanto as redações das revistas. Usando novamente o local em que eu trabalhava como base, a revista do público jovem descolado era feita por jovens brancos de classe média descolados, que se vestiam sempre da mesma forma descolada para falar sobre jovens brancos de classe média brancos descolados. A revista feminina chique era basicamente feita por mulheres brancas de classe média escrevendo sobre vida de mulheres brancas de classe média. A revista de negócios era basicamente feita por jovens engravatados brancos sobre investimentos para jovens engravatados brancos. Aliás, se tem uma coisa que me diverte são essas revistas de editoras falidas ensinando gestão. Editoras são ambientes extremamente conservadores num mundo em transformação. Não conseguem entender que o momento exige diversidade. As grandes editoras não percebem que o público quer histórias melhores e mais interessantes. Tenho um amigo que participou da produção de “Jeremias” para o grupo Maurício de Souza. Ele é negro e o grupo teve a inteligência de convidar pessoas negras para escrever uma história sobre o único personagem negro do grupo. A história é um sucesso de vendas, provavelmente o maior sucesso do grupo nos últimos tempos. Isto fez com que o grupo o convidasse para reuniões sobre outros materiais. Este meu amigo me contou das dificuldades que as pessoas brancas têm em entendê-lo. O conflito de ideias e de mundo é fundamental para gerar um bom trabalho.
Não há ambiente mais egocêntrico do que redação de revista. Como as redações são repletas de pessoas iguais, elas estão sempre se bajulando e se achando geniais. Lembro-me de uma conversa com um fotógrafo de revista de celebridades que se achava um gênio e tratava todo mundo mal porque era paparazzi, possivelmente o trabalho mais babaca e inútil do mundo (Desculpe se você for paparazzi). A falta de diversidade leva a uma ausência de críticas que os impedem de enxergar a inutilidade do próprio trabalho.
Os “gênios” do mercado financeiro que assumiram as gestões das grandes editoras apostaram no meio digital. A principal característica do meio digital é que nele não é necessária a existência de um intermediário entre aquele que tem a opinião ou a informação e o leitor que a consome. Ao investir no mundo digital, as editoras apostaram num meio em que não são necessárias. Apenas no meio impresso é necessária uma empresa que junte a informação e a opinião de vários jornalistas e as junte de forma econômica.
O cenário é triste. As três maiores revistas semanais de informação, por exemplo, sobrevivem graças à publicidade de estatais e à compra de assinaturas realizada por governos estaduais e municipais. A responsabilidade maior é da má qualidade do conteúdo. Diversidade, papel e gente que gosta do meio no comando. São os três caminhos para a salvação das editoras. Elas apostam no contrário.  Quem sabe as revistas voltem daqui a 30 anos, mais ou menos como acontece com o vinil agora. Como relíquias para um público retrô.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

As redes sociais e a desintegração da democracia



Assisti ontem uma entrevista de Aldous Huxley realizada pouco após o lançamento de Admirável Mundo Novo. O autor foi questionado sobre qual seria para ele a grande ameaça à democracia no mundo moderno. Sua resposta foi: avanço tecnológico. Embora o autor se referisse muito mais a ideia de vigilância completa que este avanço traria, sem ter ideia de que algo como redes sociais pudesse existir algum dia, talvez estejamos no processo de verificação de que o inglês estivesse certo em sua previsão.
Não dá pra dizer que esta é a eleição das redes sociais. Ainda vivemos num país em que o maior instrumento de informação é a televisão. Mas sem dúvidas o impacto destas redes cresce a cada eleição. Já foi assim em 2014, 2016 e agora em 2018. E continuará sendo assim até que, provavelmente, em algum momento estas redes superem a televisão. A forma como a campanha é feita nos dois meios é totalmente distinta.
Os candidatos começaram a participar das sabatinas feitas por emissoras de TV. Já assisti às realizadas na TV Cultura, na Globonews, na Bandeirantes e na Gazeta. A conclusão a que cheguei é que na verdade quase ninguém assiste a estas sabatinas. Elas servem atualmente apenas para duas coisas. Para o jornalista tentar aparecer e ganhar prestígio é a primeira. E para que o candidato ou a candidata tentem criar pequenos momentos de no máximo dois minutos que possam ser usados em redes sociais.
Rede social não serve para refletir. Serve para que grupos se fechem entre si e vivam em mundos paralelos. Isto se faz com radicalismo e agressividade. A maioria dos vídeos de política compartilhados, independente do lado, vem sempre com verbos como “lacrar”, “humilhar”, “destruir” e “calar”. Candidato A humilha jornalista “petralha”. Candidato B destrói argumentos de jornalista “imperialista”. Os candidatos mais preparados vão a estas sabatinas atrás disso.
Seguindo esta lógica, ninguém tem ido tão mal nestas sabatinas quanto Alckmin. Os motivos são dois. O primeiro é que ele não tem o perfil de quem sabe se impor da forma como os consumidores das redes sociais exigem. Muito raramente ele “lacra” ou “humilha”. A segunda é que sem dúvida ele é o candidato favorito de todos os grandes meios de comunicação, tendo assim uma entrevista mais fácil e sem confrontos do que os demais. Isto o prejudica, pois é a partir destes confrontos que surgem os vídeos que tanto sucesso fazem nas redes sociais. A repercussão que ele tem tido destas entrevistas é zero, ainda mais se compararmos com o que acontece com o candidato fascista.
Tenho poucas dúvidas de que a escolha de Ana Amélia como sua vice tem a ver com isto. A senadora pelo RS é membro do MBL, possivelmente a maior fábrica de notícias falsas da internet brasileira. Se Alckmin não sabe “lacrar”, Ana Amélia sabe. A senadora ganhou grande popularidade com um vídeo em que confunde a emissora árabe Al Jazeera com o grupo terrorista Al Qaeda e em que destila preconceitos contra os praticantes do islamismo. A escolha de Ana Amélia dará forças para Alckmin nesta guerra. Fará o trabalho da “lacração”.
Não há dúvidas de que nas grandes cidades as redes sociais impactam mais do que em outras regiões. Os resultados das eleições municipais de 2016 já comprovam isto, com a vitória de candidatos que souberam muito bem utilizá-las. Em SP ganhou um palhaço egocêntrico que soube como ninguém entender que o eleitorado queria soluções fáceis e gritos de ódio em vídeo de um minuto e meio. Algo semelhante aconteceu em Porto Alegre. No RJ ganhou um pastor evangélico, em BH um presidente de clube de futebol, ambos com pouco tempo de TV, mas fazendo uma forte campanha nas redes sociais. Não à toa em quase todas as capitais das regiões Sul e Sudeste a liderança pertence ao candidato fascista.
As redes sociais nos fecharam em bolhas. Lemos apenas coisas com as quais concordamos e vídeos curtos contendo o que chamamos de “verdades absolutas”, ou “lacração”. Não adianta tentar explicar para um bolsonete quais os impactos que a escravidão tem até hoje sobre a nossa sociedade. Ele acha que o que o candidato fascista disse é verdade e está cercado de pessoas que pensam como ele. Tentei numa discussão por Facebook argumentar com um deles utilizando um trecho do Abolicionismo de Joaquim Nabuco. Recebi como resposta um meme feito pelo MBL com risos. Somos estimulados à intransigência. Qual o caminho? Não faço ideia. Mas vendo o que acontece no mundo, não tenho dúvidas de que estamos longe do fim. A democracia se desintegra.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

A grande mídia e o candidato fascista



O candidato fascista foi ao Roda Viva e falou um monte de asneiras. Amanhã vai à sabatina da Globo News e provavelmente repetirá as mesmas asneiras. Os jornalistas, completamente incapazes de lidarem com ele, ficarão chocados.
O candidato fascista disse, basicamente, que a escravidão é uma farsa e que não há consequências atuais dela na nossa sociedade. Que ele “não tem culpa” e que não foi obra do branco europeu. Leandro Narloch diz a mesma coisa no best seller “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”.  O livro se tornou a base para toda pessoa idiota que quer repetir idiotices sobre a história do país. Boa parte do sucesso da obra se deve à Revista Veja, na qual Narloch trabalhava e que divulgou o livro a exaustão, como uma visão alternativa da história àquela que “os comunistas ensinavam”. Até ano passado, Narloch tinha uma coluna chamada “Caçador de Mitos” no site da revista em que, vejam só, ele caçava notícias “falsas” na mídia, que segundo ele tinham conotação “esquerdista”. Thaís Oyama, chefe de redação da revista Veja, era uma das entrevistadoras do candidato fascista e sua foto horrorizada com a resposta do fascista sobre a escravidão se tornou meme. A chefe da revista que tornou best seller o livro em que o candidato fascista “aprendeu” a sua visão de história agora se diz horrorizada. Algum dos canais de TV a cabo, vejam só, resolveu transformar o livro de Narloch em programa de TV. Vários historiadores deram depoimentos ao canal SEM SABER que era para um programa sobre este livro. Tipo pegadinha. Quando souberam, tiveram que entrar na justiça para impedir que suas imagens fossem utilizadas para propagar um programa sobre um livro que é ridicularizado no meio acadêmico. Este meio, aliás, é predominantemente de esquerda. Na grande mídia, porém, apenas dois historiadores possuem algum espaço, coincidentemente os dois de direita: O “caçador de mitos” Narloch e Marco Antônio Villa. A mídia não se chocou em nenhum momento com isto.
O candidato fascista disse também que iria resolver o problema da Rocinha metralhando. Mais choque entre os jornalistas. Ratinho, há anos, diz que resolveria o problema das cadeias com um botijão de gás. Rachel Sheherazade defendeu a tortura a um menor que havia praticado um furto. Ambos fazem isto na segunda maior emissora de TV do país. José Luiz Datena, quase candidato ao senado por SP, passa as tardes usando o termo “guerra” para se referir à violência urbana nas nossas grandes cidades. Pedindo ação do Exército. A mídia não se chocou em nenhum momento com isto.
O candidato fascista desmereceu o programa de cotas, causando desconforto no jornalista do Globo. Alexandre Garcia, um dos poucos jornalistas da emissora do grupo que possui total liberdade de opinião, disse num editorial que o sistema de cotas estava inventando o racismo no país. A mesma emissora faz uma novela na Bahia praticamente sem atores negros. Não possui praticamente nenhum apresentador negro. A mídia não se chocou em nenhum momento com isto.
Qualquer tentativa de diversificar a mídia era chamada de “censura”. Órgãos de grande mídia agora entram na justiça para impedir que Intercept, El País e BBC trabalhem no Brasil.
O candidato fascista contou um outro monte de mentiras. A Revista Veja de Oyama trouxe em sua capa há alguns anos uma capa que falava que Cuba havia enviado dinheiro para campanhas petistas em caixas de uísque. Era mentira e não houve retratação. A Revista Isto É trouxe na capa da semana anterior à passeata que foi fundamental para a queda de Dilma a delação do ex-senador Delcídio Amaral. Esta delação não foi homologada pela Justiça porque era falsa. Não houve retratação.
O candidato fascista é fruto de anos de histeria antipetista infladas pela mídia. Todos os absurdos que ele diz foram espalhados pela grande mídia por anos com o objetivo de enfraquecer a gestão petista. O Judiciário, diziam, estava sendo “aparelhado”, este mesmo Judiciário que hoje vota contra o PT praticamente sempre. O programa do governo de discutir igualdade de gênero e combater o preconceito nas escolas foi chamado de kit gay e a mídia repetia que “estavam ensinado as crianças a serem gays”.
O candidato fascista é fruto de um processo de emburrecimento e paranoia financiado pela grande mídia, que agora se diz chocada. As mentiras, loucuras e agressões já estavam aí há muito tempo. A mídia lida com o monstro que criou. Thais Oyama deveria enxergar nas asneiras do candidato fascista o “bom serviço” da revista para a qual trabalha. “Deu certo”. O único candidato que venceria o candidato fascista está preso num processo esquisito. O juiz que o prendeu disse que teme que o resultado das eleições possa atrapalhar seu trabalho. A grande mídia ainda não se choca com o juiz que vê na democracia um empecilho. Ainda...