Resolvi escrever sobre o Guerrero mesmo antes do fim. Neste
momento ele está há 1 jogo de encerrar a sua passagem pelo time de Parque São
Jorge. O que motivou o texto nem foi tanto a trajetória do atacante, mas sim a
burrice dos torcedores.
O efeito de manada é recorrente no brasileiro como já deixei
claro algumas vezes, mas no torcedor de futebol o fenômeno se multiplica.
Provavelmente o torcedor corintiano irá xingar o peruano pela eternidade
simplesmente pelo o fato de ele vestir outra camisa brasileira.
Esse chilique é, segundo o torcedor, uma resposta apaixonada
a decisão do atacante e de seus empresários em não aceitarem a proposta de
renovação de contrato. Eu vejo de outra forma e acredito que essa atitude é
apenas a falta de análise dos fatos e, principalmente, de passionalidade.
Seria eu, então, capaz de explicar a paixão pensando de forma
racional? Sim, sou.
A paixão esconde os defeitos e ignora as tristezas. Os
torcedores que “vivem de Corinthians” devem saudar o Guerrero na sua – mais que
provável – saída, pois o que é o Corinthians se não as pessoas que o formam,
sejam funcionários, colaboradores ou torcedores? Se vivemos de Corinthians,
vivemos sim de Guerrero, Sheik, Andrés Sanches, Tite, Marcelinho, Sócrates, Rivelino,
Vicente Matheus, Basílio, Cláudio e tantos outros. O Corinthians sobreviverá ao
Guerrero, como sobreviveu a saída de todos esses grandes nomes citados.
Vamos à parte racional. O Guerrero assinou um contrato e o cumpriu
como louvor, não ficou só com a mão na cintura esperando as coisas acontecerem
e o salário cair. Fez por onde ganhar mais e ser reconhecido em um país que o
desconhecia completamente. Ele se valorizou, é o trabalho e o sustento dele. O
mundo do futebol é como e economia de mercado, ele se regula e os valores são
baseados em oferta e demanda. Se o Guerrero acha que algum clube pode pagar 20
milhões de reais em luvas, é o preço que o mercado deu a ele, parabéns! Se o
Corinthians não conseguiu chegar nessa cifra, paciência.
Por conta disso o Guerrero é mercenário? A palavra “mercenário”
é usada pelos torcedores para QUALQUER jogador que saia do seu time para ganhar
mais em outro clube tupiniquim, sem exceção. Em alguns casos, até os atletas
que se aventuram nas terras petrolíferas também ganham essa alcunha.
Ora, somos todos mercenários então? Você pode adorar o seu
local de trabalho, as pessoas, o clima, o bairro e tudo mais. Se você recebe
uma proposta que passará seu salário de R$ 4.000 para R$ 7.000 você vai e
pronto. Nunca ouvirá da sua mulher, dos seus filhos, dos seus amigos e até do
seu antigo chefe que você foi um mercenário.
A única coisa que não concordo é quando o atleta com contrato
vigente força a saída para poder ganhar mais. Aí sim ele é mercenário, aí sim
ele é mau caráter e merece ser xingado pela torcida eternamente e, em alguns
casos até depois da morte. O nosso herói do mundial não está fazendo isso, está
apenas deixando o clube que não pode renovar o seu contrato pelo o que o
mercado diz que ele vale.
O torcedor corintiano que realmente ama o seu clube e é grato
por todas as alegrias vividas em virtude desse amor deveria fazer a maior festa
do mundo para o Guerrero. Isso é amor, isso é gratidão pelo o que ele fez e não
pela a assinatura em um novo pedaço de papel.
Se o Guerrero for xingado no próximo final de semana será a
maior demonstração de que o jogador merece ser cada vez mais filho da puta e
que o torcedor sempre acha que o clube está certo. Talvez o Guerrero não tenha
aberto mão de alguns milhões de reais por 2 motivos: o primeiro porque são
alguns milhões de reais e o segundo porque ele viu ao vivo o que um ídolo
representa para a torcida aqui no Brasil, ele viu o que no que o Sheik se
transformou.
O Sheik fez os gols salvadores do Corinthians no final da Libertadores
2012, ele era o Basílio do século 21 e seus feitos jamais seriam esquecidos.
Até que o Sheik passou a não jogar tão bem e deu um selinho em um homem.
Pronto, os torcedores botaram para fora um ídolo porque ele fez uma brincadeira
com um amigo. Trataram o jogador como lixo “porque aqui é curíntia e não tem
dessa palhaçada de selinho em macho!”. Na boa, o Sheik pode fazer o que quiser
na sua vida pessoal que ele nunca deixará de ser um dos maiores nomes da
história do clube. Mas para muitos o amor e a gratidão vale um selinho.
Hoje o Emerson é um jogador prestes a sair do clube, será um
desempregado. Seu contrato está expirando e o clube não quer renovar, não é
mais vantajoso. Poderia agora o Emerson dizer que o clube está sendo mercenário
e mal agradecido? Claro que não! Exceto as pendências de salário, o Corinthians
não deve mais nada ao Emerson, cumpriu o contrato e ponto. Não vejo torcedor
xingando a diretoria porque não quer renovar como Sheik, porque temos que
xingar o Guerrero por ele não quer renovar com o Corinthians? Vale a pena
perder milhões para ser um ídolo que precisará sempre provar que é ídolo?
Torcedor passional não é o que xinga, é o que idolatra. Veja
o que a torcida do Borussia Dortmound fez para o Lewandowski, quando ele se
transferiu para um rival nacional, o Bayern de Munique.
A despedida do Ter Stegen do Borussia Monchengladbach quando
se transferiu para o Barcelona. Um show!
As maiores provas de amor veem nas adversidades.
Inacreditável o comportamento da torcida do Universidad de Chile apanhando em
casa para o Internacional neste ano. O jogo estava 0x4.
Pule o vídeo para 1:23:12 e depois para 1:26:15.
Eu estou triste com esse adeus, até porque pelos valores que
foram divulgados hoje (25/05/15) a diferença do oferecido pelo Corinthians e pelo
Flamengo não é tão grande. Mesmo que o Guerrero vá para o Flamengo – ou até
para o Palmeiras – não seja mais um no coro que vai xingar e chamar de
mercenário. Seja o cara passional que vai aplaudir, seja o torcedor que vai
fazer o Guerrero sentir uma emoção e um carinho tão grande que ele jamais se
esquecerá, seja aquele e que se lembrará apenas do que foi bom, porque o amor é
isso.