quinta-feira, 20 de março de 2014

A Banalidade do Mal e o invidualismo





                Em 1960, o carrasco nazista Adolf Eichmann foi capturado por forças israelenses em Buenos Aires e levado secretamente para ser julgado por seus crimes de guerra em Jerusalém. Dois anos depois, num julgamento – espetáculo, seria condenado à morte e menos de um ano depois a filosofa alemã e judia Hannah Arendt lançaria um dos mais importantes ensaios sobre o Holocausto, Eichmann em Jerusalém.
                No livro, ela surpreende ao apresentar o monstro nazista como um cidadão comum, incapaz de refletir sobre seus atos. Alguém que simplesmente cumpria suas ordens, um burocrata incapaz de discernir sobre o que é certo e o que é errado. Mais do que isso, ela nos faz pensar como a maioria das pessoas que conhecemos agiria da mesma forma que Eichmann, como somos treinados a aceitar o argumento “alguém me mandou fazer” como sendo algo superior a qualquer tipo de moral que tenhamos. A isso ela chama de Banalidade do Mal, à incapacidade do cidadão comum de refletir sobre o que está fazendo.
            Esta banalidade, a meu ver, anda lado a lado com o aumento do individualismo em nossa sociedade. As pessoas se tornam progressivamente incapazes de enxergar a existência do outro, sendo também incapazes de sentir aquilo que não as impacta diretamente. Certo e errado são termos que são simplesmente adequados às necessidades de satisfação individual, por mais bocós que estas sejam. “Pagar as contas”, “ter uma grana” ou simplesmente consumir algo se tornaram os principais e quase que exclusivos motores de quase todos, que são estimuladas a passar por cima de quaisquer obstáculos para cumprir estas duas metas.
                Numa sociedade tomada por estes dois conceitos, poder e riqueza são as duas coisas mais desejadas. Somos todos manipulados com o sonho de um dia chegar no ápice. Para isto, nada é mais importante do que o exemplo de quem conseguiu. Para cada Neymar existem 1.000 que não deram certo, mas apenas o "sucesso" é comentado. Este topo não é medido pela sua importância para a sociedade, mas pela quantidade de dinheiro e subalternos acumulados. Quem atinge este auge é invejado e vira formador de opinião. Não à toa as revistas brasileiras trazem muito mais vezes na capa o Roberto Justus do que, sei lá, os médicos da alegria. Experiências de vida e solidariedade não interessam...
                Vejo meu facebook e noto o número de palestras de autoajuda que são postadas. Todas elas se baseiam em estímulo ao ego. Você pode ser melhor, você vai conseguir, se você lutar você conseguirá. Quase nenhuma se baseia em qualquer tipo de conquista coletiva. Não conseguimos ter noção de como somos ainda mais supérfluos nos empolgando com este tipo de coisa.
                Muito se discutirá neste ano eleitoral sobre como nossos políticos são ruins, sobre como eles não valorizam o que há de melhor no povo brasileiro. Eu acho o contrário, eles são a cara dos eleitores que os colocaram lá, invidualistas e malvados. Nada mais justo do que pessoas que têm TV a cabo ilegal, compram carteiras de motorista, estacionem em local proibido e passam por cima de colegas de trabalho sejam representadas por políticos corruptos. O maior problema não são eles... Somos nós. Os Eichamanns.

sexta-feira, 14 de março de 2014

DIGNIDADE E RESPEITO JÁ! PARA OS GRINGOS...


 
Agora a digníssima Comissão de Direitos Humanos da Câmara solicitou ao CONAR que determine a retirada da nova propaganda do Guaraná Antártica do ar. Na propaganda o nosso camisa 10, Neymar, ensina os gringos a pedirem guaraná aqui no Brasil. É meio impossível, mas se você nunca viu a propaganda, fique a vontade:
GUARANÁ ANTARTICA - NEYMAR E OS GRINGOS

Imagino que o nosso querido deputado Marcos Rogério (PDT-RO), autor do requerimento, deveria estar juntamente com os seus amiguinhos assistindo TV em Brasília e enxergou “bullying contra estrangeiros” no comercial. Provavelmente após terminar de assistir o TV FAMA, o deputado, no auge de sua contribuição com o país, a sociedade e a cidadania, decidiu requerer a retirada da peça publicitária do ar.
Uma tremenda de uma babaquice enxergar que a propaganda incentiva bullying. Se esse magnífico deputado levar esse pensamento adiante não teremos mais em nosso país a exibição de novelas, filmes, séries... Meu Deus, coitado do Tarantino e a sua alusão ao homicídio e uso de drogas. Eu mesmo assisti Pulp Fiction e tive uma vontade louca de sair por aí cheirando cocaína e matando pessoas por dinheiro. Querido Marcos, vá à merda.

Eu tenho uma boa lista de bullying contra estrangeiros que serão praticados aqui no Brasil durante a Copa. Ver a copa na Arena Amazônia é um puta bullying. Pagar diária de Champs-Élysées em Belo Horizonte é muito bullying. Cuiabá é bullying. Aeroporto de Guarulhos é bullyng. Aeroporto de Brasília é bullying. Aeroporto no Brasil é bullying. Radial Leste é bullying. Taxi é bullying. Arrastão é bullying.

Hoje, como disse Danilo Gentilli, restam 3 meses para a Copa e 8 meses para os estádios ficarem prontos. O nosso país tupiniquim teve 7 anos, fucking seven years, para se preparar para a Copa e o estádio de Curitiba está assim:
 
Nem imagino como estará a infraestrutura tecnológica desses estádios. Será um grande bullying com a imprensa internacional.

Marquinhos Rogério, vá arrumar o que fazer. Vá se preocupar com os reais problemas humanitários do nosso país. Marquinhos diz que a propaganda fere o princípio da dignidade humana, mas o que fere este princípio constitucional é o governo gastar 8 bilhões de reais em estádios e ainda construir elefantes brancos em Brasília, Cuiabá e Manaus. Enquanto isso o povo sofre sem saúde, educação, transporte, saneamento, água e comida.
Essa Comissão de Direitos Humanos da Câmara já deu o que tinha que dar. É mais problema que solução. Um homofóbico na liderança e agora um bando de desocupados preocupados com o bullying contra estrangeiros, enquanto o bullying nacional come solto há 514 anos.

Os outros deputados que assinaram o requerimento são: Erika Kokay (PT-DF), Janete Pietá (PT-SP), Domingos Dutra (SDD-MA), Nilmário Miranda (PT-MG) e, para a tristeza que quem acredita em bom político, Jean Wyllys (Psol-RJ). Não que o Jean seja ou tenha se tornado um mau político, mas deu uma escorregada nessa aí. Legal é ver toda a turminha do PT né? Inclusive o Domingos Dutra, que era do PT até 2013. Essa relação PT, direitos, poder, liberdade e censura é muito complicada para mim.
O Brasil quer muito mais do que pode. Um país que deu errado não pode querer Copa, Olimpíada, cadeira no Conselho de Segurança da ONU. Primeiro cuide dos nossos, depois pense nos outros.

A cagada mais importante do séc. XX





                Quando Günter Schabowski, o homem da foto, saiu para trabalhar em 09/11/1989, ele não tinha a menor ideia de que entraria para a história naquele dia. Ele era um funcionário público normal na Alemanha Oriental, daqueles que cumprem ordens e não refletem muito sobre o que estão fazendo. Sair de casa, fazer o que mandam e voltar pra casa, essa era sua rotina.
                Os dias estavam tensos na Alemanha comunista naquele período. A onda de transformações nos países comunistas já havia atingido muitos países vizinhos e chegava a terras alemãs. Alguns meses antes, a Tchecoslováquia havia aberto suas fronteiras com a Áustria. Com isso, alemães orientais podiam, através do território tcheco, entrar na Áustria, para em seguida pedir asilo na Alemanha Ocidental. Isto fez com que milhares de alemães orientais pudessem fugir para a Alemanha capitalista sem o risco de tomar tiro pulando o muro de Berlim. Não à toa, ninguém tentou essa travessia depois da liberação tcheca. Mesmo assim, o muro da vergonha ainda estava lá. Além disso, uma onda de protestos atingiu a cidade de Leipzig em outubro, durante as festas de 40 anos do país (uma espécie de baile de despedida dos líderes comunistas europeus). Erich Honecker, líder mais inflexível dos 40 anos da República Democrática da Alemanha, foi deposto no mesmo mês de outubro e, 5 dias antes da cagada de Schabowski, uma grande passeata tomou conta da Alexanderplatz, principal praça de Berlim Oriental, com o objetivo de pedir democracia e liberdade de imprensa.
                O cagão da história, embora tenha participado do protesto da Alexanderplatz, estava alheio a tudo que estava ocorrendo. Assessor de imprensa e porta-voz do governo comunista, Schabowski fez o discurso mais vaiado do dia ao pedir, numa manifestação anti-comunista, que as pessoas se unissem aos camaradas soviéticos. No fatídico 09/11, a ordem dada a Schabowski era que ele desse uma declaração em nome do governo com o intuito básico de enrolar. Ele deveria dizer que um dia a Alemanha Oriental abriria suas fronteiras com a Alemanha vizinha, sem nenhuma menção a quando isto poderia acontecer. Perguntas estavam terminantemente proibidas.
                Schabowski chegou, sentou-se e começou a ler uma carta, em tom claramente cansado e desanimado, para jornalistas desinteressados. Chegou à parte em que disse que o governo iria abrir suas fronteiras com a outra Alemanha e um dos poucos jornalistas atentos, desobedecendo ordens pré-estabelecidas, perguntou: “Quando?”. Günter, sem ter a menor ideia do que responder e meio relapso, disse as primeiras palavras que vieram em sua mente: “acho que imediatamente”. Todos os jornalistas que estavam quase dormindo pularam de suas cadeiras e o autor da pergunta a repetiu. A resposta foi a mesma, com Schabowski claramente não tendo ideia das consequências do que estava fazendo. A declaração deveria ser tão burocrática e desimportante, que nenhum membro do alto escalão do Partido Comunista a estava assistindo e ninguém apareceu para desautorizá-la quando os burburinhos tomaram conta de Berlim Oriental. Schabowski terminou sua declaração, colocou o papel numa mala e foi para casa. Ao mesmo tempo, milhares de berlinenses dos dois lados partiam em direção à fronteira que aparentemente deixava de existir, o muro.
                Quando a notícia do erro de Schabowski chegou à cúpula do governo, milhares de pessoas já se amontoavam na frente do muro, gritando palavras de ordem, numa situação pré-tragédia. A ordem aos guardas de fronteira era atirar em qualquer pessoa que quisesse atravessar, mas como fazer isso em milhares de pessoas? Se não bastasse, o pessoal de trás começava a empurrar quem estava na frente, iniciando um processo que poderia terminar com um número gigantesco de mortos. É aí que aparece o maior ato heroico do dia. Os guardas de uma das portas do muro, vendo o que poderia acontecer, resolvem desobedecer ordens e simplesmente abrem a fronteira, deixando as milhares de pessoas passarem. E assim caía o Muro de Berlim. Onze meses depois, contra a vontade de Inglaterra e França, a Alemanha estava reunificada.
                Após isto, Schabowski ainda tentou, sem sucesso, faturar em cima da sua burrada. Concorreu, sem sucesso, ao cargo de deputado da nova Alemanha. Vive hoje num certo ostracismo, sendo lembrado a cada aniversário da queda do muro para alguma entrevista. Os eventos de 09/11/1989 completarão 25 anos em 2014, muito ouviremos nesta comemoração sobre a importância da ação dos políticos nesse período. Poucos lembrarão que estes mesmos políticos foram incapazes, durante 40 anos, de acabar com a divisão da Alemanha. Foram necessárias, porém, uma cagada de um funcionário público incompetente e preguiçoso e o heroísmo de guardas que colocaram vidas acima de ordens hierárquicas para que isso acontecesse.
                P.S.: Para quem é nerd como eu, dois vídeos que registram o momento. O primeiro  mostra o anúncio da NBC americana feito logo em seguida à declaração de Schabowski. O segundo mostra, entre 2:00 e 4:00, o exato instante em que os guardas abrem a primeira brecha no muro. Em 6:12, com medo do que pode ocorrer, eles abrem a fronteira de vez.


sexta-feira, 7 de março de 2014

A seleção mais legal dos anos 90






                Córdoba – Herrera – Perea – Mendoza – Pérez – Rincón – Gomez – Alvarez – Valderrama – Asprilla – Valencia. Quando o técnico Francisco Maturana escalou este time para enfrentar a Argentina em Buenos Aires pela última rodada das eliminatórias de 1993, dificilmente ele poderia esperar o que ocorreria nesta partida, e o que viria depois. A Argentina chegava àquele jogo como finalista das duas últimas copas, campeã em 1986 e vice em 1990 e havia passado 3 anos invicta, até a derrota por 2 x 1 para a mesma Colômbia no primeiro turno daquela mesma Eliminatória. Creio que todos sabem que aquele jogo terminou 5 x 0 para a Colômbia, com a torcida argentina aplaudindo os jogadores colombianos. Quando lembro deste time, adicionando 2 jogadores que não estavam nesta partida, o folclórico René Higuita e o mártir Andrés Escobar, tenho mais ou menos a sensação que pessoas 10 anos mais velhas do que eu têm quando lembram do Brasil de 1982.
                Esta equipe começou a ser formada nos anos 80 e seus resultados têm forte ligação com o boom da cocaína nos EUA no final dos anos 70 e 80. Foi daí que surgiu o dinheiro para que o narcotráfico investisse no futebol e formasse dois grandes times no país, o América de Cali e o Nacional de Medellin, cada um representando o cartel de drogas da cidade. Quase todos os jogadores da seleção de 1994 começaram nestes dois times e tinham forte relação de amizade com os traficantes dessas cidades. Fanáticos por futebol, eles investiam fortunas nas equipes, buscando reconhecimento e apoio da população local. E quando digo fortuna, falo de muito, mas muito dinheiro. Pablo Escobar, “dono” do Nacional de Medellin, era uma das 10 pessoas mais ricas do mundo nos anos 80.
Do ponto de vista clubístico, a ascensão colombiana começou já em meados dos anos 80, com o América de Cali sendo vice-campeão da Libertadores em 1985, 1986 e 1987 e com o Nacional sendo campeão deste mesmo torneio em 1989. Neste mesmo ano, a seleção conseguiu se classificar para a Copa do Mundo pela primeira vez desde 1962, arrancando em 1990 um empate heroico da futura campeã Alemanha, num golaço de Freddy Rincón. No jogo seguinte, contra Camarões, aparecia aquela que era, para mim, a mais importante e charmosa característica dessa geração colombiana: a irresponsabilidade. O goleiro René Higuita estava no meio de campo com a bola e tentou driblar o atacante camaronês Roger Milla, na prorrogação ! Isso mesmo, um goleiro tentando driblar um atacante numa prorrogação de jogo eliminatório em Copa do Mundo ! O gol dos africanos que se seguiu a essa jogada selou o fim da aventura colombiana naquela Copa, mas apenas o início do destaque no cenário internacional.
Após a vitória contra a Argentina em 1993, a imprensa mundial começou a colocar a Colômbia como grande favorita para a Copa de 1994. O país, porém, passava por grandes turbulências. No começo dos anos 1990, o governo americano instituiu uma política de combate à produção da cocaína, forçando o governo colombiano a iniciar uma verdadeira caçada aos traficantes do país, que culminou com uma quase guerra civil e com a morte de Pablo Escobar em 1993. O futebol do país perdeu boa parte do seu investimento, uma vez que agora os traficantes tinham que investir seus recursos em outras alçadas. Mais do que isso, os jogadores perderam a sua paz. Com o dinheiro da droga se tornando mais escasso, os traficantes viam na venda de atletas para times europeus uma chance de recuperar as perdas no tráfico de drogas. Ameaças para que estes jogassem bem se tornaram frequentes e a equipe chegou à Copa nos EUA com todo o peso de um país nas costas. A prisão de Higuita, um pouco antes da Copa, é um reflexo disso. Ele brigou com um traficante que armou um sequestro que caiu na culpa do goleiro, que passou mais de 1 ano preso injustamente. É importante lembrar que, apesar do sucesso nos anos 80, os clubes colombianos não aceitavam negociar seus jogadores com a Europa. Isso começou a acontecer apenas com a crise do narcotráfico nos anos 90.
No primeiro jogo da Copa, um choque. Derrota para a sleção da Romênia por 3 x 1. Quase todos os jogadores colombianos sofreram ameaças de morte de seus “donos” antes da partida contra os EUA. Neste jogo, o famoso gol contra de Andrés Escobar, uma nova derrota por 2 x 1 e a eliminação precoce da competição. Creio que todos lembram também o que veio depois:  Uma semana após voltar pra Colômbia, o zagueiro Escobar foi assassinado em condições até hoje esquisitas, todos os jogadores ameaçaram deixar a seleção e o país virou uma vergonha mundial.
Aquela geração ainda disputaria mais uma Copa, em 1998, mas sem dúvida o gol contra e o assassinato de Escobar marcaram o fim trágico de uma geração brilhante. Sem o dinheiro abundante do narcotráfico, o futebol colombiano deixou de revelar jogadores e só voltou a se classificar para a copa agora em 2014. Aquele time tinha tudo: a genialidade de Valderrama e Rincón, a rebeldia de Asprilla, a loucura de Higuita, e ganhou um mártir, símbolo do sofrimento, que foi Andrés Escobar. É um enredo perfeito para um filme, daqueles com final triste.
Para quem se interessa pelo assunto, a ESPN fez um documentário sensacional sobre o tema, chamado “Two Escobars”, comparando a trajetória do traficante Pablo Escobar e do zagueiro Andrés Escobar. Emocionante.