Eu sempre cito a hipocrisia. Deus
abençoe a hipocrisia. Eu, você e eles, todos hipócritas. Sentimento tão natural
do ser humano quanto o amor ou o medo.
Os judeus são, de longe, o povo
mais perseguido do mundo. Longe de querer dar aula de história, mas é
necessário dizer que os nossos colegas de quipá sempre foram responsabilizados
por tudo de errado que aconteceu no planeta. Se não há outra explicação, a culpa
é dos judeus.
Em virtude da seca e da fome judeus
saíram da Palestina e migraram para o Egito. Viraram escravos por 400 anos.
Voltaram para a Palestina, liderados por Moisés. Viraram prisioneiros na
Babilônia. Foram libertados pelos persas e voltaram para a Palestina, mas como
súditos do Império. Com a queda do Império Persa passaram para o Império da
Macedônia sob o amigável domínio de Alexandre, o grande. Macedônia e Palestina
foram conquistadas pelos Romanos. Os judeus foram expulsos da Palestina e se
espalharam pelo mundo. Um povo sem território. Foram culpados pela morte de
Jesus e perseguidos pela Igreja Católica. Peste negra? Queimem judeus e
satisfaçam o nosso senhor, era o lema. Como era um povo unido e próspero foi acusado de querer dominar o mundo, sentimento compartilhado por toda a Europa.
Holocausto.
Finalmente, em 1948 essa galera
conseguiu uma terrinha para chamar de sua. O “minha terra, minha vida” dos
americanos pressionou os ingleses e deu novamente aos judeus um território próprio.
Hoje o estado de Israel e forte, rico
e, principalmente, armado. Não é para menos, já que o país é uma gota de democracia
e avanço tecnológico em uma piscina de atrasos, intolerância e tirania.
Aos olhos do mundo esse conflito
é um clássico roteiro de novelas. Os ricos e poderosos contra os pobres e
oprimidos. A opinião pública internacional – em grande parte ignorante sobre o
tema – condena o estado de Israel de maneira geral. Após a Guerra dos Seis Dias,
em 1967, Israel anexou alguns territórios árabes, afugentando palestinos. Desde
então existe uma briga sem fim sobre a devolução desses territórios, o reconhecimento
do estado de Israel e também da Palestina.
Onde entram Caetano Veloso e
Gilberto Gil nessa história?
Eles foram contratados para fazer
um show em Tel-aviv. Existe um movimento artístico de boicote a Israel por
conta da ocupação de território palestino chamado BDS (Boicote, Sanção e
Desinvestimento em Israel), que busca eliminar a realização de eventos
culturais no país como forma de pressionar o governo para a questão palestina.
Roger Waters, ex Pink Floyd, enviou cartinhas para Caetano e Gil, pedindo o boicote.
Enfim, o show foi realizado
ontem, como deveria ser feito. Eu sou um cidadão da paz, quero que Israel tenha
o seu território e que a Palestina também tenha o seu. Rezo pela desocupação
Israelense e pela harmonia entre as pessoas, porém se o senhor Roger Waters não
fizer shows em países que subjulgam outros povos, prepare-se, enfim, para a aposentadoria,
my friend. Moradores de países que não praticaram essa política provavelmente
não terão R$ 600,00 para assistir ao seu show na Pista Premium em algum estádio
de futebol por aí.
Europeus nunca quiseram os judeus.
Os britânicos arranjaram um lugar para eles bem longe dali. Boicote a
Grã-Bretanha, então!
Aliás, se eu for escrever sobre
as atrocidades do Império Britânico durante séculos nas colônias, matando
nativos e explorando riquezas, eu escreveria um livro.
Portugal, Espanha, Polônia,
Hungria, Alemanha, Rússia. Todos perseguiram e mataram judeus.
Em todas as guerras existem
crimes e com os americanos não é diferente. O que Hollywood conta é bem
diferente do que acontece. Durante a guerra do Vietnã militares americanos entraram na aldeia My Lai, no Vietnã do Sul,
com a ordem de busca e destruição. Estima-se que 300 civis, na maioria
mulheres, crianças e idosos, tenham sido mortos nesse que seria um dos maiores
crimes de guerra da história dos EUA. Mais recentemente o governo Bush matou
milhares de civis em busca de armas químicas/ biológicas que nunca foram
encontradas no Iraque. A aldeia de Azizabad, no Afeganistão, foi devastada por
bombas sob a alegação de terem matado o comandante talibã Mullah Siquid. Dias
depois Siquid apareceu vivo, ileso.
No mundo globalizado contemporâneo
temos outras formas de sofrimento causadas pelos poderosos. Ou você acha que o
sistema de trabalho semiescravo chinês é apenas culpa da China? As centenas de
fábricas americanas instaladas em território chinês estão lá apenas por
coincidência ou pela conveniência de poder se utilizar de leis trabalhistas
ridículas que deixam o custo de produção lá embaixo? Será que eu e você não temos culpa nisso? Eu tenho sim, mas vou continuar comprando meu Nike.
Não vejo ninguém boicotando a Europa
ou os EUA. Contemplam esses locais como um exemplo de democracia, respeito e defesa
dos valores humanitários. É fácil boicotar Israel, um país de 10 milhões de
habitantes e do tamanho de Sergipe.
Além disso, Israel só existe e
faz o que faz por conta dos EUA. Não fossem esses padrinhos poderosos os judeus estariam mortos ou espalhados
pelo mundo há muito tempo. Protestem artistas, boicotem os EUA.
Antes de condenar Caetano e Gil por
ignorarem a cartinha hipócrita de Roger Waters, pense bem. Se continuar
discordando, se desapegue do desejo de fazer comprinhas em Miami nas férias,
jogue foram o seu Iphone, seu Nike e fique a vontade para esquecer tudo quanto é obra
artística no mundo. Em geral, países ricos são ricos porque foram sacanas no
passado, ou continuam sendo, de forma mais velada e maquiada no presente.
Caetano e Gil gostam de dinheiro e fizeram um trabalho, gostam de aplausos e fizeram um espetáculo para seus fãs. Meu Deus, por incrível que
pareça eles foram os menos hipócritas nessa história toda.
Para finalizar, uma frase retirada
de uma nota emitida por Rafeef Ziadah, porta voz do Comitê Nacional do BDS,
condenando o anúncio de um show dos Rolling Stones em Israel, em 2014:
“Porque qualquer artista com
consistência moral aceitaria atuar em um país que está tão profundamente
envolvido em crimes de guerra e violações dos Direitos Humanos?”.
Pois é, Roger. Por quê?
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