domingo, 8 de outubro de 2017

O fim da gestão Doria


Nove meses após tomar posse, João Doria Jr. Se prepara para deixar a prefeitura de SP enquanto seus números de popularidade começam a cair. Em 31/03/18, Doria provavelmente fará aquilo que aparentemente já queria desde o primeiro dia de sua gestão: sair do cargo de prefeito para se candidatar a algo maior. Como um carreirista do setor privado. Caso consiga completar o chapéu em seu padrinho político Geraldo Alckmin, será candidato a presidente, para alegria dos rentistas do mercado financeiro e da extrema-direita representada pelo MBL. Caso não, sairá candidato a governador. A cidade já de São Paulo só tem a agradecer a saída precoce do prefeito, cuja gestão relâmpago foi um desastre quase que completo.
A eleição de Doria em 2016 foi um dos grandes símbolos dos efeitos que a histeria antipetista teve sobre a sociedade paulistana. Num momento de rejeição completa a qualquer coisa apresentada pelo PT, seja boa ou ruim, Doria se lançou como candidato a prefeitura sem se dar ao trabalho de ter sequer um projeto de governo minimamente consistente. Suas promessas eram basicamente o projeto Corujão da Saúde, a privatização de tudo que fosse possível, que na campanha incluía inclusive uma esdrúxula ideia de privatizar faixas de ônibus e ciclovias, e criticar o PT sempre que foi possível. Não havia desde a campanha nenhuma proposta para mobilidade urbana, moradia, educação, saneamento etc. Para uma sociedade cega de ódio pelo PT, porém, a criação do personagem “João trabalhador” e os xingamentos repetidos a Lula foram suficientes para garantir uma vitória esmagadora.
O investimento maciço em marketing e o uso obsessivo das redes sociais foram duas das características mais marcantes da quase ultrapassada gestão. Isto ficou claro já no início da administração, com o lançamento da operação Cidade Linda. Fantasiando-se de gari, a tática do prefeito para se destacar já era clara. Doria começa seus vídeos falando qual o plano mirabolante da vez, apresentando números falsos para justificar um sucesso inexistente, agradecendo a algum amigo empresário por ter doado algo “sem querer nada em troca” e terminava chamando Lula de safado ou vagabundo, para delírio da extrema-direita. Imitando seu colega americano de Aprendiz, Donald Trump, buscou o choque com a imprensa toda vez que esta apresentava contestações a seus números falsos, primeiro expondo ele mesmo jornalistas que faziam tal ousadia, depois usando seu braço-direito do MBL para realizar o trabalho sujo, investigando a vida pessoal destes profissionais  e acusando-os quase sempre de serem de “extrema-esquerda”. Não há como negar que neste ponto Doria provou que realmente trouxe métodos do setor privado para o setor público, onde críticas a gestores não costumam ser bem aceitas.
Os números do Programa Cidade Linda mostram que a cidade está mais suja e mais mal cuidada hoje do que em 2016. As filas para exames voltaram praticamente ao mesmo patamar de um ano após o fim do Corujão da Saúde. O número de mortos no trânsito subiu após o absurdo aumento de velocidade nas Marginais. O trânsito piorou. Empresários que doam para a prefeitura “sem esperar nada em troca” têm sido repetidamente beneficiados por contratos sem licitações. Acusações de que vendas de patrimônios públicos já tem vencedores decididos antes de acontecer se repetem. O principal evento cultural da cidade, a Virada Cultural, foi destruído. O premiado Plano Diretor apresentado pela gestão anterior vem aos poucos sendo substituído por um plano desenvolvido pelos amigos do setor imobiliário do prefeito, visando estimular a especulação imobiliária. Ciclovias foram desativadas.vA distribuição de merendas nas escolas foi diminuída. A tática de Doria para lidar com o resultado ruim é quase sempre a mesma. Contestação dos fatos, apresentação de uma versão alternativa e confronto com a pessoa que apresenta os números reais. Quase nunca há autocrítica. Dentre as versões alternativas apresentadas pelo prefeito, destaca-se a meu ver aquela em que ele disse que a diminuição na distribuição de merendas era uma tentativa de diminuir a obesidade infantil e aquela em que ele diz que o aumento do número de mortes na Marginal não é fruto do aumento de velocidade, e sim da recuperação econômica.
A frase mais icônica desta gestão foi, a meu ver, aquela em que ele disse que não ligava para a opinião de “istas”, citando petistas, ciclistas, ativistas e jornalistas. Podia ter citado também especialistas, que quase sempre discordam dos planos mirabolantes do gestor. Basta ver como exemplo a opinião contrária quase unânime de quem entende de urbanismo sobre as mudanças no Plano Diretor ou de quem entende de arte urbana sobre a retirada dos grafites na Avenida 23 de maio.
Incentivado por setores do mercado, animado com seu discurso pró-privatizações, e pela ala jovem da extrema-direita do MBL, Doria passou boa parte do seu mandato viajando, seja tentando vender o patrimônio público para empresas estrangeiras, seja passeando pelo país para tornar-se conhecido fora de SP. Neste momento está em Belém para um evento religioso. Diz que pode governar a cidade estando longe, uma vez que pode dar ordens a seus secretários usando o celular. Essa é a visão que o gestor que se apresentou como moderno tem de gestão, ele dando ordens de longe. A principal consequência disso até o momento é a implosão do PSDB, cada vez mais rachado pela figura pitoresca do prefeito. Alberto Goldman, vice-presidente do partido, foi chamado de fracassado pelo prefeito ao dizer que sua gestão não começou.

São Paulo só tem a agradecer o prefeito pelo fato dele querer sair logo da prefeitura. Bruno Covas, que assumirá em seu lugar, dificilmente conseguirá ser pior. A cidade, ao menos, voltará a ter um prefeito. A ideia de Doria ser presidente assusta, claro. Imagine o que seria alguém com a proximidade que ele tem com o MBL chegando ao poder. O que seria o Ministério da Educação nessa hipotética gestão, por exemplo. São Paulo tentará levar ao restante do país o grande símbolo de sua histeria. Mas não vamos sofrer por antecipação. Daqui um pouco menos de seis meses Doria abandona o cargo que claramente nunca quis. Até janeiro de 2018 não terá cargo público. Numa era de retrocessos, qualquer pequeno alívio já deve ser comemorado.

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