segunda-feira, 21 de março de 2016

Mensagem aos democratas conscientes


Inicialmente, gostaria de dizer que este texto é uma perda de tempo para aqueles que seguem Jair Bolsonaro, Marco Feliciano, Ronaldo Caiado ou outros filhotes da ditadura. Infelizmente, as pessoas nesta situação já estão corrompidas no curto prazo e, a meu ver, não há argumento lógico capaz de fazê-las entender o perigo do momento em que vivemos, em que há uma clara guinada rumo a um autoritarismo de direita. Escrevo este texto para você, democrata, que terá em 2018 a chance de expressar clara e honestamente qual o seu desejo. Você, que em 2018 poderá optar pela continuidade, votando no candidato do PT, que muito provavelmente será o ex-presidente Lula, ou que votará em algumas das opções de mudança democrática, compostas pelo candidato do PSDB, provavelmente o senador Aécio Neves ou o governador Geraldo Alckmin (posteriormente falarei sobre o flerte perigoso que o PSDB tenta com este movimento autoritário e sobre o significado da expulsão destes dois políticos na última manifestação), pela ex-ministra Marina Silva ou pelo ex-governador Ciro Gomes (cuja discussão com um grupinho fascista na frente da casa do seu irmão foi um ato de heroísmo). Você, que contente ou descontente poderá dar um rumo diferente a nosso futuro. Você que pode, por exemplo, fazer o que fizeram os argentinos. Pessoalmente sou contra quase todas as medidas adotadas pelo governo Macri e as táticas adotadas pela mídia portenha naquela eleição, mas é inegável que ele possui um governo legítimo e que representa a vontade da maioria das pessoas daquele país. Ele possui a característica mais importante que um presidente pode ter, a legitimidade, sem a qual qualquer governo democrático entra em risco. Escrevo para você que possui conhecimento e discernimento histórico para compreender a gravidade do significado desta massa vestindo verde-e-amarelo, que considera todos que não fazem parte do seu grupo como inimigos da pátria e que vem realizando uma verdadeira caça às bruxas. Você que entende a fragilidade do nosso modelo democrático e a importância em mantê-lo.
Convido você a uma reflexão sobre o que aconteceu na última semana, especialmente na quarta-feira, data da nomeação de Lula como ministro da Casa Civil e das divulgações, logo em seguida, de grampos telefônicos de legalidade muito questionável envolvendo o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma. Há duas semanas, o juiz Sérgio Moro, sem muito embasamento legal, solicitou a tal da condução coercitiva do ex-presidente. Digo sem embasamento porque a lei permite isto apenas para casos em que há risco de fuga ou demonstração de obstrução das investigações por parte do investigado. Aquilo serviu como combustível para a mídia incendiar os protestos marcados para o domingo seguinte, ao mesmo tempo em que a FIESP entrou de vez na luta pelo impeachment. Peço que você se recorde qual a posição da FIESP em outros momentos históricos da nação, como 1964, e se questione quais os interesses que esta instituição sempre defendeu. Pois bem, tivemos as manifestações, gigantescas, com coisas que qualquer pessoa sensata considera bizarras. Enquanto Aécio Neves e Geraldo Alckmin, que de alguma forma ainda representam uma oposição democrática ao governo atual, sem perceber o perigo que eles próprios estão correndo, foram vaiados e escorraçados da passeata, outras figuras como Bolsonaro e Feliciano foram aplaudidas e ovacionadas. Enquanto pessoas que ousassem passar perto das manifestações usando camisetas vermelhas eram agredidas covardemente por uma maioria inflamada, outras usando faixas de apoio a uma possível intervenção militar recebiam um silêncio aprovador. Tudo isto acontecendo com uma mídia repetindo exaustivamente a frase: “a manifestação é pacífica, com idosos e crianças e frases em defesa do juiz Sergio Moro”. Você que tem conhecimento histórico e que sempre se perguntou como algo do tipo aconteceu em 1964, não lembrou de nada?
Três dias depois, numa manobra de certa forma desesperada, a presidente Dilma colocou o ex-presidente Lula no cargo de ministro da Casa Civil, numa atitude que sem dúvida nenhuma pode ter moralidade questionada, mas cuja legalidade é indiscutível. A mídia começou a vender a ideia de que aquilo era sinal de impunidade, pois Lula sairia da alçada do “justiceiro da nação” Sérgio Moro. Começou a propagar a ideia de que ser julgado pelo Supremo seria sinal de impunidade, o mesmo Supremo que esta mesma mídia tratava como bastião da justiça no processo do mensalão e que muito provavelmente não terá com Lula nenhuma boa vontade. Pois bem, a massa já estava inflamada quando, aproximadamente às 18:00, as emissoras de televisão começaram a noticiar que o juiz Moro havia liberado grampos telefônicos do ex-presidente, sempre com manchetes do tipo “Grampo mostra Lula tentando obstruir a justiça”, “Lula chamada Supremo de covarde”, entre outras. A massa verde-e-amarela saiu revoltada pelas ruas das grandes capitais, exigindo a renúncia da presidenta e encontrando na FIESP, para quem é aqui de São Paulo, o ponto de encontro para sua raiva. Ao mesmo tempo, a mídia continuava transmitindo as gravações, sempre com uma narração dizendo o que você deveria entender dos quinze segundos editados que seriam transmitidos em seguida para, após isto, mostrar uma massa verde-e-amarela na frente do Congresso, como se fosse a tomada da Bastilha. Confesso que cheguei em casa e, assustado com o que tinha visto na rua, com gente berrando e buzinando, fui ouvir as gravações do juiz Moro inteiras e sem edição. Da primeira vez que ouvi achei estranho, pois não havia nada lá que me parecesse comprometedor. Enviei o áudio para uma amiga minha, que julgo ser consciente, eleitora do Aécio, e que estava revoltada, para saber se a minha preferência política não estava interferindo na minha compreensão. Ela enxergou da mesma forma que eu e passou a agir com mais serenidade sobre tudo que está acontecendo.
Buscou-se, a meu ver, criar-se uma situação de caos social que forçasse a renúncia da presidenta Dilma. A renúncia é a única forma de mudança de governo atual que represente alguma “legitimidade”, por mais que a mídia não trate o impeachment, na atual situação, como golpe político. Aí pergunto a vocês, qual o sentido de tudo aquilo? Qual o sentido de termos uma mídia editando um áudio daquela forma? Mais do que isto, qual o sentido de um juiz federal revelar desta forma um grampo telefônico? E qual o sentido da FIESP, naquele dia e naquela situação, mudar a sua iluminação que pedia impeachment para pedir renúncia?
O que vimos naquela noite foi um show de horrores. Notícias de pessoas sendo agredidas pelas ruas por causa da cor da roupa ou até mesmo da bicicleta se repetiam, enquanto a grande mídia insistia em chamar aquelas movimentações de “pacíficas”. A mesma mídia, que revoltada lançava como manchete que uma gravação em que Lula pedia a alguém que conversasse com a ministra Rosa Weber era um sinal claro de tentativa de influência na justiça, ficava em silêncio com as fotos de José Serra almoçando com o ministro Gilmar Mendes na quarta, mesmo ministro que bloquearia a posse de Lula como ministro dois dias depois.
Peço que você, leitor consciente, reflita seriamente sobre tudo que está acontecendo. E mais do que isto, questione o real interesse destes dois grupos, mídia e FIESP em combater a corrupção. A grande mídia que ficou em silêncio sepulcral sobre as obras da Copa do Mundo, por exemplo, e que lucrou horrores com a realização do Mundial. A mesma mídia que não questiona, no meio destes escândalos da Petrobrás, qual o sentido desta empresa que possui monopólio gastar tanto dinheiro em Publicidade. A FIESP, que nunca demonstrou nenhum apreço histórico pela democracia e por qualquer tipo de governo que realizasse algum tipo de distribuição de riquezas, cujo interesse é apenas econômico na manutenção de privilégios de uma classe. Pergunto mais, qual o sentido em incentivar a população a não se sentir representada pelos poderes executivo e legislativo, escolhidos democraticamente, mas sim representada pelo Poder Judiciário, único não escolhido pela população e que todos sabemos ser aristocrático e também corrompido.
Peço que você compare a situação atual a de 1964. Mesmo. Você será capaz de compreender que a única diferença entre as situações é a falta de vontade do exército em participar. Isto obriga os descontentes a criar alguma forma de derrubar este governo inventando algum mecanismo legal, e a mídia tem feito seu papel no convencimento de uma massa despolitizada. Cabe a nós, democratas, impedir que isto aconteça.
A corrupção é um problema muito sério em nosso país, desde sempre. Deve ser combatida de forma apartidária. Vivemos, porém, o momento de um conflito maior, entre democracia e autoritarismo. Regimes deste segundo tipo nunca foram bem sucedidos em combatê-la e todo nosso esforço neste momento deve ser para impedir que percamos todas as conquistas democráticas obtidas nos últimos 30 anos. Peço que você reflita sobre a seriedade que é a liberação ilegal de um grampo telefônico através da mídia e aceitação disso por parte significativa da população, disposta a passar por cima da lei para punir alguém. Mais do que isso, a transformação de um juiz que já se mostrou autoritário em herói da pátria e a forma acrítica como a mídia o trata.
O momento não é de divisão. É de união entre todos aqueles que respeitam a democracia, goste-se ou não da presidenta Dilma. A crise econômica é séria. Tenho vários amigos que perderam o emprego neste último ano e que estão com grande dificuldade em encontrar outro. Crises econômicas, porém, são passageiras. Em quatro ou cinco anos estaremos no rumo e em apenas dois teremos a chance de mudar a política econômica através da mudança de governo, de forma limpa e legítima. O autoritarismo, porém, não passa tão rápido. Na última vez em que a grande mídia e o empresariado se uniram para manipular a classe média e derrubar um governo democrático, precisamos de mais de 20 anos para retornar à democracia. Peço que você lembre as muitas vidas perdidas e multiladas neste período e na responsabilidade que temos de impedir que isto aconteça novamente.
Por último, peço àqueles que já se conscientizaram do que está acontecendo, contentes ou descontentes com o governo, que se manifestem. Há uma grande manifestação de “Bolsonetes” para constranger aqueles que defendem a democracia, chamando-os de “defensores de bandidos”. A manifestação dos conscientes neste momento é uma obrigação. Para que não convivamos com a culpa daqueles que perceberam o que estava acontecendo em 1964 ou em outros momentos históricos em que algo parecido ocorreu e optaram pelo silêncio. Cada ser politizado e consciente que fica em silêncio é uma vitória para aqueles que pretendem destruir nossa frágil democracia. Ficar em silêncio agora por opção pode fazer com que todos tenham que ficar em silêncio no futuro. Desta vez não mais por opção.