Eu nunca peguei numa arma na vida. Acho inclusive que só
cheguei perto de arma duas vezes. Uma vez que fui assaltado no centro de SP e
em outra que fui com um ex-amigo num stand de tiro. Digo acho porque tenho
minhas dúvidas se o que o assaltante me apontou era uma arma ou um maçarico
muito louco. Só deu pra ver a ponta e a única coisa que ele me levou foi um
chocolate. No dia do stand, achei aquela brincadeira chata. Lembro-me que olhei
ao meu redor e tudo que via era um monte de homens parecendo com cara de
cheirados e uma ou outra mulher com cara de cheirada. Lembro-me do meu ex-amigo
virando para mim suado, com uns óculos de plástico e a pupila dilatada, dizendo
para mim após um tiro errado que “aquilo era relaxante”. Acho que em grau de
experiências bizarras que uma pessoa pode ter, um stand de armas só compete com
a festa do Peão de Barretos e para a Oktoberfest em Blumenau. A única coisa
mais perigosa e assustadora do que homens bêbados querendo “pegar todas” é
homem brincando com arma. Talvez em breve tenhamos uma nova classe no mundo da
loucura brasileira, a do homem bêbado querendo “pegar todas” e armado.
O novo governo está brincando bastante com o mercado de ações
de armas. No dia seguinte à eleição, o valor das ações da Taurus cresceu mais
de 20%. No final deste dia, Bolsonaro anunciou que ia abrir o mercado de armas
no Brasil para empresas estrangeiras e, no dia seguinte, as mesmas ações caíram
quase os mesmos 20%. Alguém ganhou bastante dinheiro nessa. Um pouco antes da
posse, o “super” ministro da Justiça, Sérgio Moro, deu a ideia de que Bolsonaro
flexibilizasse a posse de armas através de um decreto presidencial. Pode isso?
Não. Mas desde quando a lei foi um obstáculo para Moro, afinal? No primeiro dia
útil após a “ideia” de Moro, as ações da Taurus subiram mais de 50%. Alguém
ganhou bastante dinheiro nessa.
Somos uma sociedade fascinada pela violência. Poucas coisas vendem
tanto quanto o medo. É o medo que nos mantêm presos em casa ou em condomínios
consumindo porcarias. Cercas, vidros blindados, seguranças particulares,
biometrias, catracas, Datena, Ratinho, Car System, seguro de carro, seguro de
casa, seguro de celular etc. A economia brasileira chega a ser quase dependente
da paranoia e do medo.
Resolva você mesmo os seus problemas e foda-se o mundo é o
lema histórico da nossa elite e da nossa classe média. A educação pública parou
de funcionar? Bote seu filho numa escola privada. A saúde pública parou de
funcionar? Compre um plano de saúde privado. A previdência pública está uma
merda? Bradesco e Itaú te oferecem planos de previdência privada. A segurança
pública pifou? Compre uma arma e mate você mesmo um bandido.
O principal motivo para o interesse da gestão Bolsomoro em
facilitar o acesso a armas é econômico. Há um puta mercado de pessoas
retardadas e com medo, dispostas a entrarem em alguma prestação maluca para
comprarem uma arma que não saberão usar para se proteger de um possível bandido
armado, que provavelmente saberá usar a arma que tem. Muita gente rica vai
ganhar muito dinheiro se a população amalucada sair comprando armas a rodo.
Toda a engrenagem para que isto aconteça já está sendo armada. Já consigo ver
Datena e Ratinho anunciando “armas que protegem a família brasileira” em seus
programas. Bradesco e Itaú fornecendo financiamento especial para a compra de
uma arma que “caiba no seu orçamento”. A Crefisa financiando armas a preços
populares. A Porto Seguro vendendo o “seguro-arma”, garantindo maior proteção a
você e à sua arma com uma cláusula no contrato dizendo que não há restituição
no caso do titular do seguro ser morto pelo bandido com a arma que está segurada.
“Na compra de uma arma, leve gratuitamente um cartucho cheio de balas”. "Compre 4 armas e a quinta é grátis".
Nossa sociedade se desumanizou. Bolsonaro e Moro são apenas
os sintomas mais graves disto. O governo prepara um desmonte nunca visto no que
restou do estado de proteção social que aos trancos e barrancos foi montado
historicamente. Ao mesmo tempo, promove uma verdadeira caça às bruxas contra
servidores que não estejam alinhados ideologicamente ao governo. A mídia, em
geral, assiste passivamente o governo exonerar em menos de uma semana diversos
funcionários públicos sem que ao menos tenha havido tempo para se analisar sua
competência, apenas porque se opõem ao governo. Proteções a minorias já começam
a ser retiradas e novo secretário responsável pela elaboração do Enem acha que
a Terra é plana. O mercado só comemora. Universidade pública pior significa mais
espaço para universidades privadas, um mercado maior a ser explorado. Ações de
estatais explodindo. Ações de armas explodindo. A sociedade prestes a explodir. A ignorância triunfou.
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