terça-feira, 28 de novembro de 2017

Os não-candidatos, a não-notícia e o futuro da democracia


“O Brasil usou LSD e o efeito não passa”. Li essa frase em algum momento durante o processo de hipnose coletiva que culminou com o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Procurei, mas não encontrei de quem é a citação com que começo este texto. Desde já peço desculpas por este erro. Nesta verdadeira “era do alucinógeno”, tivemos em dois dias a “notícia” e a repercussão de “notícia” que, a meu ver, conseguiram superar qualquer obra possível de ficção. Nem a mente mais criativa poderia chegar a isso, a um momento em que a "notícia" da semana seria uma não-notícia.
A “notícia” é: “Luciano Huck anuncia que não será candidato à presidência”. O uso de aspas para o termo “notícia” é porque tenho dúvidas reais se isto é uma notícia. Huck nunca anunciou que seria candidato. Podemos chamar então esta “notícia” de não-notícia, sem aspas. A não-notícia de Huck foi capa do principal jornal da principal cidade do país. O texto, escrito pelo próprio não-candidato (ou que ao menos assinou a matéria, sabe-se lá se ele a escreveu mesmo), baseia-se basicamente no egocentrismo. O não-candidato da vez passa o texto todo se elogiando.  Começa o não-anúncio com uma introdução sobre a Odisséia de Homero de três parágrafos que não tem relação nenhuma com o restante do texto, basicamente pra tentar mostrar que já leu esse livro, sabe-se lá o porquê. No restante, começa a mostrar tudo que enxerga como sendo as suas qualidades. O não-candidato é, segundo o texto que ele diz ter escrito, curioso, apaixonado, corajoso, andarilho, gente boa, intuitivo e obcecado. Se ele escreve tudo isto em um texto em que se declara não-candidato, fico imaginando como ele se descreveria num texto em que se declarasse candidato. Ao final, o não-candidato diz que quer “continuar” contribuindo com o Brasil, sem explicar muito bem como contribuiu até agora. Explorando o fetiche adolescente com personagens que transformam mulheres em objetos? Invadindo terrenos públicos para criar uma espécie de quintal para sua mansão na praia? Explorando o assistencialismo televisivo? Servindo de papagaio de pirata para celebridades estrangeiras?
A não-notícia aconteceu na segunda-feira. Na sexta-feira anterior, a terceira revista semanal de maior circulação trazia na capa o mesmo não-candidato. Chamava sua ascensão de “meteórica” e dizia que mesmo não sendo candidato, o não-candidato já havia mudado o eixo do debate. O lado curioso dessa mudança de eixo que a revista apregoa é que as pesquisas antes e depois da cogitação da candidatura do não-candidato apresentavam os mesmíssimos números. Antes, Lula liderava com Bolsonaro e Marina empatados em segundo. Hoje, Lula lidera com Bolsonaro e Marina empatados em segundo. Um dia depois de anunciar a não-candidatura, o não-candidato foi entrevistado com pompa pela revista semanal de maior circulação. A não-notícia segue sendo a “notícia” da semana.
Há quase um ano, o não-candidato daquele momento era o publicitário Roberto Justus. Desesperados com o fato de que a eleição do ano que vem pode destruir o “projeto” que chegou ao poder com ascensão de Temer através de um golpe parlamentar, a elite e o mercado se esforçam para criar um candidato que mantenha as reformas impopulares do atual governo golpista e, mais do que isto, que consiga a legitimidade das urnas que este governo não tem. Após a vitória de um apresentador do Aprendiz na eleição americana e de um apresentador do mesmo reality show na eleição para prefeitura paulistana, o nome de Justus animou o mercado. A leitura é que a população está disposta a comprar um político que se apresente como mudança e nada melhor para o mercado financeiro que esta “mudança” venha com alguém homem, branco, de elite e disposto a manter tudo que o atual governo tem feito. O não-candidato de janeiro anunciou a sua não candidatura no mesmo jornal que o não-candidato de novembro. Sua não-candidatura, porém, não teve a enorme repercussão da não-candidatura atual, talvez porque agora o desespero seja maior. A carta daquele não-candidato é, aliás, bem parecida com a do atual não-candidato, com exceção do começo bizarro com a Odisseia da carta atual. Muito egocentrismo, autoelogios e finalizando com a ideia de que ele vai “continuar ajudando o Brasil”. Após anunciar a sua não candidatura, o não-candidato de janeiro começou a preparação para a apresentação do reality show a Fazenda, da Record, que traz como principal atração o participante que foi afastado do programa da concorrente Globo por assédio sexual. Seria esta a ajuda?

Entre as duas não candidaturas televisivas, houve ainda a não-candidatura do prefeito de São Paulo, João Doria Jr., que ainda sonha em ser candidato. O mercado se animou inicialmente com esta não-candidatura, mas a péssima gestão do prefeito e sua queda de popularidade esfriaram os ânimos. Enquanto caça novos não-candidatos midiáticos que talvez queiram ser candidatos, preocupa-me a possibilidade do mercado cansar de fingir que liga para a democracia. Começou, por exemplo, a pipocar notícias sobre um possível impacto que a eleição de Lula teria sobre o câmbio, tática que não foi bem-sucedida em 2002. O candidato fascista Jair Bolsonaro já começa a buscar uma aproximação com nomes do mercado, tentando preencher o espaço dos não-candidatos. Historicamente, o mercado já deu demonstrações de que não se opõe a figuras deste tipo. A mesma revista que na sexta disse que o não-candidato Huck havia “mudado tudo” com sua não-candidatura tem uma versão de “Negócios”. A capa dessa semana fala sobre uma economia em “franca recuperação” e sobre como o “populismo eleitoral de 2018 pode acabar com essa recuperação”. Até onde o mercado está disposto a ir para segurar as reformas de Temer ainda é incerto, mas já é claro que é uma turma que não tem nenhum apego à democracia. Qual o plano B?

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A assustadora liderança do fascismo entre os que têm curso superior


Bolsonaro lidera entre as pessoas com curso superior. Ele possui 25% das intenções de  voto entre estes. Obcecada pela liderança de Lula, a grande mídia deixa passar em branco aquela que é a informação mais importante que as atuais pesquisas eleitorais mostram sobre a sociedade brasileira. Entre as pessoas mais “instruídas”, lidera um candidato fascista e cujo grande lema é o incentivo à violência. O objetivo deste texto é tentar entender como a educação superior forma tantos bolsonetes.
Os últimos governos brasileiros, e isto inclui a gestão Lula, que sem dúvida foi o período de maior investimento no social em nossa história, sempre enxergaram o sistema superior mais como um formador de mão-de-obra do que como um formador de cidadãos. A universidade é vista por muitos mais como um curso técnico do que como um lugar que estimule a reflexão e o debate sobre a sociedade. Nas duas últimas décadas, vivemos um verdadeiro boom na criação de vagas de cursos como administração, publicidade e marketing, por exemplo, que, com todo respeito aos profissionais da área, são mais voltados para pessoas que querem simplesmente um diploma para ganhar um salário maior do que para qualquer outra coisa. No mesmo período, passamos por um processo de destruição dos cursos de ciências humanas, cada vez menos importantes para uma sociedade interessada quase que exclusivamente com a formação de “mão-de-obra qualificada”. Isto explica, a meu ver, porque o Programa Ciências sem Fronteiras, destruído pelo governo golpista, não oferecia vagas a estudantes de humanas. O interesse governamental era fornecer a experiência de viver fora para profissionais de engenharia, que são vistos como aqueles que “construirão um novo Brasil”, mas não para um estudante de história.
A expansão do ensino superior no Brasil, portanto, foi feita seguindo uma lógica de mercado e individualista. Focou-se na ideia de que o diploma universitário serve basicamente para fornecer mão-de-obra mais qualificada para o mercado e não na formação de cidadãos pensantes. Estimulou-se o individualismo.
A lógica do ensino superior no Brasil foi corrompida pela lógica do consumo e os governos compraram esta ideia. A faculdade passou a ser um produto consumido, com celebridades fazendo propagandas de cursos como se estivessem vendendo carros. Estas propagandas sempre tentam expor como é mais fácil conseguir um emprego depois de terminar o curso de administração de empresas com foco em marketing e novos negócios da Universidade Tabajara. Melhor emprego é igual a mais consumo. Consuma nosso curso para consumir mais no futuro, esta é lógica. Educação como investimento monetário.
O Brasil é um país dividido em castas. A faculdade, como tudo num país criado tendo como base a ideia de senhor-escravo, é vista como um trunfo social. Nada é mais simbólico disso do que a prisão especial para pessoas com diplomas. Isto não é um “incentivo” para o estudo e sim uma forma que a elite encontrou de, na época em que só ela era capaz de entrar no ensino superior, manter seus privilégios até quando pisasse na bola. O período de explosão do número de vagas em universidades seguindo uma lógica de mercado foi também um período de explosão na criação de cursos de MBA. A elite, incapaz de manter sua posição usando apenas o diploma como argumento, criou a necessidade de outro tipo de curso para gestores, extremamente caros, e em que nada se aprende de fato. Basicamente gente bem-vestida comprando um diferencial. Os empresários do setor educacional agradecem.
Assim, a expansão do ensino superior feita seguindo a lógica de mercado estimulou a criação de uma geração de formados individualista, que só vê propósito na educação como meio de alcançar um melhor emprego, para assim consumir mais e fazer parte de uma casta de privilegiados. O sonho de boa parte dos diplomados é fazer parte desta casta. Não à toa, o termo utilizado para pessoas que fazem faculdade é “nível superior”. A linguagem utilizada diz tudo. O objetivo deste texto não é dizer que esta expansão foi toda ruim. É óbvio que há méritos gigantescos neste processo. O grande problema, a meu ver, é a lógica que ela seguiu.
A recessão econômica a partir de 2015, fez com que um grande número de pessoas destas da qual o texto fala perdessem o emprego ou desenvolvessem um grande medo de perdê-lo. Como a única função do diploma universitário nesta lógica é a obtenção de um emprego que pague mais e permita consumir mais, este diploma perdeu a função. É muito fácil para este trabalhador diplomado sentir que ele perdeu tudo que conquistou. Ao obter um diploma, esperava-se exclusivamente consumo e status social, coisas que desapareceram com a crise.
Entre pessoas diplomadas, portanto, encontram-se as características típicas de um eleitor de Bolsonaro. Individualismo, medo, rancor, arrogância e ódio. A universidade da forma como é vista hoje, em geral, nada faz para combater esta ideia. Se Paulo Freire criou o termo “educação libertadora”, o Brasil, ao invés de investir no que pregava um dos educadores mais premiados do mundo, criou a seu jeito uma “educação comercial”, em que quanto mais a pessoa estuda, mais ela se torna consumista e com pensamentos elitistas.

O Brasil paga o preço pelo descaso histórico em relação aos cursos de ciências humanas. As pessoas, em geral, não sabem o que foi o fascismo, por isso não se importam em serem chamadas de fascista quando apoiam um candidato como Bolsonaro. Ele liderar entre pessoas com diploma superior é grave. Ninguém estar disposto a falar disso é tão grave quanto.

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Ives Gandra Martins e a luta da elite pela manutenção de privilégios


“Não sou nem negro, nem homossexual, nem índio, nem assaltante, nem guerrilheiro, nem invasor de terras. Como faço para viver no Brasil nos dias atuais?”. É assim que Ives Gandra Martins, importante jurista, começa sua deprimente coluna divulgada nesta semana pelo jornal cearense O Povo. O texto foi escrito em 2013, quando a onda de ódio que tomaria conta do Brasil, levando a um golpe de Estado e ao surgimento de movimentos de extrema-direita como o MBL estava apenas no começo, mas a coluna de Gandra ajuda a entender bem o ódio que boa parte da elite em relação aos avanços sociais vividos no Brasil nos últimos anos e como esta elite usou o artifício da corrupção, da qual sempre se beneficiou, para seduzir uma parcela alienada da classe média e destruir os projetos e garantias sociais obtidos historicamente com muita luta.
Ives Gandra Martins é da Opus Dei. Advogado, pôde pagar as melhores escolas para seu filhinho, Ives Gandra Martins Filho, que hoje é presidente do Tribunal Superior do Trabalho. É muito comum no Poder Judiciário, aliás, ver pai “doutor” gerando filho “doutor”. Isto não incomoda os Gandra. A versão Filho deu declarações defendendo a Reforma Trabalhista, utilizando o argumento favorito dos empresários sedentos por maior margem de lucro: “A flexibilização criará empregos”. Converse a sós com algum empresário e veja se ele tem realmente algum interesse em criar emprego. Funcionário é visto como custo. Deu também declarações contra a legalização do casamento entre homossexuais e, para se ter uma ideia do grau de reacionarismo do magistrado, já se disse contra o fato do divórcio ser legalizado. Também já disse que a mulher deve ser submissa ao marido e, como o pai, é  membro da Opus Dei. Quem o nomeou para o cargo de ministro do TST foi FHC, o que mostra que o PSDB já flerta com o reacionarismo desde então. Gandra Filho, aliás, esteve muito perto de chegar ao Supremo durante a gestão Temer, seu nome era um dos favoritos na indicação que foi para Alexandre de Moraes. É o próximo da lista. Pense num cara destes no Supremo por quase trinta anos. Falta pouco.
O irmão de Gandra Martins Pai é João Carlos Martins, hoje maestro e famoso por suas interpretações de Bach ao piano. O maestro era dono de uma empresa chamada Pau Brasil, fechada nos anos 2000 sob acusação de realizar operações financeiras irregulares para as candidaturas de Paulo Maluf nos anos 1990. Martins chegou a ser condenado à prisão pelas falcatruas nas campanhas malufistas, mas teve a pena trocada por prestações de serviço. Nada como ser irmão e tio de gente importante.
A elite brasileira adora ter privilégios e é capaz de tudo para mantê-los. Mais do que os erros, foram os acertos da gestão petista que fizeram com que essa elite a odiasse. A corrupção nunca os incomodou. Eles odeiam mesmo são as cotas e qualquer medida que vise diminuir as desigualdades das quais famílias como a dos Gandra Martins são as grandes beneficiadas. Em sua coluna, Gandra pai tenta se colocar como “vítima” de um sistema do qual é o grande beneficiado, que permite que a riqueza e o status sejam hereditários e em que a corrupção de seu grupo não seja punida. Se existir um Gandras Neto, deve estar em alguma escola particular para milionários se preparando para entrar em direito no Largo São Francisco. Não à toa, esta elite nem finge mais se incomodar com a corrupção praticada pelo governo Temer. O que eles queriam mesmo era redução dos programas sociais e combate ao aparato de proteção ao trabalhador. Conseguiram. Ainda precisam da Reforma da Previdência, que este governo não parece capaz de entregar. Num futuro próximo, provavelmente o alvo será o programa de cotas raciais nas universidades federais. O argumento da vez possivelmente será “meritocracia”. Famílias ricas adoram este termo. Depois será o Bolsa-Família. "Dê a vara ao invés do peixe", adoram dizer aqueles cujos filhos estão destinados a serem "doutores" desde o nascimento.
Não há no Brasil nada mais elitista do que o Poder Judiciário. Não à toa, este Poder teve participação tão fundamental no processo político que resultou na ascensão de Temer à Presidência. Não à toa lutam tanto para manter seus privilégios. No último depoimento de Lula ao grande ídolo desta elite que comandou o golpe de Estado e lucra com suas consequências, o juiz Sérgio Moro, este deu uma bronca no ex-presidente quando aquele se referiu a uma promotora como “querida”, e não “doutora”. A tal “doutora”, porém, não tinha doutorado. A elite se regozijou de alegria ao ver o juiz moralista colocar o ex-torneiro mecânico em seu “devido lugar”. Eles querem continuar sendo tratados como “doutores”. O golpe não foi contra a corrupção. Ela está aí, ocorrendo quase normalmente. Foi para manter privilégios. Os golpistas estão sendo bem sucedidos, enquanto os patos que berravam hoje silenciam. A classe média que sustentou o golpe sonha em ser como os Martins e aceita passivelmente ser submissa a eles. O oprimido que sonha em ser opressor. Os Martins agradecem.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Os 50 melhores dos 50 anos da Era Aberta no tênis


Em 2018, o tênis celebra os 50 anos da “Era Aberta”. Até 1968, apenas jogadores amadores podiam disputar os torneios de Grand Slams que, por esta razão, estavam quase sempre desfalcados das principais estrelas. Imaginar atualmente que os principais torneios não tinham os melhores tenistas parece loucura, mas esta era a realidade há meio século. A pressão da televisão, interessada em ter os melhores jogando nos eventos que começavam a receber transmissões ao vivo, e o medo de ver seus principais torneios ruírem com a concorrência de outras competições que premiavam financeiramente os jogadores fizeram a ITF tomar a decisão de permitir a entrada dos profissionais em seus torneios. Em homenagem ao aniversário de 50 anos desta mudança, fiz uma lista daqueles que eu considero os 50 melhores tenistas deste período, sem distinção de gênero. Lembro que a lista trata apenas da Era Aberta, por isso Maria Bueno, a melhor tenista brasileira de todos os tempos, não está presente.

1)      Steffi Graf (ALE)
2)      Serena Williams (EUA)
3)      Rod Laver (AUS)
4)      Martina Navratilova (TCH / EUA)
5)      Roger Federer (SUI)
6)      Billie Jean King (EUA)
7)      Rafael Nadal (ESP)
8)      Bjorn Borg (SUE)
9)      Novak Djokovic (SER)
10)   Monica Seles (IUG / EUA)
11)   Pete Sampras (EUA)
12)   Chris Evert (EUA)
13)   Jimmy Connors (EUA)
14)   Ken Rosewall (AUS)
15)   Margareth Court (AUS)
16)   Andre Agassi (EUA)
17)   Ivan Lendl (TCH / EUA)
18)   John McEnroe (EUA)
19)   Evone Goolagong (AUS)
20)   Martina Hingis (SUI)
21)   John Newcombe (AUS)
22)   Stefan Edberg (SUE)
23)   Justine Henin (BEL)
24)   Andy Murray (GBR)
25)   Boris Becker (ALE)
26)   Mats Wilander (SUE)
27)   Venus Williams (EUA)
28)   Maria Sharapova (RUS)
29)   Guillermo Villas (ARG)
30)   Arthur Ashe (EUA)
31)   Manuel Orantes (ESP)
32)   Hana Mandlikova (TCH)
33)   Lleyton Hewitt (AUS)
34)   Ilie Nastase (ROM)
35)   Jennifer Capriati (EUA)
36)   Jim Courier (EUA)
37)   Michael Chang (EUA)
38)   Lindsay Davenport (EUA)
39)   Gustavo Kuerten (BRA)
40)   Kim Clijsters (BEL)
41)   Marat Safin (RUS)
42)   Virginia Wade (GBR)
43)  Stanislaw Wawinka (SUI)
44)   Mary Pierce (FRA)
45)   Patrick Rafter (AUS)
46)   Amelie Mauresmo (FRA)
47)   Jana Novotna (TCH)
48)   Yevgeny Kafelnikov (RUS)
49)   Arantxa Sanchez (ESP)
50)   Andy Roddick (EUA)




quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A mídia e o racismo


William Waack foi afastado do Jornal da Globo após o vazamento de um vídeo em que ele aparece cometendo um ato racista. Waack foi nos últimos anos, junto com Alexandre Garcia, o mais influente jornalista de pautas direitistas da maior emissora do país. Possuía em seu telejornal liberdade editorial quase completa para opinar e foi uma das vozes mais fortes do movimento que chamo de paranoia antipetista, formado por jornalistas que basearam suas opiniões na defesa do que chamam de livre mercado e na crítica a programas sociais dos governos petistas, especialmente o Bolsa Família e as cotas raciais. Segundo Alexandre Garcia, aliás, em um editorial do Bom Dia Brasil, o governo petista era responsável pelo surgimento do racismo no Brasil ao adotar a política de cotas nas universidades. Talvez o comportamento do seu agora quase ex-coleguinha Waack o prove do contrário.
Não é a primeira vez que algo deste tipo acontece na grande mídia brasileira, mas nunca havia envolvido alguém com o poder de influência de Waack. Boris Casoy foi filmado num intervalo fazendo chacota de um grupo de garis que sonhava em comprar um celular. Como uma representação da elite que não se conformava com o acesso a novos produtos que pessoas de origem humilde estavam obtendo na era Lula, Casoy gargalhava e humilhava profissionais que realizam um trabalho fundamental para o nosso dia-a-dia. Pediu desculpas no ar e não recebeu nenhuma punição da Bandeirantes. Hoje está na Rede TV. Rachel Sheerazade, ícone da extrema-direita lunática, causou polêmica ao defender o linchamento de um jovem contraventor que havia sido amarrado numa árvore. Como “punição” do SBT, foi proibida de opinar no telejornal e recebeu um contrato da maior emissora de rádio de São Paulo para dar exatamente o tipo de opinião que gerou a polêmica. O mesmo SBT, aliás, contratou Marcão do Povo, demitido da Record após usar xingamentos racistas contra uma cantora de funk. Talvez o SBT seja o mesmo destino de William Waack, pois aparentemente Silvio Santos aprova este tipo de comportamento entre seus jornalistas.
A punição a Waack mostra que nossa sociedade ao menos está evoluindo um pouco quanto a este assunto. Não há mais espaço para racismo explícito na maior emissora do país e a postura da Globo mostra ao menos que ela sentiu necessidade de agir dessa forma. Isto é importante, mas muito ainda deve ser feito, especialmente para criar alguma diversidade nas redações. Praticamente todos os apresentadores de telejornais, seja nas TVs abertas ou fechadas, são brancos. São eles que decidem a forma como as informações chegam aos telespectadores. Não há nenhum espaço para debates, há basicamente pessoas brancas expondo paranoias e moralismos de classe média, sem nenhum questionamento real sobre nossas desigualdades e desafios, incentivando uma alienação cada vez maior entre seus telespectadores. Uma reportagem sobre aumento de gasolina ou atraso em aeroportos tem mais destaque e tempo do que uma matéria sobre miséria ou combate à desigualdade. O Brasil real segue invisível na grande mídia. A maior parcela da população segue com pouquíssima representação em emissoras que, afinal, são concessões públicas e, portanto, devem satisfação por sua programação à sociedade.

A mídia tem uma responsabilidade gigantesca neste grande movimento de falso moralismo, ódio e paranoia que gerou o impeachment de Dilma e que agora evoluiu para uma assustadora onda de extrema-direita que persegue artistas e professores. A grande mídia claramente não se mostra preocupada ou interessada em fazer alguma autocrítica sobre seu papel em todo momento caótico que o Brasil vive. Não vimos e creio que não veremos nenhuma investigação sobre gastos de estatais, algumas com monopólio, em publicidade nestes grandes meios, ou no silêncio de todos para as grandes obras olímpicas no Rio enquanto elas eram construídas. O afastamento de Waack, porém, mostra que em todo este caos trágico que vivemos, houve alguma evolução social. Ao menos vivemos num período em que a emissora sente necessidade de dar alguma satisfação a seu público quando algo deste tipo acontece. Diferentemente do que houve com Casoy, há pouco tempo. Que figuras racistas como Waack desapareçam. E que levem seus falsos moralismos, preconceitos e paranoias juntos. Mas que fique claro que seu afastamento é apenas um pequeno passo. Uma pequena e simbólica vitória num período trágico de derrotas para todos que defendem uma sociedade mais igual e sem preconceitos.

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A nova aposta do mercado


O “deus-mercado” está cansando de brincar de democracia no Brasil. Irritado com a insistência de boa parcela da população em votar no presidente que lhes deu alguma dignidade e incapaz de reverter a psicopatia social que explica a ascensão de Jair Bolsonaro, prepara-se para sua mais arriscada e sagaz ação. A criação de um fantoche.
Articula-se com cada vez mais força no meio empresarial a candidatura do apresentador Luciano Huck à presidência, possivelmente com o banqueiro Henrique Meirelles no cargo de vice. Alçado à fama nos anos 90, graças ao lançamento de personagens femininos interpretados por mulheres seminuas, o mercado espera que Huck consiga fazer com Meirelles algo semelhante ao que conseguiu fazer com Tiazinha e Feiticeira. O deleite que a possibilidade de Meirelles chegar ao poder causa entre os “empreendedores e gestores” do mercado financeiro é semelhante ao deleite que Tiazinha provocava em adolescentes espinhudos de vinte anos atrás. O problema é que Meirelles não tem voto. Quase nenhum. Para chegar lá, precisaria de um fantoche qualquer, e nada melhor do que um apresentador egocêntrico, capaz de obter os votos que este mercado tanto precisa na classe mais baixa graças a seu programa de TV com quadros assistencialistas, voltados para enaltecer a grandeza do apresentador rico que distribui uma migalha qualquer para um pobre telespectador, que responde com aquele olhar grato que membros da elite adoram receber quando doam, por exemplo, roupas velhas para a família da empregada doméstica.
Huck até o momento deu algumas entrevistas sobre o assunto, em que se mostra totalmente preparado para o cargo de fantoche de Meirelles e do mercado. Destacam-se aquelas em que diz que “não importa se foi golpe ou não”, mostrando o enorme desrespeito que possui por análises históricas (afinal, no mundinho da meritocracia pouco importam as desigualdades atuais decorrentes de processos históricos) e, a mais marcante a meu ver, em que diz que está na hora da sua geração chegar ao poder. Huck é homem, branco, rico, nascido em família rica, mais acima de 45 anos, quase um cinquentão. Homens, brancos, ricos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos são basicamente a definição de poder. Olhe para a gestão de qualquer empresa e é basicamente isto que você encontrará. Chamam de novo o que há de mais velho.
O mercado ainda precisa fingir que liga para a democracia e para regras. A aparência importa mais que a essência. Por isso aplaudem as reformas feitas por um presidente sem voto, argumentando que elas são legítimas porque Temer estava na chapa da eleita Dilma, mesmo que esteja fazendo o contrário de tudo o que a chapa eleita havia prometido. Conta no seu joguinho com o Poder Judiciário, composto basicamente por homens, brancos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos. Cria-se um suposto cenário de combate à corrupção, extremamente seletivo, que condena Lula sem provas, absolve Aécio e Temer com provas e esquece voluntariamente de Meirelles, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F, dona da JBS, durante todo o período de roubalheira. No Brasil atual, é a “democracia” quem deve se adequar às vontades do mercado, e não o inverso.
Parece cada vez mais necessário que o Poder Judiciário cumpra seu papel e tire Lula da disputa. A condenação sem provas do ex-presidente gerou euforia no mercado, queda do dólar e recorde na Bovespa. Nunca se viu relação entre Mercado e Poder Judiciário tão gritante como neste dia. Para legitimar uma eleição sem o líder das pesquisas, entra a grande mídia, comandada basicamente por homens, brancos, ricos, nascidos em famílias ricas, acima de 45 anos. Repetem-se informações não verificadas como se fossem verdades. Lembremos da “chocante” delação de Delcídio Amaral, tratada como verdade absoluta há um ano e anulada por falta de provas. Revistas semanais de “informação” trouxeram nas últimas semanas imagens de Lula o chamando de “extrema-esquerda”, estimulando paranoias anticomunistas típicas de Guerra Fria, mesmo que seu governo tenha passado muito longe disso e que seu presidente do Banco Central tenha sido Meirelles, homem que sonham em ver conduzindo a nação. Criam uma falsa comparação com o psicopata da extrema-direita e propõem o surgimento mágico de um candidato do que chamam de “centro”, aquela região mágica em que há discernimento e não há conflito. Veja propõe, olhe só, a chapa Huck-Meirelles, para alegria do mercado.

Cem anos após a Revolução Russa e seu lema “proletários do mundo, uni-vos”, a elite brasileira, que comanda o tripé mercado, mídia e Justiça, cria quase um lema “homens, brancos, ricos, nascidos em família rica e acima de 45 anos, uni-vos”. A turma que sempre esteve no Poder quer continuar lá, sem dividi-lo com ninguém. Para isto, é fundamental que encontrem alguém cuja aparência seja capaz de enganar quem não faz parte deste seleto grupo com a ideia de ausência de conflitos sociais. Doria fracassou e Huck aparece como fantoche da vez. Uh, Tiazinha !

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

O uso político do medo do desemprego


“Pela manutenção da melhora nos dados de desemprego”. Um número significativo de deputados usou esta argumentação ao votar pelo arquivamento da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer. O mesmo Congresso que afastou Dilma por uma “corrupção” nunca provada, inocentou Temer, que foi flagrado em gravação conversando sobre propina com um dos donos da JBS. A mesma linha de argumentos costuma ser usada pelos defensores do atual governo em elogios das medidas por ele tomadas. Tudo é feito para “criar empregos”. A Reforma Trabalhista vai facilitar a criação de empregos. A Reforma da Previdência vai facilitar a criação de empregos. As mudanças na legislação do Trabalho Escravo vai facilitar a criação de empregos.
Pesquisa realizada no começo do ano mostra que o desemprego é o terceiro maior medo do brasileiro. Fica atrás da traição e da morte. À frente de corrupção e desigualdade. Nada historicamente é mais usado por movimentos de extrema-direita, em qualquer lugar do planeta, do que a manipulação do medo. Por isso, segurança e desemprego são as pautas básicas adotadas em telejornais da grande mídia e devem ser os assuntos mais abordados nas eleições do ano que vem.
O uso político do medo do desemprego e da violência são as armas que explicam as vitórias de Trump nos EUA e o avanço dos partidos neofascistas na Europa. Numa era de individualismo extremo, as pessoas só enxergam como graves aqueles problemas que acham que em algum momento as afetaram ou podem afetá-las. Boa parte dos americanos se mostrou favorável a um candidato que propunha deportação de imigrantes por um simples motivo, isto tornaria mais fácil conseguir um emprego. Não importa se uma família mexicana com crianças for expulsa dos EUA, desde que isto deixe as vagas de trabalho livres.
A grande mídia brasileira, seja ela na TV, na internet, nos rádios, nas revistas ou nos jornais, é formada por pessoas de elite ou de classe média de grandes cidades informando pessoas de elite ou de classe média de grandes cidades aquilo que estas pessoas de elite ou de classe média de grande cidades querem saber. Quem define o que é importante é um público normalmente fútil e egocêntrico que busca informações com as quais se identifique. É por isso que um atentado que mata dez pessoas em Paris é mais noticiado por esta imprensa e choca mais este público do que um atentado que mata mais de trezentos na Somália. Há uma identificação destes com Paris que não há com a Somália. É por isso que uma bala perdida no Leblon gera choro e passeata entre globais enquanto uma chacina no Vidigal tem bem menos repercussão. E também porque uma matança de crianças no sertão nordestino não gerou tanto assunto quanto matança semelhante ocorreu no Rio de Janeiro há alguns anos. São pessoas que também enxergam fome e miséria como algo distante e desemprego como algo próximo. “Miséria avança no governo Temer” é uma notícia que tem menos destaque do que “Queda no desemprego”.
Flávio Rocha é dono da Riachuelo, uma das empresas com mais acusações de uso de trabalho escravo no Brasil. Ao receber uma notificação do Ministério Público na semana passada, esbravejou e expôs a vida da juíza que ousou condená-lo, pedindo para que ela o “deixasse criar empregos em paz”. Logo foi apoiado pelo MBL, que divulgou dados pessoais da magistrada em redes sociais.
O individualismo nos fez uma sociedade de incapazes de enxergar algo além do nosso próprio umbigo. O pior problema que existe é aquele que nos atinge, por isso desemprego virou algo pior do que miséria. E por isso um governo autoritário se torna cada vez mais aceito. Mate-se a oposição e os bandidos, mas criem-se empregos. Afaste aqueles que atrapalham.
O empresariado está sabendo muito bem utilizar este momento. Conseguiram convencer boa parte da população que o seu maior objetivo é criar empregos e não obter lucros, sendo o estado de proteção social o seu grande inimigo neste nobre intento. A classe média tende a comprar os interesses da elite e aprova, em geral, todas estas medidas. O patrão que demite em dezembro, passa férias na Disney em janeiro e recebe bônus em março agradece.

Como fruto do individualismo, formou-se uma sociedade de pessoas vazias, que se reconhecem apenas como força de trabalho e que conseguem alguma felicidade apenas quando compram algo. Ser “trabalhador” é praticamente a única “qualidade” que muitas pessoas são capazes de enxergar em si mesmas. Não há nada por trás destes indivíduos que só se veem como algo comprado e vendido no mercado de trabalho. Não há para estes, afinal, xingamento maior do que “vagabundo”. As raízes dos avanços da extrema-direita no Brasil, nos EUA e na Europa são individualismo e consumismo. Trabalhar e pagar boleto. No fundo é isto que a sociedade medíocre quer. E é ela que no Brasil sustenta o governo Temer. Pela melhora na situação do desemprego. O resto não interessa.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Como o PSDB se tornou refém do atraso


Fundado por intelectuais de centro-esquerda descontentes com o PMDB durante o governo Sarney em 1988, o PSDB hoje quebra a cabeça para saber como conseguirá manter a extrema-direita em seu eleitorado, atraído pelas ideias reacionárias de Jair Bolsonaro. Ao invés de renegar este tipo de gente, quer continuar os atraindo. O objetivo deste texto é analisar como, num espaço de 30 anos, um partido de intelectuais de ideologia social-democrata se tornou dependente de um eleitorado boçal e odioso, identificado com o MBL.
O PSDB nacional é basicamente o PSDB paulista. É a cúpula paulista do partido que basicamente decide os rumos que o partido tomará nacionalmente. Não à toa, nas sete eleições presidenciais disputadas desde a redemocratização, em seis o candidato havia feito a carreira em SP (Covas em 1989, FHC em 1994 e 1998, Serra em 2002 e 2010 e Alckmin em 2006. A exceção é Aécio Neves em 2014). À época, a política paulistana era basicamente polarizada entre PT à esquerda e Maluf e Jânio à direita, com PSDB e PMDB como opções de centro, um mais à esquerda e outro mais à direita. A direita paulistana sempre se identificou mais com pessoas do que com partidos, desde a época de Adhemar de Barros. Naquele momento, Maluf representava a direita “tocadora de obras”, enquanto Jânio representava a “direita fiscalizadora e dos bons costumes”. Com a saída de Jânio da política e sua morte em 1992, o eleitorado direitista de SP se uniu em Maluf e o levou à sua primeira, e única, vitória em eleição majoritária no mesmo ano. Disputando o segundo turno contra Eduardo Suplicy, Maluf venceu sem o apoio tucano, que ficou do lado petista neste embate. O mesmo ocorrera nas eleições presidenciais de 1989, quando o PSDB apoiou Lula contra Covas. É importante citar, aliás, que depois de Lula, Mario Covas era a pessoa mais odiada pelo eleitorado malufista e seu grande rival desde o período universitário.
A cisão entre PT e PSDB viria em 1994. Graças ao Plano Real, o PSDB, que chegara até a cogitar uma chapa com Lula nas eleições daquele ano, ganhou força nacionalmente e passou a rivalizar com o PT. Neste momento, a atração exercida pelo PSDB no eleitorado se dava por razões basicamente econômicas, com o sucesso do plano em combater aquela que era encarada como o grande problema do Brasil no momento, a inflação. Embora o PT já fosse em todo governo FHC o maior partido de oposição, sempre se aliava aos tucanos em SP no segundo turno contra o malufismo. Foi assim nas eleições municipais de 1996, em que o PSDB apoiou Luiza Erundina contra Celso Pitta, em 1998, quando o PT apoiou Mario Covas contra Maluf na disputa pelo governo de SP, e em 2000, quando o PSDB apoiou Marta Suplicy contra o mesmo Maluf na disputa municipal. A foto de Mario Covas saindo do hospital para votar em Marta e ganhando um beijo da petista, aliás, representa o último momento de amizade e união entre tucanos e petistas em SP.
Já em 1998, a popularidade de Paulo Maluf começou a cair em SP, devido a inúmeros escândalos de corrupção e principalmente devido ao fracasso da gestão Celso Pitta. Poucos políticos devem se arrepender tanto de uma frase quanto Maluf de “Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim”. Já era claro naquele momento que qualquer candidato que fosse para o segundo turno contra Maluf venceria, sempre com a união entre PT e PSDB. A partir das eleições estaduais de 2002, Maluf perdeu a força para chegar ao segundo turno e, pela primeira vez em SP, PT e PSDB passaram a rivalizar. O eleitorado malufista foi em massa para o PSDB. Covas já estava morto e Alckmin, seu sucessor, embora não representasse o ideal “tocador de obras” de Maluf, era uma opção mais aceitável para eles do que o PT.
A rivalidade PT e PSDB se acirrou na década de 2000 e o eleitorado de extrema-direita, inicialmente por pura rejeição a petistas e a Lula, aliou-se ao tucanato, uma vez que não possuía nenhum nome que a representasse. Nenhum estado rejeitou tanto a gestão Lula como SP e, durante um certo tempo, ser oposição a Lula bastava. Com o tempo, porém, o PSDB começou a se transformar para agradar este novo eleitorado. Pautas moralistas passaram a fazer parte dos programas tucanos. Alianças com evangélicos se tornaram comuns e aquelas pessoas que inicialmente estavam no PSDB apenas por rejeição ao PT começaram a mudar o partido. A sigla de intelectuais passou a ser representada por gente como Coronel Telhada, deputado estadual mais votado do partido em SP em 2010 e 2014.
A derrota em 2014 e o acirramento da polarização política fez com que o movimento de extrema-direita interno do PSDB explodisse. A juventude do partido buscou alianças com o MBL, uma milícia de tendências fascistas formada por jovens lunáticos metidos a empreendedores, o partido embarcou de cabeça na maluquice do impeachment, com seus deputados votando por “Deus e pela família” e Geraldo Alckmin inventou João Doria Jr para a cidade de São Paulo. Com Doria, o PSDB finalmente passou a ter um líder que se encaixa no perfil do eleitorado direitista paulistano, com um discurso janista de culto ao trabalho exagerado e lunático e a aprovação de um eleitorado que se identifica com isto. A sua história, aliás, mostra bem a transformação do partido. Entrou no partido apenas em 2001, apenas buscando uma oposição viável ao PT. Ganhou força com o tempo e agora domina.
Doria é o candidato do PSDB mais competitivo para a disputa do Planalto. E não é porque ele é o “novo” ou porque quer “vender tudo”. O motivo principal para Doria ser o tucano mais competitivo é que ele tem o perfil que mais agrada à extrema-direita e se houvesse alguma capacidade de reflexão dentro do ninho tucano as pessoas seriam capazes de enxergar o horror que isto representa. O outrora partido de intelectuais da social-democracia tornou-se dependente de gente que possui o ódio como grande forma de mobilização. Os eleitores de Bolsonaro adoram Doria pelo seu discurso vazio e seu antipetismo doente e obsessivo, não ligam muito para a total ineficiência do "gestor".

Ao inventar Doria, Alckmin criou um nome que hoje é mais forte do que o PSDB em SP. O eleitorado conservador paulistano sempre foi muito mais ligado a nomes do que a siglas e o discurso vazio de Doria se encaixa perfeitamente a estas pessoas. Assim como o prefeito, que provavelmente deixará o partido caso este não se curve a suas vontades, este eleitorado nunca teve identificação com a sigla e não pestanejará ao deixa-lo agora que possui duas opções que agradam mais suas “visões” políticas, Bolsonaro e Doria. Caberá agora ao PSDB decidir se quer perder e continuar existindo ou ganhar e ser dominado pelo reacionarismo do MBL. Os anos aceitando silenciosamente alianças com a extrema-direita para tentar chegar ao poder destruíram o partido original. O PSDB como oposição em nada contribuiu para algum avanço na qualidade do debate político no país, contentando-se em aliar a qualquer um que surgisse para tentar derrotar o PT. Em 1994, o PSDB tinha o apoio de Bresser-Pereira. Em 2014, tinha o apoio de Frota. O PSDB passou anos se contentando em ter o apoio dos medíocres. Agora, resta saber se aceitará ser comandado por estes.

domingo, 8 de outubro de 2017

O fim da gestão Doria


Nove meses após tomar posse, João Doria Jr. Se prepara para deixar a prefeitura de SP enquanto seus números de popularidade começam a cair. Em 31/03/18, Doria provavelmente fará aquilo que aparentemente já queria desde o primeiro dia de sua gestão: sair do cargo de prefeito para se candidatar a algo maior. Como um carreirista do setor privado. Caso consiga completar o chapéu em seu padrinho político Geraldo Alckmin, será candidato a presidente, para alegria dos rentistas do mercado financeiro e da extrema-direita representada pelo MBL. Caso não, sairá candidato a governador. A cidade já de São Paulo só tem a agradecer a saída precoce do prefeito, cuja gestão relâmpago foi um desastre quase que completo.
A eleição de Doria em 2016 foi um dos grandes símbolos dos efeitos que a histeria antipetista teve sobre a sociedade paulistana. Num momento de rejeição completa a qualquer coisa apresentada pelo PT, seja boa ou ruim, Doria se lançou como candidato a prefeitura sem se dar ao trabalho de ter sequer um projeto de governo minimamente consistente. Suas promessas eram basicamente o projeto Corujão da Saúde, a privatização de tudo que fosse possível, que na campanha incluía inclusive uma esdrúxula ideia de privatizar faixas de ônibus e ciclovias, e criticar o PT sempre que foi possível. Não havia desde a campanha nenhuma proposta para mobilidade urbana, moradia, educação, saneamento etc. Para uma sociedade cega de ódio pelo PT, porém, a criação do personagem “João trabalhador” e os xingamentos repetidos a Lula foram suficientes para garantir uma vitória esmagadora.
O investimento maciço em marketing e o uso obsessivo das redes sociais foram duas das características mais marcantes da quase ultrapassada gestão. Isto ficou claro já no início da administração, com o lançamento da operação Cidade Linda. Fantasiando-se de gari, a tática do prefeito para se destacar já era clara. Doria começa seus vídeos falando qual o plano mirabolante da vez, apresentando números falsos para justificar um sucesso inexistente, agradecendo a algum amigo empresário por ter doado algo “sem querer nada em troca” e terminava chamando Lula de safado ou vagabundo, para delírio da extrema-direita. Imitando seu colega americano de Aprendiz, Donald Trump, buscou o choque com a imprensa toda vez que esta apresentava contestações a seus números falsos, primeiro expondo ele mesmo jornalistas que faziam tal ousadia, depois usando seu braço-direito do MBL para realizar o trabalho sujo, investigando a vida pessoal destes profissionais  e acusando-os quase sempre de serem de “extrema-esquerda”. Não há como negar que neste ponto Doria provou que realmente trouxe métodos do setor privado para o setor público, onde críticas a gestores não costumam ser bem aceitas.
Os números do Programa Cidade Linda mostram que a cidade está mais suja e mais mal cuidada hoje do que em 2016. As filas para exames voltaram praticamente ao mesmo patamar de um ano após o fim do Corujão da Saúde. O número de mortos no trânsito subiu após o absurdo aumento de velocidade nas Marginais. O trânsito piorou. Empresários que doam para a prefeitura “sem esperar nada em troca” têm sido repetidamente beneficiados por contratos sem licitações. Acusações de que vendas de patrimônios públicos já tem vencedores decididos antes de acontecer se repetem. O principal evento cultural da cidade, a Virada Cultural, foi destruído. O premiado Plano Diretor apresentado pela gestão anterior vem aos poucos sendo substituído por um plano desenvolvido pelos amigos do setor imobiliário do prefeito, visando estimular a especulação imobiliária. Ciclovias foram desativadas.vA distribuição de merendas nas escolas foi diminuída. A tática de Doria para lidar com o resultado ruim é quase sempre a mesma. Contestação dos fatos, apresentação de uma versão alternativa e confronto com a pessoa que apresenta os números reais. Quase nunca há autocrítica. Dentre as versões alternativas apresentadas pelo prefeito, destaca-se a meu ver aquela em que ele disse que a diminuição na distribuição de merendas era uma tentativa de diminuir a obesidade infantil e aquela em que ele diz que o aumento do número de mortes na Marginal não é fruto do aumento de velocidade, e sim da recuperação econômica.
A frase mais icônica desta gestão foi, a meu ver, aquela em que ele disse que não ligava para a opinião de “istas”, citando petistas, ciclistas, ativistas e jornalistas. Podia ter citado também especialistas, que quase sempre discordam dos planos mirabolantes do gestor. Basta ver como exemplo a opinião contrária quase unânime de quem entende de urbanismo sobre as mudanças no Plano Diretor ou de quem entende de arte urbana sobre a retirada dos grafites na Avenida 23 de maio.
Incentivado por setores do mercado, animado com seu discurso pró-privatizações, e pela ala jovem da extrema-direita do MBL, Doria passou boa parte do seu mandato viajando, seja tentando vender o patrimônio público para empresas estrangeiras, seja passeando pelo país para tornar-se conhecido fora de SP. Neste momento está em Belém para um evento religioso. Diz que pode governar a cidade estando longe, uma vez que pode dar ordens a seus secretários usando o celular. Essa é a visão que o gestor que se apresentou como moderno tem de gestão, ele dando ordens de longe. A principal consequência disso até o momento é a implosão do PSDB, cada vez mais rachado pela figura pitoresca do prefeito. Alberto Goldman, vice-presidente do partido, foi chamado de fracassado pelo prefeito ao dizer que sua gestão não começou.

São Paulo só tem a agradecer o prefeito pelo fato dele querer sair logo da prefeitura. Bruno Covas, que assumirá em seu lugar, dificilmente conseguirá ser pior. A cidade, ao menos, voltará a ter um prefeito. A ideia de Doria ser presidente assusta, claro. Imagine o que seria alguém com a proximidade que ele tem com o MBL chegando ao poder. O que seria o Ministério da Educação nessa hipotética gestão, por exemplo. São Paulo tentará levar ao restante do país o grande símbolo de sua histeria. Mas não vamos sofrer por antecipação. Daqui um pouco menos de seis meses Doria abandona o cargo que claramente nunca quis. Até janeiro de 2018 não terá cargo público. Numa era de retrocessos, qualquer pequeno alívio já deve ser comemorado.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O papel de Moro e da Lava Jato no avanço do autoritarismo


Um general defende publicamente uma possível intervenção militar. Pesquisa indica que mais de quarenta por cento dos jovens também a defendem. O jornal O Estado de São Paulo diz que esta intervenção poderia ser boa “dependendo do cenário”. Aquelas pessoas que estavam nas passeatas de 2015 com faixas pedindo “Intervenção Militar Já” parecem, afinal, não serem tão minoria quanto a grande mídia adorava alardear no período. O MBL, movimento que liderou aquelas passeatas midiáticas, passou a perseguir jornalistas e exposições de arte. Bolsonaro já tem 20% das opções de voto e lidera entre os mais ricos. O objetivo deste texto é refletir sobre o papel que a Operação Lava Jato no avanço desta onda autoritária no país.
Todo grande regime autoritário surge em momentos de “limpeza”. A rejeição à corrupção faz com que sociedades de “pessoas de bem” aceitem qualquer coisa para combatê-la. Ou ao menos a usem como justificativa para se livrar daqueles que consideram indesejados. Em nome do que diz ser a lei e a moral, o juiz Sérgio Moro e o restante da Operação fazem coisas ilegais e moralmente questionáveis, para dizer pouco. Abaixo alguns exemplos:
- Pessoas estão há mais de dois anos em prisão preventiva sendo chantageadas para delatar o que o juiz deseja ouvir;
 - Delações são tornadas públicas antes de investigadas;
- Conduções coercitivas são realizadas sem que tenha havido tentativa de intimação;
- Estas conduções e prisões são transformadas em espetáculos midiáticos;
- Condenações acontecem sem provas;
- O juiz age como acusador, quase unido à promotoria;
- O juiz exige que as provas sejam apresentadas pela defesa, invertendo a lógica de que é a acusação que deve apresenta-las e não o inverso;
- O juiz grampeia e divulga uma conversa telefônica de uma presidenta, algo explicitamente proibido pela Constituição.
Moro e os procuradores da Lava Jato se colocam acima da lei e não se sentem incomodados por isto. Nem eles nem a mídia que os bajulam. Moro praticamente nunca deu entrevistas a meios de comunicação nacionais. Não sente necessidade de explicar nada à sociedade. Quase todas as suas entrevistas foram dadas a órgãos estrangeiros, em que ele já disse que foi influenciado por heróis de quadrinhos. As únicas vezes em que conversou com órgãos nacionais foi para receber prêmios, na maioria das vezes inventados por revistas ou associações que basicamente querem bajula-lo. Um destes prêmios foi o da Revista IstoÉ, que o premiou como “juiz do ano”, na primeira e provavelmente única edição desta premiação. Esta revista foi a mesma que antecipou sua edição e bateu recordes quando vazou a delação de Delcídio Amaral, uma semana antes da passeata dos patos verde-amarelos. Aquelas em que as pessoas que pediam intervenção eram “minoria”. Dois anos depois, esta delação foi anulada porque o delator não conseguiu provar praticamente nada que havia delatado. O estrago já estava feito.
Nada é mais perigoso para uma sociedade democrática do que juízes e outros membros do Poder Judiciário que se consideram acima da lei. Um crime cometido por aquele que julga é mais grave do que aquele cometido pelo julgado. Todas as infrações cometidas pela Lava Jato são mais graves, inclusive, do que a corrupção que julgam. Uma das principais influências da Operação no avanço do autoritarismo no país é a legitimação do senso de que pode se passar por cima da lei para derrotar algo “maior”.
Outra influência marcante é a ideia de que justiça necessariamente significa punição. Moro raramente absolve. Quase todas as absolvições da Operação vieram na segunda instância, por falta de provas. Praticamente não há questionamentos a Moro do porquê ele ter condenado alguém sem provas, há sim descontentamento da sociedade com os juízes que absolvem, que estariam sendo “permissivos com a corrupção”.
Daltan Dallagnol, talvez o mais famoso e midiático dos procuradores da Operação, autor do já lendário Power Point, criou e divulgou dez medidas contra a corrupção. Entre elas, estão a praticamente extinção do habeas corpus e o quase fim de qualquer obstáculo à prisão preventiva. Coisas típicas de uma sociedade autoritária. Quase não houve questionamentos a ele sobre isto.
A Lava Jato virou filme antes mesmo da Operação acabar. Financiado por “patrocinadores ocultos”, o filme teve acesso a filmagens de prisões e conduções. Quase ninguém achou isto estranho. Moro foi à pré-estreia, onde foi tratado como herói. Seus fãs o consideram acima da lei. Quase todo fã de Bolsonaro é fã de Moro. Enxergam nos dois a capacidade de sobreposição a leis que “protegem bandidos”.

Moro nada faz para negar o personagem que lhe foi criado pela mídia. Pelo contrário, parece gostar de ser um herói como os que ele citou de quadrinhos. O juiz que não cumpre a lei e é amado por isso. Todo autoritarismo começa assim. O juiz dá indícios de estar cansado e querer sair da Lava Jato. Sairá provavelmente ovacionado por bolsonetes, mídia e MBL. Como dito anteriormente, o estrago já foi feito.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A Aliança Doria-MBL e ascensão da extrema-direita no Brasil

A ascensão da AfD na Alemanha foi um dos assuntos da semana nos noticiários políticos brasileiros. Com uma retórica xenófoba, a extrema direita obteve o terceiro lugar nas eleições alemãs e chocou a quase totalidade dos analistas políticos brasileiros. A reação destes analistas à ascensão da extrema direita nos países de primeiro mundo, porém, não se repete quando estes mesmos analistas discutem o cenário brasileiro. 
Todas as características encontradas no discurso político de Trump, Le Pen ou AfD são encontradas no discurso do MBL. A origem deste movimento no Brasil, aliás, é semelhante à origem da AfD na Alemanha. Empresários e jovens conservadores defendendo inicialmente ideias liberais economicamente, mas que com o tempo perderam a vergonha de demonstrar ideias reacionárias quanto a direitos civis e sociais.
Com o intuito de derrubar Dilma Rousseff, parte da grande mídia alimentou e deu força ao MBL, grupo que há tempos age como uma milícia fascista. Eles se infiltram em manifestações de grupos contrários com o objetivo de causar confusões. Defendem que o Brasil deixe de aceitar imigrantes de países muçulmanos com base exclusivamente em preconceito religioso e numa paranoia terrorista. Perseguem jornalistas e celebridades que ousam criticá-los, basta ver a guerra virtual que realizaram contra Ricardo Boechat e Monica Waldvogel nesta semana. Visitam escolas com o objetivo de censurar e pressionar professores, dentro de seu ambiente de trabalho. Defenderam o juiz que liberou psicólogos a tratarem a "cura gay", com o argumento de que ninguém entendeu, só eles, esta liberação. Lideram cruzadas contra exposições de arte. Comandam dois dos sites responsáveis por boa parte da divulgação de notícias falsas na internet, o Jornal Livre e o Reacionario. O mais preocupante, porém, é a forma como este grupo formado basicamente por jovens arrogantes e lunáticos tem se aproximado do poder, especialmente graças ao prefeito de SP, João Doria Jr.
O MBL tem funcionado como espécie de "braço direito virtual" de Doria, realizando todo tipo de trabalho sujo para esta gestão. É o MBL, por exemplo, que tem feito boa parte da perseguição a jornalistas que criticam a gestão paulistana, invadindo os perfis destes e expondo suas vidas pessoais, tentando sempre desqualificar o autor da notícia e não a notícia em si, quase sempre com um argumento paranoico anticomunista.
Pessoas do MBL já fazem parte da gestão Doria diretamente. Paulo Mathias, prefeito regional da sub-prefeitura de Pinheiros, é membro do grupo. Cauê del Valle, editor do site Reacionário, foi contratado por esta mesma sub-prefeitura. MBL e Juventude Tucana já anunciaram uma possível união de forças para as eleições de 2018, o que completa a bizarra guinada do outrora partido social-democrata rumo à extrema direita.
O quase silêncio midiático sobre a ascensão deste grupo através de Doria é a demonstração da hipocrisia de boa parte da grande mídia brasileira. O mesmo choque que possuem na análise da conjuntura internacional não demonstram na cobertura nacional. Doria e Bolsonaro não são tão diferentes, com a diferença de que o segundo é mais caricato. Todo bolsonete adora a gestão do prefeito de SP, pois enxerga nele três características que adoram no seu líder, antipetismo paranoico, patriotismo fajuto e autoritarismo. Nenhum questionamento é feito ao prefeito em relação à sua proximidade com algo tão assustador como o MBL.
A aliança Doria-MBL virá com força em 2018. É bem provável que a mídia não mude sua postura até lá, em nome dos interesses do mercado. O triste papel da grande mídia em nossa história, dessa forma, repete-se.



quarta-feira, 19 de abril de 2017

A humilhação de Soninha e as mentiras de Doria


Duas coisas marcam, sem dúvida, este começo já não tão começo assim da gestão Doria. Considerando que ele claramente já está desesperado para virar governador ou presidente, esta gestão deve durar apenas até março de 2018. Já se cumpriu, portanto, um quarto desta gestão. Marketing e pós-verdade são as duas características principais que em pouco tempo transformou Doria num fenômeno nacional, com forte apoio midiático. Num primeiro momento, filma-se absolutamente tudo, usando as redes sociais como nunca antes um prefeito fez. Em seguida, divulgam-se dados que quase nunca representam a realidade dos fatos, apostando no fato de que um bom marketing é capaz de se sobrepor ao ultrapassado conceito de verdade.
Nesta semana, Doria chegou ao cúmulo de filmar uma demissão. Relembrando os tempos do Aprendiz, o prefeito registrou em câmera e divulgou nas redes sociais o desligamento de Soninha da Secretaria da Assistência Social. O vídeo é constrangedor. Nele é possível ver uma pessoa acuada e constrangida, ouvindo um gestor repetir um discurso feito que creio que todos que já passaram por um momento deste entendem. Doria tentou usar um momento de tristeza de uma agora ex-secretária para promoção pessoal, e num sintoma assustador do que acontece em nossa sociedade, foi elogiado por boa parte dos seus seguidores. Vejo pessoas que conheço que já passaram pelo que Soninha passou e que não conseguem sentir por ela nenhuma empatia, divertindo-se com a humilhação pública perpetrada pelo chefe que eles acham que os representam. 
Nunca que eu lembre um gestor público mentiu tanto na divulgação de dados em tão pouco tempo. Abaixo, alguns exemplos de mentiras contadas por Doria em sua gestão:

- Doria divulgou que, como prometido em campanha, zerou a fila de exames na saúde através do Corujão da Saúde. A verdade é que Doria zerou em abril as filas de 2016, as pessoas que passaram por exames em janeiro não haviam sido atendidas até o início do mês. Fora isto, mais de um quarto das pessoas que estavam na fila foram obrigadas a refazer a consulta e não fizeram os exames. Independente disto, houve uma queda grande na fila, mas a verdade aparentemente não foi suficiente para esta gestão;
- Doria prometeu durante a campanha que não aumentaria as passagens de ônibus em seu primeiro ano de gestão. Manteve os R$ 3,80, mas, junto com o governo do Estado, aumentou em valores bem acima da inflação os valores das tarifas diária e mensal, além dos valores de integração ônibus-metrô. Quando questionado sobre o assunto, diz que só prometeu manter os R$ 3,80;
- Doria transformou a limpeza pública em seu grande lema no início de gestão. Vestiu-se de gari e fez uma verdadeira festa cada vez que se varria uma grande avenida. Dados da própria prefeitura, porém, mostram que a varrição de ruas no primeiro trimestre de 2017 foi menor do que no mesmo período de 2016. Questionado sobre o assunto, o prefeito diz que por causa da crise econômica, a cidade está produzindo menos lixo;
- No começo de fevereiro, a prefeitura divulgou um dado que o número de acidentes na Marginal foi menor em janeiro de 2017 do que no mesmo período de 2016. Doria se apressou para mostrar que aqueles dados demonstravam que o aumento de velocidade na via, criticado por todos os especialistas no assunto, não havia causado impacto no número de acidentes. Não disse, claro, que a velocidade só foi alterada no dia 25/01, não se podendo analisar nada, portanto, no mês de janeiro;
- Os dados de fevereiro e março demonstram que houve um grande crescimento no número de acidentes nesta via após este aumento de velocidade. Crescimento de assustadores 180%. Doria diz que o que houve foi aumento no registro, decorrente do aumento no número de guardas na região. Como se anteriormente acidentes não fossem registrados. O número de atendimentos do Samu triplicaram na região. A explicação do prefeito é a mesma;
- Doria divulgou que a prefeitura recebeu mais de R$ 280 milhões em doações nestes quase quatro primeiros meses. Apenas 6% deste valor, porém, estão declarados oficialmente na prefeitura. Irritado com as críticas, o prefeito divulgou pelo Facebook (sempre lá) uma planilha com o que ele diz serem todas as doações. Há no relatório coisas bizarras, como uma série de móveis que possuem o mesmo preço, R$ 2.000,00. Abaixo uma foto do relatório que comprova isto;

- Doria reduziu em 53% o número de estudantes que recebem o Leve Leite, dizendo que a partir dos 7 anos já é baixa a necessidade do leite com complemento alimentar. Não consultou nenhum especialista ao afirmar isto;
- Doria fez sua tradicional festa para realizar, no final do primeiro mês de gestão, a doação do seu primeiro salário para uma entidade beneficente. O valor do salário é de R$ 17.948,00. Neste mesmo período, porém, a revista do grupo Lide teve um aumento de mais de 50% em sua publicidade, deixando de ser bimestral para ser mensal;
- Doria anunciou o início do processo de privatização do Autódromo de Interlagos, colocando o chefe da Fórmula 1 Bernie Ecclestone como um dos interessados na compra. Ecclestone já negou diversas vezes este interesse.

Estes são alguns dos exemplos de desapego de Doria com o conceito de verdade. Não há um anúncio feito por esta gestão que não tenha algum "segredo" escondido. Isto desde a eleição, em que o então candidato chegou a mentir sobre a própria biografia. Entre outras coisas, disse não ser político, mesmo já tendo presidido a Embratur. Numa era de forte polarização, Doria encontrou na rejeição ao PT e no fato de que quase ninguém presta atenção em nada os dois caminhos para se promover nacionalmente. Aproveita qualquer oportunidade, pública ou não, para ofender Lula e seus eleitores, para deleite dos membros da República de Curitiba. Divulga vídeos de tudo que faz ou diz fazer, aproveitando do fato de que quase nenhum dos seus seguidores "perderá tempo" para ler as matérias com as contradições do que foi dito nos dias seguintes. Uma notícia na era das redes sociais dura pouco, um dia na maioria das vezes. Quando pintam matérias apontando as inconsistências dos dados divulgados por Doria, a notícia já é antiga e o prefeito já colheu os frutos. Este é João Doria Jr., o gestor que o empresariado nacional quer na presidência. Para isto, é fundamental que haja uma inversão de valores, que a maioria que trabalhe como funcionária se identifique com os valores do patrão. O deleite de muitos com a demissão de Soninha mostra que está dando certo. Numa época de crise e aumento do desemprego, cresce a popularidade de um político que se popularizou por demitir. Tempos difíceis nos aguardam.

domingo, 16 de abril de 2017

Chegou a hora, macaquinha querida !


Antes de começar este texto, quero deixar bem claro que é sem dúvida o texto menos racional que já escrevi na minha vida. Não há espaço para razão quando o assunto é Ponte Preta. Se você não suporta textos emotivos e exagerados, pare por aqui.
Eu sabia muito pouco sobre a Ponte Preta quando comecei a me interessar pelo time. Foi num jogo contra o Cruzeiro em 1999, pelo Campeonato Brasileiro. Por algum motivo besta, sempre gostei muito de jogos em estádios em que a câmera treme quando sai um gol. Naquela época, isto acontecia com dois times, com a Ponte e com o Paysandu. Cada gol parecia um terremoto transmitido ao vivo. A Ponte, que disputava uma vaga no G8 para as quartas de final (saudade do mata-mata) perdia o tal jogo por 2x0. Fez dois gols em dois minutos, acho que aos 36 e aos 37 do segundo tempo, causando uma hecatombe no estádio. Lembro que rolou até da galera colocar fogo no estádio. O meu jogador favorito daquele time era o Régis Pitbull. Famoso depois por uma passagem desastrosa pelo Corinthians, em que fez uns 10 jogos sem marcar nenhum gol, eu cheguei a afirmar para um amigo meu que Régis era o melhor jogador do mundo naquela época. Eu gostava do estilo dele. Ele basicamente pegava a bola, olhava pro chão e saia em linha reta. Chegando na linha de fundo, chutava a bola pro meio da área, na maioria das vezes sem encontrar ninguém. Eu achava divertido. Umas duas semanas depois do jogo contra o Cruzeiro, a Ponte enfrentaria o São Paulo no Morumbi. Por algum motivo que hoje não lembro, a diretoria do São Paulo colocou o ingresso desse jogo a R$ 1,00 a arquibancada. Não lembro se o time estava ruim ou se tinha alguma coisa a ver com o rolo do Sandro Hiroshi. Só sei que um amigo meu são paulino me arrumou um ingresso para este jogo na torcida da Ponte e eu armei um esquema para ir. Era uma quinta-feira às 19:30. Eu nunca havia ido a um jogo sozinho e armei um esquema louco para ir sem que minha mãe e minha irmã soubessem. Elas nunca me deixariam, aos 15 anos, ir a um jogo sozinho, ainda mais na torcida adversária. Inventei uma festinha no prédio de um amigo que elas conheciam e fiquei torcendo para que elas não achassem estranho uma festa de adolescentes numa quinta-feira. Deu certo e lembro que peguei o Jardim Colombo, que passava na Praça da República, junto à torcida do São Paulo para ir ao jogo. Dei umas voltas e consegui achar o setor da torcida da Ponte, sem falar com ninguém por medo. Entrei atrasado e no momento em que consegui ver o estádio, o ídolo Régis Pitbull entrava na cara de Rogério para fazer o gol, o jogo estava 0x0. Já entrei pulando, mas Régis perdeu o gol mais feito da história do universo. O jogo terminaria 1x0 para o São Paulo, mas me recordo daquele dia que, não faço ideia até hoje de como, um torcedor pontepretano conseguiu entrar com um macaco de verdade para ver o jogo. E o pior é que o macaco assistia ao jogo, colocando a mão na boca cada vez que a Ponte era ameaçada e aplaudindo cada vez que a Ponte ia para o ataque. A Ponte chegaria nas quartas daquele mesmo campeonato, enfrentando o mesmo São Paulo. No primeiro jogo, a Ponte abriu 2x0, mas o SP virou para 3x2 com três gols do Marcelinho Paraíba. Nunca xinguei tanto um jogador na vida. Na partida seguinte, a Ponte ganhou em Campinas por 2x1, com um gol do Adrianinho aos 45 do segundo tempo, gerando uma nova hecatombe com direito a câmera tremendo. A Ponte perderia o terceiro jogo em casa, mas aquela série de jogos me marcou.
A Ponte Preta foi o primeiro clube de futebol da história do Brasil, fundada em 1900. Sofrendo forte preconceito por sua origem popular, era chamada de "time dos macacos" pelos rivais, devido à grande quantidade de negros entre a sua torcida. Foi um dos primeiros times do Brasil a aceitar negros no seu plantel e com o tempo a torcida acabou adotando a macaca como mascote, enfrentando de forma corajosa o forte racismo da época. A Ponte sempre esteve do lado certo da história. Transformou o que era símbolo de racismo em símbolo de resistência. No final dos anos 1940, uma união da torcida conseguiu construir, praticamente em forma de mutirão, o estádio que até hoje usa, Moisés Lucarelli. São paulinos costumam ter orgulho de um estádio construído graças a um governador biônico da ditadura militar. Palmeirenses costumam ter orgulho de um estádio que mais parece uma casa de eventos e cujo nome é de uma seguradora. Corintianos se orgulham de um estádio construído com dinheiro que não se sabe de onde veio. Nenhum deles tem uma história que chega tão perto da beleza da história da construção do estádio da Ponte, construído com tijolos doados pela torcida, com a mão-de-obra da mesma.
A história da Ponte é gloriosa, linda, time guerreiro e que sempre apostou na inclusão. Falta, porém, um detalhe, o título. Por mais que isto seja pouco perto do que a Ponte representa em paixão e história, fica esta lacuna. Lembro-me de ter ido à final da Ponte contra o Lanus pela Copa Sulamericana e poucas vezes senti tanta emoção na vida. Era muita gente com brilho nos olhos. Aquele foi o jogo mais importante da história do clube e a diretoria não cobrou ingresso de sócios torcedores, inclusive pagando o ônibus que os levaria até o Pacaembu. Uma derrota especialmente dolorosa foi em 1977 para o Corinthians, num jogo que todo pontepretano sabe que teve mutreta. Quarenta anos depois, a Ponte provavelmente terá sua chance de revanche. Nenhuma torcida merece tanto. Os chamados "grandes" de São Paulo são arrogantes quanto ao Estadual, dizem não ligar. Para os pontepretanos, seria um dia inesquecível. A torcida da Ponte ama o time de forma incondicional, sem esperar nada em troca. Não há torcida mais linda no Brasil. Chegou a hora desta torcida viver o seu sonho. São 117 anos de espera. Algo me diz que a hora chegou !

Huck, Justus e a ascensão do egocentrismo vazio


"Chegou a hora da minha geração ocupar espaços de poder", disse o apresentador Luciano Huck em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 30/03/17. "Deixarei o Brasil se Lula voltar à presidência", disse o publicitário Roberto Justus em entrevista para um órgão de imprensa que não me recordo qual neste fim de semana. Os dois têm deixado implícito que almejam um dia, não se sabe quando, concorrer à presidência, ganhando com isto um pouco de mídia e de massagem de ego. Num período de total descrédito da classe política e de mediocrização do debate, é muito possível imaginar que algum dos dois tente dividir este espaço com o atual prefeito de São Paulo, João Doria Jr., que tem sabido ler e se apresentar como opção aos medíocres como ninguém.
Na entrevista de Huck à Folha, há apenas um momento em que ele use a primeira pessoa do plural. Toda vez em que ele propõe alguma "solução" ou "ideia", o uso dos pronomes é na primeira pessoal do singular. "Tenho", "sou", "quero". Toda vez que ele aponta problemas, usa terceira pessoal. Resumindo, ele se enxerga como a solução para problemas que os outros criaram. Não há também nada que remeta a algum tipo de projeto de desenvolvimento nacional, apenas um egocentrismo querendo ser bajulado. O tempo inteiro o foco é ele e sobre como ele pode ser a solução de tudo.
Vindo de família rica, Luciano Huck era desconhecido para o grande público quando começou a apresentar o programa H na Bandeirantes. Começou a ter sucesso com a criação de personagens femininos submissos, que ficavam seminuas no palco aos gritos fetichistas de adolescentes punheteiros. A exploração de mulheres como objetos levou Huck à fama e, muito bem relacionado, chegou à Globo, mesmo sem ter tanta audiência na Band. Na nova emissora, trocou o fetiche sexual pelo assistencialismo, em quadros em que ajuda pessoas tendo sempre como foco não a pessoa que foi ajudada, mas a "superioridade" dele no papel de provedor. Algo como a patrão bonzinho que dá roupa que não quer mais para a empregada. Como todo rico fã de meritocracia, nesses quadros é sempre necessário que o pobre faça algo para "merecer" a bondade do milionário, seja aprender a dançar algo, a fazer embaixadinhas ou simplesmente ficar um tempo fazendo um malabarismo qualquer. "Não temos que dar o peixe, e sim ensinar a pescar" é o lema de 10 em cada 10 jovens ricos de direita que fizeram intercâmbio na adolescência e começaram a trabalhar depois dos 20. Ao final do quadro, o momento principal, em que Huck recebe os agradecimentos da pessoa ajudada, faz cara de foda, agradece a chance de ajudar e corre para fazer a propaganda de alguma bugiganga.
Roberto Justus também já nasceu rico e aumentou sua fortuna fazendo propaganda de bugigangas. Seu pai foi um dos construtores de Brasília. Trabalhou com papai até os 25 anos, quando resolveu usar o dinheiro dele para abrir uma agência de publicidade. Deu certo. Em algum momento, porém, o dinheiro não lhe bastou mais, começando a busca pela fama. Inicialmente isto se deu com relacionamentos com mulheres famosas, sempre loiras e jovens, lá em meados dos anos 1990. As capas de revistas de celebridades, em que ele sempre aparecia ostentando bens materiais e mulheres, deram certo e nos anos 2000 ele foi convidado para apresentar a versão brasileira do Aprendiz de Donald Trump. Neste programa, uma dinâmica de grupos gigante, jovens se matavam em gincanas empresarias, tendo sempre Justus como juiz supremo, aquele que faria tudo diferente e certo. Estes jovens passavam o tempo todo tendo que massagear o ego do apresentador, sempre impassível e gerando o deleite do público a cada demissão. Em um dado momento, Justus saiu do programa e em seu lugar entrou João Doria Jr. Já sabemos no que isto deu.
Ao dizer que deixará o Brasil caso Lula seja eleito novamente, Justus chega ao ápice do egocentrismo. Ele acredita que sua presença no país é um prêmio à nação e que, caso se faça aquilo que ele não quer, este país deixa de merecer a presença de alguém tão foda quanto ele. Age como uma criança mimada. É um exemplo clássico da ausência de senso democrático da nossa elite, disposta a tudo para "corrigir" o que considera erros cometidos pela maioria. Foi a justificativa para o golpe de 1964, foi a justificativa para o impeachment tosco de 2016. "Não importa se foi ou não golpe", disse Luciano Huck na entrevista citada no início do texto. Não há senso ético no egocentrismo. Certo e errado é definido apenas por vontades individuais.
Mídia, esporte e religião. A crise política levará, muito possivelmente, a ascensão de pessoas destes três meios. Nas eleições municipais de 2016, os três vencedores nas três maiores cidades do Brasil foram um apresentador de reality show, um bispo evangélico e um ex-presidente de clube. Os três sem absolutamente nenhum projeto de longo prazo para o desenvolvimento urbano de suas cidades. Como dito no início, o sucesso deste tipo de figura grotesca é fruto do descrédito da classe política e da mediocridade. O público quer uma solução fácil e o egocentrismo de figuras como Huck e Justus entregam o que este público quer ouvir. Com eles ou com alguém semelhante a eles ocupando este espaço, a eleição de 2018 tem tudo para ser uma grande gincana.