sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O Lobo da Estepe e os dois porres que tomei no começo de outubro



Um dos meus passeios favoritos em SP é visitar os sebos de centro da cidade. São basicamente criadouros de mofo, eu sei, mas há duas qualidades neles que me atraem profundamente. Em primeiro lugar, são caoticamente organizados, ou organizadamente caóticos. São quase completamente bagunçados, mas com alguém tentando organizar. Eu estou longe de ser a pessoa mais organizada do mundo e me identifico com isto. Em segundo lugar, porque eu adoro comprar livros usados que alguém grifou. Para mim, esta é uma espécie de diálogo entre duas pessoas que não se conhecem, não se conhecerão, mas que partilham do mesmo gosto. Quando você grifa um livro e depois o passa para frente, é como se fosse estivesse indicando para um completo desconhecido que virá depois o que acha importante na obra. Adoro. A última vez que fui a um sebo, comprei uma edição velha e grifada de O Lobo da Estepe de Hermann Hesse que fez com que eu verdadeiramente me apaixonasse platonicamente por esta pessoa X que possuía este livro e o passou para frente. Uma dica, aliás. Se você está conhecendo uma pessoa e quer saber se vale a pena investir seu tempo nela, descubra o que ela lê. A maioria das pessoas faz isto com música, bobagem. Muita gente imbecil gosta de música boa. Muita gente não faz a menor ideia do que está ouvindo. Peguemos o que aconteceu nos shows do Roger Waters como exemplo. A pessoa pagou caro num show do Roger Waters mesmo sem saber que o antifascismo é tipo a base da sua obra. “Ah, mas eu não posso gostar de Pink Floyd e votar no Bolsonaro ao mesmo tempo?” Bom, se você entendeu algo do que o Pink Floyd diz, a resposta não. Se você não faz a menor ideia do que está sendo dito e acha que Another Brick in the Wall é sobre tijolo, siga em frente. Com livros isto não acontece. “Ninguém lê coisas ruins impunemente”, diz Victor Hugo numa parte dos Miseráveis em que tenta explicar a burrice de um personagem. Podemos dizer também que ninguém lê coisas boas impunemente.
A última vez que fui a um sebo, no dia em que comprei a apaixonante versão de O Lobo da Estepe, foi também o sábado anterior ao primeiro turno das eleições. Durante o caminho, vi duas mulheres distribuindo santinhos e apareceu um cara perguntando se os santinhos eram do Bolsonaro. As duas mulheres disseram que não, o homem resmungou e disse “Então não quero”. Após a compra, fui comer algo no bar Estadão, tradicional aqui no centro de SP. A conversa sobre política por lá envolvia um cliente e o atendente. O cliente ia votar em Bolsonaro porque para ele o maior problema do Brasil era a maconha. Um maço de Marlboro estava no bolso de sua camisa. O atendente gostava do Lula. O principal motivo apontado por ele era que o preço do botijão de gás era barato no seu governo. Mas já que Lula não era candidato, ele queria que todo mundo se fodesse e ia votar no Bolsonaro. Ao ouvir isto pensei, “bom, realmente fodeu”.
Uma semana antes, exatamente no sábado anterior, eu tinha ido na passeata do Ele Não no Largo da Batata. Foi linda, emocionante. Muita gente, mensagem bonita, um apelo à liberdade. Eu estava feliz. Ainda no Largo da Batata, tomei um porre. No meu caso, a bebida acaba servindo para intensificar o estado de espírito em que estou quando sóbrio. No ápice da alegria, profetizei que, com o sucesso daquela passeata, provavelmente Bolsonaro despencaria e o segundo turno seria entre Haddad e Alckmin. Sim, sou o pior analista político do mundo quando bêbado feliz. Aconteceu exatamente o contrário. As pessoas que querem que todo mundo se foda ficaram preocupadas com aquilo e se uniram a Bolsonaro. A última semana do primeiro turno foi desesperadora, com o número de pessoas se mostrando fascistas, racistas, homofóbicas etc crescendo percentualmente dia-a-dia. Foi a semana em que pessoas que eu considerava próximas tiraram as máscaras. Um ex-amigo da faculdade mudou de Alckmin para Bolsonaro para “foder com o PT” e seu argumento era relativização da tortura. Ele disse não se importava se um bandido fosse torturado, pois que faz coisa errada tem mais é que se foder. Se eu fui amigo de um cara destes, algo errado também há comigo, pensei. Coisas semelhantes aconteciam com outras pessoas. Minha família é originalmente de Santa Catarina e uma prima minha de lá postou, no dia seguinte à eleição, a seguinte mensagem: “Nordestino vota no PT e depois vem pro Sul atrás de emprego”. Ela mora em Tubarão, cidade do interior de SC. Eu quase tentei explicar para ela que, com todo respeito, ninguém quer sair de lugar algum para ir a Tubarão. Absolutamente ninguém. SC tem um litoral lindo. Quem tiver gosto, indico a cidade de Imbituba. É maravilhosa. Mas o interior é horroroso. Extremamente feio. Ninguém vai para o interior de SC do mesmo jeito que quase ninguém está indo para o Sul em geral. O RS é, depois do RJ, possivelmente o estado mais quebrado da federação. Esta turma vive num completo estado de fantasia. A BA é mais rica em números absolutos do que SC, embora tenha um PIB per capita menor. Uma boa parte da minha família de lá sonha ou sonhou em emigrar para os Estados Unidos. Sabe por quê? Porque SC é pobre. Uma prima conseguiu, após passar alguns anos comendo o pão que o diabo amassou na ilegalidade. Fico feliz que ela tenha realizado seus sonhos. Durante as eleições de 2016, postava ela coisas contra Trump em sua página em redes sociais. Incomodava-se ela com a postura anti-latina do candidato republicana. Ótimo. Dois anos depois, na eleição brasileira, lá estava ela fazendo campanha por Bolsonaro e dizendo que o Brasil deveria dificultar a entrada de estrangeiros no país. Como o fã fascista de Pink Floyd, ela é realmente incapaz de entender qualquer coisa. Bolsonaro teve 75% no primeiro turno em Tubarão.
Eu e um amigo, quase tão desesperado quanto eu naquele dia, fomos acompanhar a apuração bebendo uma cerveja. As primeiras notícias eram tenebrosas. Wilson Witzel, candidato pró-Bolsonaro no RJ, havia subido de 12% para 40% naquele dia. Sua principal “proposta” era a contratação de snipers que iriam atirar na cabeça de quaisquer pessoas que considerassem suspeitas. Os números que saíam enquanto aguardávamos a apuração presidencial eram tenebrosos. Bolsonaro terminou com 46%. Estava com 30% na semana anterior. Teríamos um segundo turno, mas no fundo sabíamos que a casa já tinha caído. A maioria da sociedade quer, assim como o atendente do Estadão, que todos se fodam.
O porre depressivo é bem diferente do porre alegre. Chegando em casa, bêbado, escrevi a seguinte mensagem em uma rede social, que realmente saiu do fundo da minha alma: “Mais uma vez peço desculpas por ter demorado tanto tempo para perceber o quanto este país, especialmente a cidade em que vivo, é racista, machista e homofóbico. Peço desculpas por ter me deixado cegar pelo fato de eu ser um homem branco hetero de merda incapaz de enxergar o que há do lado. Estou com vergonha do que aconteceu hoje. 
As pessoas que votaram em Bolsonaro são imbecis. Todas. São pessoas que se baseiam basicamente em mentiras que recebem por WhatsApp e Facebook. São totalmente incapazes de reconhecer o que é fato. Fazem de tudo para justificar o ódio que sentem. Não tem nada a ver com antipetismo. Nada. Tínhamos trocentas opções antipetistas decentes. Elas escolheram a única que não era decente. O cara não tem plano algum para nada. Não há plano econômico, para saúde e para educação. Nada. Ele e seus eleitores odeiam cultura. Cultura agride quem é incapaz de pensar. É gente que um estado psicopata. Quer um estado que torture, mate, discrimine. Ainda há uma pequena chance de derrotar esta gente. Será difícil. Vamos nos esforçar este mês. Como? Eu não sei. Eles são muitos e muito burros. Mas não nos resta nada que não seja tentar. Três semanas para evitar.
Já que uma das palavras do momento é autocrítica, esta foi em parte a minha. Demorei muito tempo para entender a sociedade em que vivo. Em boa parte porque meus privilégios me cegavam. Fui dormir e acordei com mensagens de bolsonetes ofendidos. As mesmas pessoas que chamam racismo, homofobia e demais preconceitos de mimimi, estavam bravas porque eu  as havia chamado de burras. Tomei um remédio para ressaca e abri o Lobo da Estepe. Eis o trecho que o meu amor platônico grifou:
“Venho manifestando já por vezes minha opinião de que cada povo e até cada indivíduo, em vez de sonhar com falsas “responsabilidades” políticas, devia refletir sobre a parte de culpa que lhe cabe da guerra e de outras misérias humanas, quer por sua atuação, por sua omissão ou por seus maus costumes; este seria provavelmente o único meio de se evitar a próxima guerra. E por isso, não me perdoam, pois se julgam todos, sem dúvida, inocentes: o Kaiser, os generais, os grandes industriais, os políticos, os jornalistas – nenhum deles tem absolutamente culpa alguma ! Poder-se-ia até pensar que tudo foi melhor assim para o mundo, embora alguns milhões de mortos estejam embaixo da terra. E saiba, Hermínia, embora esses artigos ignominiosos não me possam atingir, às vezes me entristecem. Dois terços da gente do meu país leem esta espécie de jornal; leem de manhã e à noite coisas escritas neste tom, são trabalhados permanentemente, incitados, açulados; semeia-se neles o descontentamento e a maldade e a meta final é outra vez a guerra, a próxima guerra, que já está chegando e que sem dúvida será muito mais horrenda do que a última. Tudo isto é claro e simples, qualquer pessoa pode compreendê-lo; com uma hora de meditação todos poderiam chegar ao mesmo resultado. Mas ninguém quer agir assim, ninguém quer evitar a próxima guerra, quer livrar-se nem livrar a seus filhos da morte aos milhares, nem quer parar um instante e pensar voluntariamente. Uma hora de reflexão, um momento de entrar em si mesmo e perguntar a parte de culpa que lhe cabe nesta desordem e na maldade que impera no mundo – mas ninguém quer fazê-lo! E assim tudo continua como estava e a próxima guerra vai-se preparando cada dia que passa, com o auxílio de milhares e milhares de pessoas diligentes. Estas coisas sempre me desesperam: para mim não existe “pátria”, não existe “ideal” algum. Tudo isto não passa de frases inculcadas por aqueles que preparam a próxima carnificina. Não tem sentido pensar ou escrever algo que seja humano, de nada vale ter boas ideias na mente – são duas ou três pessoas que agem assim; em compensação, há milhares de jornais, de revistas, de conferências, reuniões públicas ou secretas que, dia após dia, insistem no contrário e acabarão por alcança-lo”.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

IDEOLOGIA É A DOS OUTROS



A retórica bolsonariana foi o grande ponto diferencial dessas eleições. Embora com alguma dificuldade na eloquência e no raciocínio, por algum motivo o discurso criado para convencer eleitores funcionou. It’s done.
O que mais me chamou a atenção na retórica vencedora foi a afirmação de que, em um futuro governo de Jair, o país deixaria de ser governado por ideologias. Nunca entendi muito bem o que nosso presidente quis dizer, mas no mundo de pós verdades em que vivemos não são necessárias muitas explicações sobre o conteúdo, o que importa é a forma. Tentando entender o motivo desse discurso chego em duas possibilidades, uma ardilosa e inteligente e outra apenas ignorante: ou o staff do presidente utiliza o argumento que os petistas governaram unicamente para pares intelectuais, fazendo com que os eleitores já contaminados pelo antipetismo e pela desinformação de parte da mídia ligassem Haddad a Maduro ou, o que eu entendo como mais perigoso, a ignorância triunfa e a mentira é repetida tantas vezes que passou a se tornar verdade na cabeça de quem a conta.

Dentro dos setores esquerdistas o PT é muito criticado, e de todas as formas. O partido é reprovado por ter sucumbido à corrupção como os outros, ter se afastado da causa operária que o fundou, ter se alinhado aos interesses do capital e ter acreditado na burguesia, tentando conciliar classes, sendo que esse último erro é mais particularmente atribuido a Lula. O ex-presidente, hoje preso, é duramente apedrejado por não ter propiciado mudanças estruturais na política do país durante os seus anos de ouro, quando possuía aprovação acima de 80%. A esquerda não perdoa Lula por deixar de mudar as regras do jogo quando pode e por se gabar de que banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. A conciliação de classes falhou.
É claro que o governo do PT, como qualquer outro, tenha suas ações em política externa alinhadas ao seu pensamento ideológico. O PT fez empréstimos e facilitou a entrada de empresas brasileiras em países com governos de esquerda e não há problemas nisso. É comum que, embora as alianças naturais sejam levadas em consideração na política externa, as relações comerciais entre estados não sejam contaminadas por políticas de governo, que são transitórias.
Não quero entrar em chatices com números, mas há nos governos do PT um enorme salto brasileiro na balança comercial. Lula surfou na onda do boom das commodities, porém esse bom resultado não se deve apenas a negócios com Cuba, Angola ou Venezuela. Lula, como bom conciliador, sempre pregou a neutralidade em questões comerciais.

Voltando ao presente, o presidente Jair, mesmo após eleito, ratificou que as relações exteriores brasileiras não seriam baseadas em ideologias e está aí o seu primeiro estelionato eleitoral. Mesmo antes de iniciar o inquilinato no Palácio do Planalto, Jair e sua equipe distribuiram declarações irresponsáveis que mudaram desde já as relações comerciais com alguns parceiros importantes.
Jair ama Trump. Acho muito pitoresca a relação de subordinação escancarada que o novo governo possui com os EUA. O filho de Jair já fez uma viagem ao país do norte onde desfilou com terno, gravata e um boné Trump 2020. Jair prestou continência ao civil John Bolton, assessor do presidente americano. Jair indicou que mudará a embaixada brasileira de Tel-aviv para Jerusalém, justamente como fez Trump. Jair engrossou o tom com a China, assim como fez Trump. Jair diz que irá retirar o Brasil do Acordo de Paris, assim como Trump. Jair quer melhorar as relações comerciais com Israel, assim como os EUA. Paulo Guedes diz que o Mercosul não é prioridade. O mundo de Jair é um triângulo amoroso entre Brasil, EUA e Israel, nada mais.

Se isso não é governar por ideologias, não sei o que é.

O amor de Jair já criou desafetos entre nossos parceiros comerciais. A Liga Árabe repudiou oficialmente a mudança de embaixada em Israel, mudança que pode prejudicar o comércio entre Brasil, países árabes e outros países muçulmanos, principalmente na venda de carne. A retirada do Brasil do Acordo de Paris pode prejudicar o comércio de produtos agrícolas – principal produto de exportação brasileiro – com a Europa. A China, o nosso principal parceiro comercial, com a qual possuímos um superávit nesse ano de 26 bilhões de dólares, já alertou para o risco do relacionamento com o “Trump dos trópicos”, expressão que embora tenha sido utilizada pelos chineses para desabonar, deve soar como elogio nos ouvidos de Jair. A Argentina é provavelmente o único – ou ao menos é o principal – país com o qual o Brasil possui superávit em produtos manufaturados, mas a primeira visita oficial do presidente eleito, que historicamente é para a Argentina, dessa vez será no Chile do também conservador Sebastián Piñera.

Em política externa a palavra alinhamento tem quase o sinônimo de submissão. O governo brasileiro, alinhado aos EUA de Trump, indica que todo caminho seguido pelos norte-americanos terá o Brasil a reboque. Além da falta de visão global de Jair, o que mais me incomoda é a falta de contrapartida. Não há NENHUM SINAL de que Trump se importe com a América do Sul ou que esteja disposto a fazer grandes concessões ao Brasil. Pelo contrário, o presidente americano sofre pressões para proteger os produtores agrícolas estadunidenses dos nossos produtos. O fato do filho do presidente eleito passear pelos EUA com um boné de campanha de Donald Trump é de uma vassalagem inaceitável. Todas as atitudes do novo presidente são dadas de graça a Trump, que pode ou não agradecer pelas redes sociais. É como se a NET ligasse na minha casa e me oferecesse um pacote completo, sem nenhum aumento na mensalidade: eu aceito, agradeço e faço um elogio no Twitter.
Uma pequena amostra de como o Brasil dá muito mais importância ao relacionamento do que os EUA foi dada nesse mês. Ao negociar uma trégua comercial, Trump e Xi Jinping acordaram que os chineses comprariam mais soja dos norte-americanos. A soja corresponde a 44% de tudo o que exportamos para a China em 2018.

As últimas notícias evidenciam o caráter totalmente ideológico das ações do novo governo. Cuba e Venezuela foram desconvidadas para a posse em 1º de janeiro por não serem países democráticos. Segundo as palavras do próprio Jair “regimes que violam as liberdades de seus povos e atuam abertamente contra o futuro governo do Brasil por afinidade ideológica com o grupo derrotado nas eleições, não estarão na posse presidencial em 2019. Defendemos e respeitamos verdadeiramente a democracia”. Já o governo totalitário da Arábia Saudita, aliado histórico dos EUA, que matou em solo turco um jornalista opositor do regime, poderá comparecer. Observando o discurso até que vejo coerência entre o que é dito e o que é feito: Jair diz que regimes que violam a liberdade de seus povos e atuam abertamente contra o futuro governo não estarão na posse, deixando aberta a porta para regimes que violam a liberdade de seus povos, porém não atuam abertamente contra o futuro governo. Jair, o congruente.

Jair deveria aprender mais como seu mestre e entender que rusgas com a China não impedem que os EUA lhes venda soja. Brigas com a Venezuela não impedem que os EUA comprem petróleo venezuelano. Jair precisa enxergar que a União Européia está em crescentes conversas com Cuba por conta da abertura que vive o país caribenho, assim como o Reino Unido, que já organizou uma reunião entre Miguel Díaz-Canel e 30 grandes empresários britânicos interessados em investir na ilha. Jair deveria entender que os relacionamentos internacionais duram mais que quatro anos de governo e devem ser vistos como política de estado. A aproximação com os EUA e Israel não precisa excluir a China e países árabes, até porque historicamente o Brasil é visto como país neutro, mediador de conflitos, uma nação a margem de convicções excludentes. Ao contrário do que muitos dizem, Lula não conseguiu – nem tentou – pregar no Brasil a “pecha” de país comunista, negociou com o Mercosul, UE, BRICS e EUA sempre com o objetivo de ampliar fronteiras comerciais. Jair parece fazer questão de rotular o Brasil como país de extrema-direita, cristão e conservador, que negociará apenas com o seu grupinho de maçonaria via áudio de Whatsapp. Jair se tornou tudo o que mais dizia que odiava: um presidente que, como nenhum outro, governa apenas por ideologias.

Jair precisa sair urgentemente da campanha. Deve entender que já angariou os votos que precisava, mas que agora tem que centrar os seus pensamentos em fazer o país prosperar. Lula não teve nenhum remorso em 2003 de manter o que achava bom na política FHC, com a intenção de acalmar os mercados e não afugentar investimentos. Jair não pode tratar tudo o que foi feito pelos seus antecessores como ruim, essa é a retórica de uma campanha que não existe mais.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Os presidiários




Por algum motivo que desconheço demorei 34 anos da minha vida para ler os que hoje considero meus dois livros favoritos: Irmãos Karamazov e A Montanha Mágica. Tem horas em que acho isto bom, uma vez que tenho atualmente muito mais maturidade do que tinha há 10 anos. Provavelmente aos 24 anos eu reclamaria que a ação demora muito para acontecer em Karamazov, por exemplo. Se alguém lendo isto se interessar em ler Dostoievski, aliás, saiba que as coisas demoram MUITO para acontecer. É outra noção de tempo. Noção de tempo que é, aliás, o tema principal da Montanha Mágica. Eu aos 24 anos provavelmente acharia as digressões em 900 páginas a partir da história de Hans Castorp uma chatice. Aos 34, achei a coisa mais genial que já li.
Fiodor Dostoievski passou nove anos de sua vida na prisão. Foi preso acusado de conspiração contra a monarquia russa e exilado para um campo de trabalho forçado na Sibéria. Condenado à morte, foi perdoado pelo czar um pouco antes de sua morte, mas teve a execução simulada a mando do mesmo czar. Caminhou para a morte e saiu vivo, passando a enxergar e apreciar a vida de outra maneira. Sua experiência com a quase morte é relatada em O Idiota e sua vida na cadeia foi a base para a obra Memória da Casa dos Mortos, que infelizmente li na pior versão possível, a da LPM. Os dois principais livros de Dostoievsi, Crime e Castigo e Irmãos Karamazov têm como principal mote a redenção. No primeiro, Rodion Raskolnikov comete um grave erro, redimindo-se através da culpa e do amor da personagem Sonia. No segundo, o pai Karamazov, não à toa chamado Fiodor, é assassinado tendo como principal suspeito o filho mais velho. Se no primeiro livro a redenção vem através da culpa e do amor, no último a fé substitui a culpa como companheira do amor.
Na obra de Thomas Mann quase não há espaço para a redenção. Suas grandes obras anteriores à ascensão do nazismo na Alemanha já terminam em destruição. Em Os Buddenbroks, Mann narra a saga de uma família entre o seu apogeu e sua destruição no período de um século. A Montanha Mágica termina com um suicídio e com a ida do personagem principal para a Primeira Guerra. Hitler chegou a poder na Alemanha cinco anos após a publicação da Montanha e teve em Mann, desde o início, um de seus principais críticos. Já em 1933 Mann teve que fugir para a Suíça, fruto da perseguição que sofria da recém surgida Juventude Nazista. Em 1938, teve que emigrar da Suíça para os Estados Unidos, uma vez que a Suíça já não era mais tão neutra assim. Passou toda a guerra fazendo programas de rádio transmitidos clandestinamente na Alemanha em que conclamava seu povo à razão. Já na década de 1950, de volta à Suíça, publicou a obra-prima Dr. Fausto, em que através do personagem Adrian Leverkühn, cria uma alegoria da situação alemã no período nazista.
Meus dois autores favoritos, desta forma, foram presos e exilados em algum momento da vida.
Assisti em 2018 também um documentário sul-africano sobre o julgamento de Nelson Mandela. Não há imagens do julgamento e o diretor teve a ideia de refazê-lo através de uma animação. A coisa mais impressionante sobre o julgamento de Mandela é que foi criado todo um ritual pelo governo racista da África do Sul para de certa forma legitimá-lo. Mandela e seus companheiros tiveram, por exemplo, o direito a um advogado de defesa e falaram no julgamento, mesmo que eles mesmos já soubessem que estavam pré- condenados. Os réus, sabendo disso, utilizaram o julgamento para a realização de propaganda política, uma vez que o evento era transmitido radiofonicamente para todo o país. O juiz e o promotor agiam em conluio e eram tratados como ídolos pela imprensa branca sul-africana. Uma parte interessante do documentário é que eles entrevistaram o filho ou o neto do promotor que acusou Mandela, não lembro exatamente qual o grau de parentesco e peço desculpas por isso. Ele contava sobre o peso que era viver com a culpa do que havia sido feito pelos seus antepassados e chorava ao ouvir as falas de seu pai ou avô durante o julgamento. “Mandela trazia desordem, um comunista e era um risco à estabilidade da África do Sul branca” dizia o promotor, pedindo a pena de morte ao réu. Mandela seria condenado a prisão perpétua e libertado após 27 anos graças a uma grande pressão internacional.
Nelson Mandela e Marthin Luther King talvez tenham sido os mais celebrados nomes políticos do séc. XX. A luta de King ganhou proporção nacional em dezembro de 1955, quando Rosa Park, uma mulher negra, recusou-se a ceder seu lugar num ônibus para uma mulher branca e foi presa. King, principal pastor da cidade em que isto ocorrera, Montgomery no Alabama, liderou um boicote à empresa de ônibus, que foi à falência e resultou em sua prisão. Vencedor do Nobel da Paz em 1963, King era monitorado pelo FBI e detestado pela América branca quando foi assassinado, em 1968.
Tenho diversos ídolos que em algum momento tiveram problemas com a justiça. Muhammed Ali perdeu o título mundial e ficou seis anos sem poder lutar por se recusar a matar pessoas no Vietnã. John Lennon foi quase expulso dos EUA e passou a boa parte dos anos 1970 sendo monitorado pelo governo. Graciliano Ramos é possivelmente o melhor autor brasileiro e passou alguns anos na cadeia. Foi deste período que surgiu Memórias do Cárcere, sua obra-prima. Minha autora contemporânea favorita, Herta Müller, teve que fugir da Romênia.
Em fevereiro de 2018, o Brasil possuía 727 mil presos. Não sei o quanto este número mudou até dezembro. Em 2014, eram 623 mim presos. Na semana passada, o ministro Marco Aurélio Mello soltou uma liminar que ordenava a soltura daqueles que ainda não tivessem sido condenados em última instância. Segundo a mídia, a decisão poderia beneficiar 190 mil pessoas. Algo entre um terço e um quarto dos presidiários brasileiros, afinal, estão presos tendo alguma possibilidade de recurso. A grande maioria por pequenos delitos. Conheci uma defensora pública que me contava que a principal dificuldade da sua profissão era impedir que os juízes esquecessem dos processos. Se o advogado não ficar em cima, me disse ela, o juiz joga na gaveta e não tira. Algo entre um terço e um quarto dos presidiários brasileiros são pessoas que, segundo a Constituição, estão presas sem que ainda sejam, segundo a lei, consideradas culpadas do que fizeram.
Racismo, teoricamente, é crime no Brasil. Segundo a Constituição, aliás, é um dos únicos crimes inafiançáveis e imprescritíveis, junto, se não me engano, com traição à pátria. Não tenho certeza. O crime de racismo não pegou no Brasil. A sociedade elegeu uma pessoa racista para a Presidência. Não só isso, não conheço ninguém dentre este mundaréu de presos que esteja preso por este crime. William Waack, por exemplo, segue sua vida normalmente e com patrocínio de um banco de investimentos. Chegava a ser bizarro ver os defensores do candidato fascista dizendo que ele “não é bandido” sendo que há diversas gravações demonstrando seu racismo.
A principal crítica que os eleitores do racista faziam a seu opositor é que ele visitava um presidiário durante a campanha. Lula, uma das 190 mil pessoas presas que seriam beneficiadas pela liminar de Mello, foi a principal causa para que os eleitores do racista reclamassem da mesma. Fodam-se os outros 189.999, desde que Lula se foda. E assim foi.
Poucas coisas na vida são piores do que a perda da liberdade. A forma que a sociedade encontrou para punir aqueles que julgam desrespeitar suas regras foi tomando-lhes tempo. Sem entrar em critério de ser a melhor forma de punição, a forma como lido com presidiários é respeitando-lhes. Há casos em que tenho ponto de vista de que a prisão é injusta, como a de Lula, e nestes casos denuncio e reclamo, mesmo que não possa fazer mais do que isto a respeito. Em outras situações, que considero justas, exemplificando com Sérgio Cabral, mantenho o silêncio. Acredito que espezinhar com o sofrimento de um ser humano que se encontra numa situação frágil é a mais covarde das atitudes. Cada vez que vejo matérias irônicas sobre situações humilhantes que o ex-governador vive na prisão e a forma como a sociedade se regozija disto, mas vejo um sintoma do quanto estamos doentes.
Outro dia assisti um debate liderado por Monica Waldvogel na Globonews em que ela e um professor que defendiam uma sociedade mais punitivista discutiam com um outro professor, que argumentava que uma sociedade melhor e mais justa se fazia com o uso maior de penas alternativas e prisões apenas em situações extremas. Não me lembro o nome deste professor, peço mais uma vez desculpas. No final do programa ele dizia que daqui a cem anos, é muito provável que nossa sociedade sentisse vergonha de olhar para 2018 e ver que tantas pessoas eram jogadas em calabouços superlotados e sem condições, tratadas de forma desumanas e sem um tratamento minimamente justo de um judiciário que visa unicamente manter seus privilégios. Eu estou em 2018 e já sinto vergonha disso. A nossa sociedade será julgada pela injustiça que comete com Lula. E pela desumanidade com que trata os que estão presos, independentemente de serem culpados.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

As padarias com catraca



Um dos grandes símbolos da cidade da São Paulo são as padarias com catraca. Não sei ao certo quando elas começaram a existir. Lembro-me que na minha infância comprar um pão era uma atividade mais simples. Eu simplesmente entrava numa padaria com entro na maioria dos estabelecimentos comerciais, pedia alguns pães, alguém anotava o valor num pedaço de papel, eu ia ao caixa, pagava e saia com os pães, simples assim.
Não sou um profundo conhecedor da situação das padarias em outras grandes cidades do Brasil. Não sei se em lugares como Rio, BH ou Porto Alegre esta grande inovação paulistana já chegou, mas aqui em SP é quase impossível achar uma padaria em que você não tenha que passar por uma catraca ao entrar. Sei que parece bizarrice, e realmente é, mas em SP o processo de entrada em uma padaria se dá da seguinte forma: Na entrada tem uma catraca. Você aperta um botão e pisca uma luz verde, indicando que você está perto de poder entrar na padaria. Junto com a luz verde sai uma comanda, que é um pedaço acho que de plástico com um número e um código de barras. Munido deste pedaço de plástico com um número e um código de barras, você já pode finalmente entrar. Tudo que é consumido é marcado digitalmente neste comanda (ó, como somos tecnológicos em SP). Depois de pagarmos, precisamos passar numa nova catraca para sair. Uma luz vermelha está piscando e inserimos o pedaço de plástico com um número e um código de barras num buraco e, caso você tenha feito sua parte e pago o que consumiu, uma luz verde se acenderá, permitindo que você deixe a padaria.
A sociedade paulistana ama catracas. Talvez depois do Wifi, a catraca seja a grande paixão paulistana. Todo aniversário de SP vejo reportagens de TV mostrando o quanto o paulistano gosta de, sei lá, pizza, do Ibirapuera ou do Adoniran Barbosa. Bobagem. Wifi e catraca são os verdadeiros amores desta cidade. Não importa onde o paulistano vá, na maioria das vezes a primeira coisa que ele fará será ver se há sinal de Wifi. No que se refere ao assunto catracas, as padarias atuaram verdadeiramente na vanguarda ao enxergar esta “necessidade” em nossa sociedade. Não sei quem foi o “visionário” dono de padaria que resolveu um belo dia colocar uma catraca na entrada do seu estabelecimento. Foi provavelmente tido como louco. O futuro veio mostrar que ele criou uma tendência.
Também sou ignorante no que se refere à fabricação de catracas. Não sei se existe uma empresa que produz catraca ou se elas produzem outras coisas além de catraca. Não sei se as empresas que trabalham com biometria, também uma paixão paulistana, são as que fabricam catracas. Vai ver o UOL além de conteúdo na internet e maquininhas de cartão de débito e crédito também fabrica catracas, sei lá. Vai ver a Unilever além de sorvete e sabão em pó produz também catracas, sei lá. Só sei que produzir catracas em SP é sem dúvida o negócio do futuro. Como economista (fajuto, eu sei), indico a todos que querem um investimento que dará lucro no futuro a compra de ações de empresas que fabricam catracas. Vão render tanto ou até mais do que as empresas de armas renderam com a eleição de Bolsonaro. Se sua sede para ganhar dinheiro é tanta que você não se importa em comprar ações de uma empresa que produz algo que servirá basicamente para matar pessoas no novo regime que se inicia, também não terá vergonha de investir em catracas. Se a ESPM quiser ganhar ainda mais dinheiro com MBAs fajutos destinados a formados em administração de empresas, uma formação no negócio de catracas é um bom negócio.
Por que padarias têm catraca, afinal? A primeira resposta seria por alguma coisa ligada à segurança. Não consigo, porém, entender o que exatamente a presença de uma catraca pode impedir um assaltante de entrar na padaria. Basta que ele aperte o botão, retire o pedaço de plástico com um número e um código de barras, assalte e coloque o pedaço de plástico com um número e um código de barras de volta na catraca para sair. Pensando no assunto, andei pelo centro de SP de padaria em padaria e consegui achar uma que não tem catraca. Entrar nela foi como voltar no tempo. Comanda num pedaço de papel e facilidade para entrar e sair. A padaria estava vazia. Só tinha eu e uma mulher vendendo jogo do bicho nela. Mesmo sendo tudo mais barato. Voltando para casa, entrei numa sempre cheia padaria com catraca e cheguei a uma conclusão. A resposta a que cheguei para a maluquice de padaria ter catraca é igualmente maluca. Paulistano acha catraca chique.
A catraca de certa forma dá um tipo de exclusividade ao lugar frequentado. Exclusividade é a chave para entender o comportamento da sociedade paulistana. As pessoas gostam de sentir que de alguma forma elas podem e alguém não entrar em um lugar. Outros negócios estão adotando a brilhante tática das padarias. Quase todas as academias já têm catracas, por exemplo. Supermercados já estão adotando a ideia. Mas muito ainda há de ser feito para transformar SP numa grande catraca. Em algum momento restaurante terão catracas, é fato.
Moro num prédio de gente metida a descolada no centro de SP. Havia uma Igreja Renascer na galeria do prédio. Ela está fechada há alguns anos. Um dia, curioso, perguntei o porquê a algum segurança do prédio. Eles disseram que havia muita reclamação dos moradores porque a Igreja distribuía comida e moradores de rua vinham ao prédio pegar as doações. As soluções que a administração encontrou foi fechar a Igreja. Se não desse certo apenas isto, iriam colocar catracas. SP é uma cidade triste. A capacidade de solidariedade foi substituída por catracas. A hora de sair disto aqui está chegando. Quando a cidade virar uma grande catraca, quero ficar do lado de fora. 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

O CPF, a demissão e o senhor M.



Eu realmente não aguento mais dizer o número do meu CPF. Não sei qual foi a última vez que passei um intervalo de três dias sem dizer a sequência de onze dígitos que basicamente define quem eu sou. A impressão paranoica que tenho é que existe algum supercomputador central em algum lugar em que todas as minhas informações estão registradas a partir deste número. Todos os meus inúmeros cadastros, senhas, compras, visitas, tudo. Durante uma semana resolvi tentar contar o número de vezes em que falava o meu CPF para comparar o número de vezes em que falava o meu nome. Bom, esqueci que estava fazendo isto no segundo dia. É difícil se concentrar numa missão besta como estas afinal. Mas sim, eu falo muito mais vezes o número 316 do que o meu nome.
Por um momento em minha vida eu era do tipo que falava o número do CPF para qualquer compra que fizesse. A nota fiscal paulista, com sua devolução de um centavo para uma compra de, sei lá, duzentos reais tocava fundo no coração de um jovem recém-formado em economia metido a sábio poupador. Ganhei também três sorteios no valor de dez reais nos últimos dez anos, o que quer dizer que falar o meu CPF em todas as compras que fazia me rendeu trinta reais.
Por algum motivo enjoei e parei de falar. A impressão que tenho é que isto aconteceu com muita gente, porque neste momento os supermercados começaram a criar descontos para quem tivesse cadastro. Faço parte do clube extra, sou cliente mais Carrefour e sei lá mais de onde e voltei a falar o meu CPF cada vez que comprava uma bolacha, cujo preço é uns trinta centavos mais barato se eu tiver a paciência de dizer os onze dígitos.
Nenhum estabelecimento é mais bem-sucedido na tarefa de me obrigar a dizer o número do CPF do que uma farmácia. Por motivos familiares, eu frequento este ambiente mais de uma vez por semana e a primeira coisa que perguntam, antes mesmo de saber o que eu quero, é se eu tenho cadastro e qual meu CPF. O atendente em seguida pega o remédio e me fala sempre de algum valor por algum valor. Ele sempre quer deixar bem claro o quanto economizei por me identificar com um número de onze dígitos. Como minha mãe tem convênio de saúde, este é o momento em que digo que quero passar a compra no CPF dela, que dá mais desconto. Ótimo, diz o atendente enquanto me ouve falar um novo código, dessa vez começado com 201. Saio para o caixa, que digita o número do CPF da minha mãe, registra o desconto e pergunto se quero manter este CPF na compra final. Digo que não, que ela deve ser registrada no meu CPF, para que eu ganhe “pontos” que em uma década podem me render um desodorante ou uma pasta de dente. Por que alguém se interessa tanto em registrar as porcarias que compro? Não sei, mas dizem que este tipo de informação dá algum poder. Para tudo que faço na internet tenho que registrar meu CPF. Lembro-me que no ano passado fui fazer a declaração de óbito de uma pessoa e, ao chegar em casa, começaram a pintar na tela do meu computador propagandas de advogados que cuidam de herança e de funerárias. O “supercomputador central” sabe o que o sr. 316 precisa.
A grande decisão do meu ano de 2018 foi sem dúvidas pedir demissão. Eu nunca tinha feito isto na vida. Pessoas enchem o saco quando você faz isto. Estamos em crise e você nunca mais vai arrumar um emprego na vida diziam uns. Foda-se que você está infeliz no tal emprego, alguém deposita um dinheiro na sua conta todo fim do mês, então está tudo bem. A pessoa que mais me influenciou nesta decisão foi um ex-colega que chamarei aqui de senhor M. O senhor M. odeia com todo vigor o trabalho que faz e a empresa em que trabalha. O senhor M. morre de medo de ser mandado embora e sempre chora e passa o dia fofocando quando cortes aparecem. O senhor M. leva este comportamento profissional para todas as áreas da vida. Uma coisa importante, aliás, é que as pessoas têm que parar com essa história de que uma pessoa é de um jeito no trabalho e de outro na vida “pessoal”. É tudo vida pessoal, ou você é legal ou é filha da puta ou está no meio termo, como acontece com quase todo mundo. O senhor M. odeia o casamento. Quando não está fofocando sobre o trabalho, reclama da esposa. Cada instante passado com a esposa é descrito com enorme infelicidade. O senhor M. morre de medo de se separar. Fica desesperado quando aparece algum indício de que a esposa pode deixa-lo. O senhor M é extremamente infeliz e faz o possível para manter a infelicidade. Tem um emprego que odeia para poder comprar coisas que não precisa e parcelar uma viagem anual. A engrenagem tem que continuar funcionando. Talvez o senhor M só continue assim porque sabe que muita gente vai encher o saco se ele resolver sair do ciclo. Um belo dia olhei em minha volta e só vi Senhores Ms. Hora de fazer algo a respeito.
Na nossa sociedade precisamos culpar os outros pelas nossas infelicidades. Quase sempre é assim. A última eleição presidencial se resolveu desta forma, afinal. Criou-se um bode expiatório responsável por todos os problemas do mundo. As críticas a este bode raramente apresentavam dados, o que havia era uma série de paranoias fantasiosas que ajudaram a levar um deputado insignificante e imbecil à presidência, num processo coordenado por um juiz jeca com fortes tendências autoritárias. Vai dar merda, mas no fundo quem votou nele só quer ver as outras pessoas sentindo as mesmas frustrações que sente no dia a dia. Quem votou no deputado insignificante não o fez por algo bom que ele possa fazer, mas sim porque quer ver outras pessoas se foderem. O senhor M odeia qualquer pessoa que tente sair do ciclo de infelicidade. Os senhores Ms escolheram o atual presidente. Somos um país de senhores Ms.
Aos 34 anos resolvi tentar transformar algo que gosto em profissão. Estou dando aulas de idiomas. Para conseguir um emprego, estou quase fazendo algo que havia prometido nunca fazer, abrir uma firma. Tornar-me uma empresa. A grande sacada de quem inventou essa baboseira de pessoas virarem PJ é que ela faz com que o trabalhador se sinta falsamente igualado àquele que o contrata. Deixa de ser uma relação patrão-trabalhador para se tornar uma relação empresa-empresa, em que ilusoriamente não há a ideia de ilusão. Este processo foi fundamental para que a sociedade enxergasse os direitos trabalhistas como supérfluos. Eu vou emitir nota e contratar um contador. É um completo absurdo que uma pessoa tenha que fazer isto. A sociedade nos engole, eu disse num texto passado. Sinto isto abrindo a firma e falando meu CPF. Mas resolvi ao menos ficar engasgado. Nunca me tornarei um senhor M.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Lula é um preso político



Antes de começar este texto, acho importante salientar que o objetivo aqui não é comentar as qualidades e defeitos do governo Lula. Foi o governo mais transformador de nossa história desde Vargas? Sim. Houve neste período casos de corrupção envolvendo membros do seu governo? Sim. Deixando claro que não há provas, aliás, de que em nenhum destes casos há comprovação da participação direta do ex-presidente. Não pretendo aqui colocar numa balança os erros e acertos de Lula durante sua presidência, mas apresentar as evidências claras de que o ex-presidente foi e é vítima de um julgamento de exceção. A opinião pessoal que temos sobre alguém é completamente indiferente numa situação destas. Lula é um prisioneiro político e é vergonhoso que a sociedade assista a isto calada, com boa parte dela batendo palmas, inclusive.
A denúncia contra Lula no caso do Triplex foi aberta em janeiro de 2016, um mês depois do processo de impeachment contra Dilma Rousseff ser aceito pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A acusação era e é de que a construtora OAS teria feito uma reforma num tríplex no Guarujá que pretendia vender a Lula e à sua esposa, Marisa Letícia, e que em troca receberia apoio do ex-presidente em contratos envolvendo a Petrobrás. Lula e Marisa visitaram o imóvel, mas não quiseram compra-lo. Segundo o ex-presidente, não havia lógica em um senhor à época com quase 70 anos que tinha acabado de passar por um câncer passar a velhice num apartamento de três andares. A denúncia era extremamente mal feita, apresentada num Power Point tosco e sem nenhuma prova, apenas com indícios. Mas foi aceita pelo juiz Sérgio Moro.
Para o dia 15/03/2016 havia sido marcada uma gigantesca manifestação de apoio ao processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. O sucesso desta manifestação seria fundamental para pressionar o Congresso a votar favoravelmente ao afastamento e havia grande incentivo à participação popular nesta passeata. No dia 06/03/2016, nove dias antes desta passeata, portanto, ocorreu a condução coercitiva de Lula. Sem que o ex-presidente houvesse se negado a participar de algum interrogatório, premissa obrigatória da condução coercitiva, Lula foi levado à força para depor para o juiz Sérgio Moro enquanto sua casa e seu instituto eram revistados pela Polícia Federal. Nada foi encontrado, mas a imagem de Lula sendo levado à força pela Polícia já havia cumprido seu papel de inflar o sentimento antipetista fundamental para o sucesso da passeata. Na mesma semana, temendo a forma como Sérgio Moro começava a se mostrar arbitrariamente acima da lei e partidário, Dilma resolveu nomear Lula para Ministro da Casa Civil. Os objetivos eram tentar salvar seu governo, utilizando a força de Lula no Congresso para evitar o impeachment, e mudar o foro de Lula, que passaria a ser julgado pelo STF e não mais por Moro. No mesmo dia, o juiz, contrariado com a perda do processo, liberou na mídia de forma ilegal conversas telefônicas que haviam sido grampeadas envolvendo o ex-presidente. Em nenhuma delas há nada que incrimine Lula, mas foi o suficiente para que a mídia fizesse a festa. Uma das conversas envolvia a então presidenta em exercício e que só poderia ter o sigilo quebrado com autorização do Supremo, o que não aconteceu. Esta mesma conversa, aliás, ocorreu após Lula ser nomeado ministro, o que torna portanto sua gravação duplamente ilegal.
Após a nomeação de Lula, uma verdadeira chuva de ações de juízes de primeira instância tentou anular a posse do ex-presidente. Era a primeira vez em nossa história que o Judiciário intervinha na nomeação de um ministro. Pela Constituição, a prerrogativa de escolha de um ministro cabe exclusivamente à pessoa que exercita o cargo de Presidente da República, podendo ser ocupado por quem ela indicar sem necessidade de maiores explicações. O Supremo atendeu aos pedidos ilegais dos juízes de primeira instância e impediu a posse. A manifestação bombou e todos sabem o que aconteceu na sessão de impeachment, com Deus, família e torturadores derrubando a presidenta.
Em outubro de 2016, o Supremo confirmou uma mudança na interpretação da Constituição que passou a permitir a prisão após condenação em segunda instância, contrariando o texto constitucional que diz que uma pessoa só é considerada culpada após trânsito em julgado, ou seja, após o fim da possibilidade de recursos. Em nome de uma vontade punitivista, decidiu-se que uma pessoa pode ser presa mesmo que a Constituição diga que ela ainda não é considerada culpada, sendo, portanto, inocente. É importante notar que esta mudança de interpretação ocorreu com o processo de Lula já em andamento, ou seja, a regra para o caso dele mudou durante o jogo.
A condenação de Lula em primeira instância aconteceu em julho de 2017, após um processo marcado pelo circo midiático. A função de um juiz deveria ser marcada pela imparcialidade, mas Moro em nenhum momento escondeu o seu papel de acusador. Pelo contrário, o juiz fazia questão e era elogiado por ajudar e se mostrar conivente com a acusação. Foram notórios os bate-bocas de Moro com a defesa de Lula, quase sempre terminando com o juiz impedindo de forma arbitrária que o advogado de defesa se expressasse. Em diversos momentos o direito à defesa foi cortado, como por exemplo na proibição de que a defesa realizasse uma vistoria no imóvel supostamente reformado. Um ano após este julgamento em primeira instância, por exemplo, uma ocupação do MTST no imóvel descobriu que não havia lá um elevador. A construção deste elevador era, segundo a acusação, um dos maiores indícios de que a reforma era destinada a Lula, pois, como dito no primeiro parágrafo, ele era à época um senhor de quase 70 anos sobrevivente de um câncer.
Léo Pinheiro havia negado diversas vezes nos primeiros depoimentos que a reforma se dedicava a Lula. Passou a afirma-lo após um longo período de prisão preventiva, realizada de forma arbitrária e sem que nenhum indício das três causas que a justifiquem (a saber, flagrante, obstrução de justiça ou ocultação de provas). Assim como aconteceu com outros, Pinheiro só foi solto após confirmar a história já escrita pela acusação. Foi assim também com Marcelo Oderbrecht e Antonio Palocci, os dois condenados e soltos após confirmarem a tese do Ministério Público que diversas vezes haviam negado.
O imóvel em nenhum momento pertenceu documentalmente a Lula ou à sua esposa. Não podemos conceder a posse de um imóvel a uma pessoa com base em testemunhos, pois isto criaria uma situação absurda. Se podemos dizer que um imóvel pertence a alguém porque muita gente está dizendo isto, podemos também dizer que um imóvel não pertence a alguém pelo mesmo motivo. A premissa criada no caso que condenou Lula permitiria, por exemplo, que eu juntasse um grupo de pessoas e testemunhasse que a casa em que você leitor ou leitora mora não pertence a você, mas sim a mim. Não importa se você tem o papel comprovando a sua propriedade, os testemunhos valem mais do que o documento. Muitas pessoas tentam comparar este caso de Lula ao de Elisa Samúdio ao dizer que a condenação se justifica com base apenas em indícios e não em provas (cadê o corpo?). Os casos, porém, são diferentes. No caso de Samúdio, todos os indícios demonstram que ela está morta. No caso de Lula, há um documento oficial provando que ele não era o proprietário do imóvel.
Toda a condenação de Lula se baseou em frases feitas no futuro do pretérito. A reforma aconteceria, o apartamento seria comprado e Lula iria atuar a favor da OAS em contratos da Petrobrás. Nada aconteceu, é tudo presunção. Lula, portanto, foi condenado por algo que não aconteceu.
Segundo a lei da Ficha Limpa, Lula só seria considerado inelegível se ocorresse uma condenação também em segunda instância. Era necessário, portanto, correr contra o tempo para primeiramente impedir Lula de ser candidato. Um processo, em média, demora 84 dias para mudar de instâncias. O da Oderbrecht, por exemplo, demorou 154 dias. O de Lula demorou 42. Foi o caso mais rápido a ser registrado.
Em 24/01/2018, Lula foi condenado em segunda instância. Neste julgamento, qualquer divergência entre os três juízes que o julgavam permitiria um novo recurso que adiaria o processo. Qualquer divergência inclui não apenas a questão da culpa ou não do réu, mas qualquer divergência mesmo na pena. Pois eis que os três juízes concordaram não apenas na culpa do réu, mas também na pena, que foi de 13 anos e 1 mês. Não 13 anos, mas 13 anos e um mês, deixando bem claro que houve uma espécie de combinação por parte dos três para impedir que a defesa de Lula ganhasse tempo no processo. Lula, porém, não foi preso imediatamente, pois o Supremo havia adiado a possibilidade de prisão em segunda instância para após uma nova votação, que aconteceria em abril. Lula, porém, já estava inelegível, mas ainda não se sabia se seria preso.
Na mesma semana desta votação, o juiz Sérgio Moro concedeu a sua primeira entrevista coletiva para a imprensa brasileira, no Roda Viva. Durante o programa, falou-se quase que exclusivamente da prisão em segunda instância, com Moro citando diversas vezes o nome da juíza Rosa Weber, cujo voto era considerado aquele que iria decidir a questão. Disse também que se o Supremo não mantivesse a nova interpretação, iria convocar a sociedade para realizar uma PEC, alterando a Constituição para que uma pessoa já fosse considerada culpada após a segunda instância. Enquanto assumia desta forma que a prisão em segunda instância era inconstitucional, Moro era basicamente bajulado pela roda de jornalistas composta apenas por pessoas que o adoram.
A mídia fez seu papel no circo ao transformar uma discussão que envolve toda a sociedade num simples debate “Lula vai ser preso?”. Graças ao voto de Rosa Weber, a nova interpretação se manteve numa votação de 6 a 5. Apenas 17 minutos após receber a autorização do Supremo, repito, 17 minutos, Moro decretou a prisão de Lula. Conseguia, desta forma, tirar Lula não apenas da eleição, mas garantir que ele não participasse de forma alguma da campanha.
O PT insistiu na candidatura de Lula, mas o objetivo aqui não é discutir isto. É fato, porém, que Lula liderava com folga as pesquisas e que seu afastamento da campanha foi fundamental no processo que levou à vitória de Jair Bolsonaro. Não podemos afirmar que Bolsonaro ganharia ou não com Lula na parada, mas é muito provável que não. Durante todo o processo eleitoral, especialmente no segundo turno, a esposa de Sérgio Moro, Rosangela Moro, utilizou as redes sociais para fazer campanha aberta para Jair Bolsonaro. Uma semana antes do primeiro turno, quando começou a se desenhar um cenário que quase garantiu a Bolsonaro a vitória já no primeiro turno, Moro tirou o sigilo da delação premiada de Antonio Paloci. Qual a importância disto para o processo? Nenhuma, Moro só quis interferir na eleição mesmo.
O ápice do circo aconteceria depois da eleição, com Moro aceitando ser Ministro de Bolsonaro. O juiz que tirou Lula da eleição aceitando participar do governo de seu grande rival político seria suficiente para suspender o processo chefiado por ele em qualquer democracia séria do mundo, mas não por aqui. Mais do que isto, Paulo Guedes, futuro ministro da fazenda de Bolsonaro, disse que ele, Moro e Bolsonaro já haviam se reunido para tratar deste assunto antes da eleição. Moro inicialmente disse que só iria se exonerar do cargo de juiz em 31/12, mas adiantou sua exoneração quando o Conselho Nacional de Juízes abriu um processo para investiga-lo. Este Conselho não pode investigar um ex-juiz, afinal.
A opinião pessoal que temos sobre alguém é indiferente para definir se uma pessoa deve ser presa ou não. Lula está preso atualmente por uma condenação sem provas, feitas às pressas e comandada por um juiz que se mostrou ser aliado de seu grande rival político. Lula é vítima de uma grande injustiça e o maior sinal de que vivemos numa sociedade doente é que ela permite e até comemora que um senhor de 73 anos sobrevivente de um câncer esteja trancado numa cela num processo completamente farsesco. A simples existência de um processo, aliás, não é suficiente para, como dizem alguns, provar a limpeza do processo. Nelson Mandela também teve direito a um julgamento antes de ser condenado. Defender Lula neste momento é fundamental. Não importa o que você acha dele. Sua prisão é uma vergonha. Ele é a primeira vítima de um regime que provavelmente utilizará a arbitrariedade e o autoritarismo para perseguir todo tipo de opositor. O primeiro é ele. Os próximos provavelmente serão os movimentos sociais. Em algum momento chegará a nossa vez.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O Palmeiras é o símbolo do Brasil de 2018





O futebol é hoje um dos principais e mais bem-sucedidos instrumentos de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. Não apenas no Brasil, mas principalmente no futebol europeu. Dos principais times da Europa atualmente, creio que apenas Manchester United e Liverpool estejam de alguma forma mais ou menos limpos. Barcelona e Real Madrid são dois instrumentos de governos locais numa rivalidade nacional, recebendo todo tipo de isenção fiscal possível. O Atlético de Madrid é financiado pela ditadura que governa a ex-república soviética do Azerbaijão. A Juventus é um instrumento de manipulação financeira da FIAT. O Bayern de Munique teve seu último presidente preso por fraudes fiscais. O PSG é usado para lavar o dinheiro de grupos ligados à ditadura que controla o Qatar. Todo mundo sabe. Todo mundo finge que não sabe.
Nenhuma liga no mundo é hoje mais dominada pelo dinheiro sujo ou mal explicado do que a Liga Inglesa. “O melhor campeonato do mundo”, como gosta de alardear a mídia. Os três últimos campeões são sustentados por mutreteiros. O Chelsea é financiado pelo bilionário russo Roman Abramovitch, banido de seu país natal por ter praticado diversos crimes financeiros. O Leicester é financiado por um milionário tailandês e o Manchester City por dinheiro árabe, numa situação semelhante à do PSG. O Reino Unido é hoje um dos principais paraísos fiscais do mundo. A regra britânica é que qualquer pessoa que estiver disposta a investir um milhão de libras em território britânico ganha automaticamente a cidadania, sendo prometido sigilo bancário e proteção. É por isso que o país é destino de todo tipo de mafioso vindo das mais diversas partes do mundo, especialmente Rússia, China, Turquia e países árabes. Um dos maiores descontentamentos que a terra da rainha tinha e ainda tem com a União Europeia é que de alguma forma o continente europeu queria barrar a farra britânica. Algo semelhante começa a ocorrer agora na Itália. Os dois times de Milão, Inter e Milan, foram vendidos para grupos chineses.
Na temporada passada, um pouco antes de uma partida de quartas-de-final de Copa dos Campeões entre Monaco e Borussia Dortmund, uma bomba explodiu perto do ônibus que levava o time alemão para a partida. No dia seguinte, descobriu-se que a bomba havia sido instalada por um investidor. O Borussia tem sua ações negociadas na Bolsa de Valores e o investidor havia apostado no dia anterior que o Borussia sofreria uma grande desvalorização. Foi preso, mas ganhou alguma grana. Apostas. Emissoras de TV, atletas e clubes são hoje financiados por sites de apostas. O maior patrocinador do Hertha Berlin é um site de apostas. A ESPN Brasil tem uma propaganda de site de apostas a cada intervalo. Alguns garotos propagandas são comentaristas esportivos. Cristiano Ronaldo é a estrela de um dos sites. Isto não se aplica apenas a futebol, aliás. Rafael Nadal também é patrocinado por um site de apostas esportivas. Isto é antiético? Sim, muito. Mas muita gente ganha muito dinheiro com isso. Então deixa quieto. Todo mundo sabe, todo mundo finge que não sabe.
A maior participação de grupos internacionais de lavagem de dinheiro no futebol estão inflacionando os valores dos jogadores. Há poucas formas melhores para se lavar dinheiro do que contratar um jovem jogador de futebol brasileiro por mais de R$ 1 bilhão de reais. Ele vale isso? A resposta para a pergunta é indiferente. O objetivo não é pagar o quanto ele vale. É lavar o máximo de dinheiro possível, contando para isto com o silêncio da mídia, interessada em fazer parte do ciclo.
O primeiro processo deste tipo a ter acontecido no futebol brasileiro foi sem dúvida o Palmeiras da Parmalat. Interessada em “apresentar seus produtos” no Brasil, a Parmalat basicamente comprou o futebol palmeirense e começou a formar esquadrões. Alguns anos depois, descobriu-se que era basicamente uma fraude voltada para lavar o dinheiro da empresa. “Descobriu-se”? Todo mundo já sabia. Todo mundo fingia que não sabia. Outras parcerias parecidas aconteceram nos anos seguintes, sempre resultando em craques, títulos e numa posterior falência, com a empresa midas quebrando ou passando dificuldade. Flamengo – ISL. Fluminense-Unimed, Corinthians-Hicks. O caso mais clássico de todos, sem dúvida alguma, é Corinthians-MSI. A sociedade agiu passivamente à aparição de um iraniano morando na Inglaterra que trazia dinheiro russo para contratar um craque argentino para o Corinthians. A verdadeira globalização da picaretagem. Título, lavagem de dinheiro e quebradeira se seguiram.
A nova etapa deste processo no Brasil é a parceria Palmeiras-Crefisa. Sem querer afirmar absolutamente nada, mas ela é no mínimo esquisita. Uma empresa sem nenhum vínculo esportivo começa a, do nada, torrar um dinheiro absurdo num clube de futebol, aparentemente sem receber um retorno. Leila diz que “ama o Palmeiras”. Como nos casos anteriores, a ação da mídia é baseada em silêncio e elogios. O Palmeiras como um exemplo de “gestão”. Em 2018, o Palmeiras-Crefisa ganhou seu segundo título brasileiro, graças a um elenco milionário e desequilibrado do restante do campeonato. A mídia comemora a esquisitice, passando propagandas da Crefisa e da Faculdade das Américas no intervalo das partidas.
A palavra que define o ano de 2018 no Brasil é cinismo. Jair Bolsonaro venceu uma eleição tendo como base a mentira. Todas as pessoas que o apoiam e votaram nele sabem que boa parte do que ele diz é mentira. Repetem as mentiras sabendo que estão mentindo. Não importa. A eleição foi decidida graças a uma canetada de um juiz, que prendeu de forma arbitrária e sem provas a pessoa que provavelmente venceria Bolsonaro. Como prêmio, este juiz foi chamado para ser ministro por Bolsonaro, com a garantia que será indicado pelo Supremo. A situação é absurda? É. Está mais do que claro que o juiz agiu politicamente? Sim. Para justificar, basta ser cínico. Moro agiu de forma imparcial, diz o cínico. Bolsonaro venceu de forma limpa, diz o cínico. Temos que torcer pelo seu sucesso, diz o cínico. A relação Palmeiras-Crefisa é normal, diz o cínico. Bolsonaro recebendo a taça pelo Palmeiras-Crefisa é o símbolo que faltava por ano. Os dois se reconhecem. Ambos são fruto do cinismo. O Palmeiras-Crefisa puxa o saco do novo líder. Bate continência. O novo líder se aproveita disso. O Palmeiras é o símbolo do Brasil de 2018. Sua conquista é fruto de relações econômicas controversas. Seu principal ídolo Dudu é condenado por agressão a mulheres. Seu segundo maior ídolo, Felipe Melo, tem como principal "mérito" o uso da violência. Corrupção e agressividade. Todos que estão em silêncio sabem, mas preferem calar. O futuro será implacável com os que hoje se calam. Quer apostar?