quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O adeus de um gigante, Lleyton Hewitt


O australiano Lleyton Hewitt fez hoje o seu último jogo como profissional. Despediu-se em casa contra o espanhol David Ferrer, na partida mais importante e emocionante do Aberto da Austrália deste ano. Hewitt era o último grande nome ainda em atividade de uma curta era deste esporte, aquela entre o fim do domínio de Pete Sampras e Andre Agassi e o início da ascensão de Roger Federer e Rafael Nadal (e posteriormente de Novak Djokovic).
Hewitt surgiu para o esporte ainda adolescente, no torneio de Adelaide em 1998, um preparativo para o Aberto da Austrália. Lá, antes mesmo de completar 17 anos, conquistou seu primeiro torneio profissional, gerando forte comoção e atenção na mídia australiana, que desde cedo percebeu o potencial do garoto. Chegou ao top 10 em 2000 e viveu o ápice em 2001, quando conquistou seu primeiro Grand Slam e substituiu Gustavo Kuerten como número um do mundo ao final da temporada. Muitos acreditavam estar assistindo ao surgimento de um dos maiores tenistas de todos os tempos quando Hewitt manteve seu domínio em 2002, vencendo Wimbledon e terminando novamente a temporada na primeira posição do ranking. Com a aposentadoria de Sampras e o declínio de Agassi, esperava-se naquele época que Hewitt e o americano Andy Roddick formassem uma nova dinastia do tênis, que duraria possivelmente uma década.
A partir de 2003, porém, surgiria uma nova estrela no esporte, o suíço Roger Federer, que jogaria toda a geração anterior numa espécie de ostracismo. Junto com Rafael Nadal, Federer jogou o nível do tênis em outro patamar que Lleyton Hewitt nunca conseguiria alcançar. O antes vitorioso australiano passou a conviver com vitórias esporádicas entre derrotas rotineiras. Acostumado com a ideia de que colecionaria Grand Slams e seria um dos, quem sabe, cinco maiores tenistas de todos os tempos, Hewitt ganhou seu último Grand Slam em 2002 aos 21 anos, tentando nos 14 anos restantes, em vão, alcançar o novo nível de jogo estabelecido por Federer e Nadal. Nenhum tenista vencedor de Slam jogou por tanto tempo depois de sua última conquista.
Até 2003, Hewitt era possivelmente um dos tenistas mais odiados do circuito. A sucessão de fracassos e seu esforço para continuar jogando mesmo assim, porém, mudaram sua imagem frente aos torcedores. Para pessoas como eu, que odiavam Hewitt na adolescência, ele passou a ser quase um símbolo de nostalgia de uma época de nossas vidas. Era como se as pessoas, acostumadas a vê-lo como o vilão que gritava Come On na cara dos adversários derrotados, passassem a enxergá-lo como o lutador que não desistia nunca frente a rivais superiores. Assistir Hewitt era como voltar no tempo. Com isto, Lleyton perdia partidas, mas sua persistência fez com que ganhasse a admiração que nunca teve dos fãs do esporte na época em que dominava o circuito.
O tênis neste curto período em que Hewitt brilhou, entre 2000 e 2003, estava longe de ter o nível de qualidade que possui hoje, mas era mais equilibrado e, de certa forma, mais divertido. Em quatro temporadas, seis tenistas foram número um no ranking: Andre Agassi, Marat Safin, Gustavo Kuerten, Lleyton Hewitt, Juan Carlos Ferrero e Andy Roddick. Para que se tenha uma ideia do equilíbrio que isto representava se compararmos com o que ocorre hoje, nas 12 temporadas seguintes, apenas três tenistas alcançaram este posto, Federer, Nadal e Djokovic. Com exceção de Andre Agassi, cujas glórias foram vividas quase todas nos anos 1990, os outros cinco tenistas entraram em decadência a partir da chegada de Federer e encerraram suas carreiras de forma até certo ponto discretas. Hewitt foi o último. Suas últimas temporadas, porém, não vão apagar seus feitos da juventude. Como dito, o fim de sua carreira marca o final de uma era no tênis que não foi tão brilhante como a atual. Mas que foi sem dúvida muito divertida. As conquistas e a personalidade do australiano serão inesquecíveis para os verdadeiros fãs do esporte.
Pedi a um amigo meu, torcedor fanático de Lleyton Hewitt, que me listasse as cinco maiores partidas do australiano. Juntei mais uma que acho que não poderia ficar fora.
1 ) Copa Davis 2003 – Semifinal – Hewitt 3x2 Federer (5-7, 2-6, 7-6, 7-5, 6-1)
Federer não era ainda o monstro que mudaria o esporte, mas já era o campeão de Wimbledon quando foi enfrentar Hewitt na semifinal da Davis na Austrália. Abriu rapidamente 2x0 no placar quando, numa reviravolta improvável, o australiano virou a partida de forma espetacular. Seria a última vez que Hewitt, a base de gritos, dominaria o suíço numa batalha mais mental do que física. O próprio Lleyton diz que esta foi a maior vitória de sua carreira.
2 ) US Open 2001 – Final – Hewitt 3x0 Sampras (7-6, 6-1, 6-1)
Pete Sampras já não era o tenista que dominou o Esporte nos anos 1990, mas ainda era capaz de chegar a uma final de Grand Slam. Apoiado pela torcida nova-iorquina, foi massacrado pelo jovem Hewitt na final, sofrendo possivelmente a derrota mais constrangedora de sua carreira. Hewitt era neste momento visto como o tenista que dominaria o esporte nos anos seguintes e poucos imaginavam que aquele seu primeiro Grand Slam seria apenas um de dois.
3 ) Copa Davis 2001 – Quartas de Final – Hewitt 3x0 Kuerten (7-6, 6-3, 7-6)
Gustavo Kuerten era número um do mundo e dominava como poucos a temporada de saibro quando o Brasil enfrentou a Austrália em Florianópolis em 2001. Os brasileiros prepararam uma quadra lentíssima, esperando que o talento de Guga no saibro os levasse à semifinal. Hewitt, porém, assombraria todos, chegando a uma performance inimaginável no saibro naquele final de semana. Jogando no tipo de piso que menos gostava, Hewitt dominou o rei do saibro da época, levando a Austrália à final daquele ano, em que seriam derrotados em casa de forma traumática para a França.
4 ) Aberto da Austrália 2008 – 3ª Rodada – Hewitt 3x2 Baghdatis (4-6, 7-5, 7-5, 6-7, 6-3)
Numa das últimas grandes atuações de Hewitt, ele bateu o favorito cipriota, finalista da competição em 2006, numa partida emocionante e que só terminou às 04:33 da manhã.
5 ) Masters Cup 2004 – Semifinal – Hewitt 2x0 Roddick (6-3, 6-2)
A grande rivalidade de Hewitt, sem dúvida, foi com o americano Andy Roddick. Em 2004, os dois já sofriam contra Roger Federer quando se enfrentaram na semifinal da Masters. Era contra Roddick que Hewitt usava com maestria sua capacidade de derrotar os adversários na batalha mental. Nesta partida, contra um dos maiores sacadores da história, Hewitt venceu os últimos 20 pontos, fazendo questão de gritar Come on na cara do adversário e da torcida americana em Houston ao final de cada um deles. Naquele dia, mais do que em qualquer outro, Hewitt demoliu um adversário emocionalmente.
6 ) Aberto da Austrália 2005 – Quarta Rodada – Hewitt 3x2 Nadal (7-5, 3-6, 1-6, 7-6(3), 6-2)
Rafael Nadal era um desconhecido de 17 anos quando enfrentou o ídolo local Hewitt no Aberto da Austrália em 2005. Poucos acreditaram quando o jovem espanhol abriu 2x1 e esteve perto de eliminar o australiano. Hewitt, porém, com uma persistência única e usando como nunca a torcida para desestabilizar o jovem adversário. Naquele ano, Lleyton chegaria pela única vez à final do Aberto da Austrália, sendo derrotado por Marat Safin em quatro sets.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

A repressão policial e o MPL



As manifestações de junho 2013 começaram como pequenos protestos contra o aumento das passagens de transporte público organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo de R$ 3,00 para R$ 3,20. Continuaram pequenas até uma brutal repressão policial da PM paulista, que chocou a população da cidade. Lembro-me que esta manifestação duramente reprimida aconteceu numa quinta-feira e se marcou outra para segunda. Durante aquele fim de semana, nunca vi tanta gente se dispondo a participar de uma manifestação, não apenas contra o aumento da passagem, mas principalmente contra a repressão policial, como uma forma de defesa da liberdade de manifestação. O que se viu na semana seguinte foi a maior onda de protesto do país desde as Diretas Já, que se espalhou pelo país inteiro. O que aconteceu em seguida, creio eu, todos lembram. A principal consequência daquilo tudo foi um aumento significativo dos movimentos reacionários no país. Manifestações deixaram de ser mal vistas pela parcela da população mais direitista, que passaram também a tomar as ruas pedindo suas “mudanças”. Politicamente, o grande perdedor do movimento de 2013 foi o PT. Não nos esqueçamos que a hoje odiada presidente Dilma Roussef possuía 70% de aprovação antes daquele movimento, caindo para 30% na semana seguinte. Se o perdedor foi o PT, o vencedor foi o PSDB, claro, que foi visto como “mudança possível” por esta parcela direitista. Pensando nisso e considerando o cenário político instável da atualidade, a pergunta que fica é: A quem interessa repetir o que aconteceu em 2013?
Fernando Haddad talvez tenha sido o prefeito que mais implementou mudanças no transporte público de uma cidade na história do Brasil. Digo talvez porque tenho minhas dúvidas se ele foi mais importante do que Marta Suplicy em SP ou Jaime Lerner em Curitiba, mas isto no momento é o de menos. Em sua gestão, fez a implantação de inúmeros corredores de ônibus, garantiu gratuidade no transporte coletivo para estudantes e desempregados. Criou também o bilhete único mensal, que permite que um usuário pague um valor fixo mensalmente para uso irrestrito do transporte público neste período. No valor atual, uma pessoa que use dois transportes por dia, incluindo fim de semana, caso opte pelo bilhete mensal, terá gasto em um mês de 31 dias (período de validade do bilhete) R$ 2,26 por passagem. Caso o faça apenas em dias úteis de trabalho, terá gasto R$ 3,18, considerando um mês de 22 dias úteis. Nada disso, porém, importa para o MPL.
Como um piano de uma nota só, o MPL voltou às ruas tratando o aumento de 2016 da mesma forma como tratou a situação em 2013. Como um artista querendo reviver seus 15 minutos de fama, não se importa com a conjuntura política e social atual, muito menos com as possíveis consequências que suas novas manifestações podem trazer. O interesse maior é manter-se de alguma forma relevante. Nada faz tão bem para o ego do que criar um movimento que toma uma proporção nacional como aconteceu em 2013. Quem faz algo importante uma vez sonha em fazê-lo novamente. Os maiores prejudicados com o aumento para R$ 3,80, no cenário atual, foram as empresas que pagam vale transporte aos seus funcionários. Estudantes e desempregados, através da gratuidade, e trabalhadores sem vale transporte, através do bilhete único mensal, não foram prejudicados. Mas nada disso importa para o MPL, que enxerga nos gritos de R$ 3,80 a possibilidade de voltar a ter algum protagonismo.
Como em 2013, a Polícia Militar reprime barbaramente estes movimentos. Nesta semana, por exemplo, uma das passeatas foi reprimida antes de começar. Com qual interesse? Por que a PM repete em 2016 a mesma tática que culminou daquela forma em 2013? Voltamos à pergunta do primeiro parágrafo, quem foi o grande vencedor político do que aconteceu há 2 anos e meio?
O PSDB aposta no caos e não há mudança sem este, mesmo que seja uma mudança que não mude nada. Vivemos um momento político conturbado e trazer a população de volta às ruas, descontentes contra tudo e contra todos, pedindo melhorias nos serviços públicos e mudanças de todos os tipos, pode ser o que falta para garantir o impeachment de Dilma. Para que aquilo se repita, é necessário que o protesto do MPL tome as mesmas proporções que tomou em 2013. O MPL está fazendo a sua parte. A PM também.
Quem protesta contra tudo na verdade não está protestando por nada. Trazer a população de verde e amarelo para as ruas “obrigará” a classe política a apresentar alguma “mudança”. Nenhuma “mudança” seria mais agradável para esta massa verde e amarela do que a queda de Dilma. Completa-se assim o cenário de mudança pela continuidade.
O MPL, com sua sede de grandeza, é o instrumento perfeito para a manipulação. Não tiveram culpa, óbvio, do que aconteceu em 2013, ninguém poderia imaginar que aquilo poderia acontecer. Mas terão agora, em que sua sede de protagonismo o cegou sobre as enormes consequências que um movimento como aquele se repetisse. O PSDB aparece como manipulador perfeito, usando a PM para reprimir novamente protestos pequenos que podem incendiar o país. Mais do que isso, agindo dessa forma, Alckmin mantém sua popularidade, uma vez que seu eleitorado não se importa muito em ver jovens apanhando de policiais, e ainda prejudica ainda mais a imagem de Haddad, que nada pode fazer para conter esta repressão. Todo esperto precisa de um trouxa. O MPL se dispôs a ter este papel. É a esquerda disposta a implodir o governo de esquerda e favorecer o governo de direita.
Disse Marx que na história tudo acontece duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda como farsa. O movimento de 2013 foi a tragédia, com o agrupamento e crescimento dos movimentos reacionários no Brasil. MPL e PM já estão cumprindo seus papéis para viver em 2016 a farsa. Só falta o agente final. Não são só 30 centavos...