sexta-feira, 29 de junho de 2018

Gratidão - A chave para entender a liderança de Lula



Faltando praticamente três meses para a eleição presidencial, o ex-presidente Lula lidera com folga as pesquisas presidenciais. Segundo o Ibope, o petista possui 33% dos votos contra 37% dos outros candidatos somados. Quase três meses após sua prisão, que foi precedida de quatro anos de perseguição midiática, com capas de revistas semanais e “analistas políticos” de emissoras de TV o tratando como o “maior bandido possível”, condução coercitiva feita de forma ilegal, divulgação de conversa telefônica feita de forma ilegal, mudança de interpretação na lei para prendê-lo o mais rápido possível etc, um terço do eleitorado brasileiro insiste em querer votar no ex-presidente caso lhe seja dada esta oportunidade. O objetivo deste texto é tentar entender as razões que levam o eleitorado brasileiro a desejar a volta de Lula ao Palácio do Planalto.
Entender. Esta deveria ser a base das análises políticas brasileiras, mas não o é. Cada eleitorado representa um fenômeno social. O que as pessoas que votam em cada candidato querem dizer. Muito poucas análises que tenho lido buscam falar isto. Bolsonaro como fruto de uma amargura da elite, descontente com a ascensão social de uma parte da sociedade na era petista. Marina como fruto de pessoas que não sabem exatamente o que querem e buscam uma opção que pareça viável. Ciro como a esquerda que respeita Lula, mas tenta fugir da dependência do petista. O fracasso de Alckmin como símbolo da decadência paulista.
Lula será a figura central do processo eleitoral, preso ou solto. Assistindo as sabatinas aos outros candidatos até o momento, a questão Lula é sempre abordada. Lula é o segundo maior estadista da história republicana do país. Isto é fato independente da opinião positiva ou negativa que se tenha sobre a sua figura. Creio que apenas Vargas tenha sido mais importante do que ele. O Brasil viveu transformações sociais únicas em sua história durante sua gestão. Acreditando ou não nas acusações que lhe são feitas pela turma do Power Point, entender estas mudanças é a base para compreender o fenômeno que faz com que o ex-presidente siga liderando em condições tão adversas.
O Bolsa-Família tirou o Brasil do mapa da fome mundial. É um programa pioneiro que foi imitado em seguida por outros lugares, inclusive a Itália. Fez a economia de municípios pequenos do interior do país girar. Libertou milhões do que chamo de necessidade de aceitar  trabalhos análogos à escravidão. Pessoas que antes tinham que aceitar qualquer trabalho desumano em troca de um prato de comida ganharam a inédita liberdade de dizer não. O Bolsa Família inflacionou o valor dos trabalhos braçais a que classe média e elite estavam acostumadas a pagar quase nada. Esta última frase ajuda a explicar a popularidade de Bolsonaro entre os mais ricos, aliás.
O Prouni permitiu que milhões de jovens pobres tivessem acesso ao ensino superior. Críticas à forma como o programa garantiu o lucro a empresários do ramo são justas, claro, mas é necessária uma incapacidade única de sentir empatia para não compreender o que isto significou para famílias que viam pela primeira vez seus filhos ingressando num curso superior. O que significava para uma mãe ver o filho realizar o sonho outrora irrealizável de ter um diploma. No mesmo período tivemos a criação do sistema de cotas nas universidades públicas, extremamente criticada pela mídia conservadora que hoje começa a valorizar seus resultados muito positivos, sem que esta mesma mídia, claro, faça alguma autocrítica sobre as acusações falsas que fizera ao programa.
O salário mínimo em 2002 comprava meia cesta básica. No final de 2010, comprava três cestas básicas e meia. Um poder de compra real que cresceu 600% num intervalo de oito anos. O trabalhador que recebia o mínimo garantido por lei de seu patrão podia com este salário não apenas sobreviver, mas podia gastar com outras coisas. Compra de eletrodomésticos, por exemplo. Poupança. Consumo, fazendo a economia girar.
Li certa vez numa entrevista de Thales Ab’Saber que em qualquer país com uma classe capitalista nacional e intelectualmente desenvolvida Lula seria tratado por esta classe dominante como herói. Não houve, argumenta ele, presidente mais capitalista em nossa história do que Lula, uma vez que ele incluiu milhões de pessoas no mercado consumidor. A nova classe C. No Brasil isto não ocorre e qualquer política de distribuição de renda é vista como “comunismo” por uma parcela significativa e lunática da elite.
Lula é uma figura política gigante em nossa história e há uma gratidão enorme de uma parcela da população em relação a ele. Gratidão não é algo que pode ser derrubado com denúncias sobre tríplex ou sítio em Atibaia. Por mais que se tente desmerecer seu eleitorado, Lula segue forte. E sua popularidade nos dá esperança. Numa sociedade dividida e que vê o crescimento também inegável de um candidato fascista e sem propostas, que só conseguem aparecer graças a um discurso de ódio, cuja violência é estimulada por uma parcela amarga da elite, do judiciário e da mídia, Lula segue liderando. Cada candidato, a meu ver, representa um sentimento. Numa época triste como a nossa, temos alguma esperança ao ver que o sentimento que ainda lidera é o da gratidão.