quarta-feira, 3 de abril de 2019

A Donnelley e o papel das editoras nas falências no mercado de impressão



A RR Donnelley, uma das maiores gráficas do país, anunciou sua falência no último domingo, pegando de surpresa funcionários, clientes, fornecedores e até mesmo o governo, pois se trata da gráfica que realiza a impressão do ENEM. A Donnelley não seguiu o caminho “normal” de empresas em dificuldade financeira, que é entrar com pedido de recuperação judicial antes de dar o passo definitivo. A RR Donnelley é uma multinacional de matriz americana, com fábricas espalhadas pelo mundo e não há dúvidas de que a matriz possui força financeira para arcar com os compromissos da empresa daqui. Por que então se resolveu fechar a empresa do nada, deixando funcionários sem receber salários e direitos trabalhistas, fornecedores sem pagamento, clientes sem seus produtos e o país com risco sério de não ter a prova do ENEM impressa a tempo? Por um motivo simples, eles não estão nem aí para nada disso.
Em geral, o empresariado é formado por pessoas extremamente individualistas e totalmente incapazes de enxergar que eles fazem parte de um todo, que chamamos de mercado, que precisa da existência de diferentes atores  para funcionar de forma sustentável. Trabalhei por mais de uma década em editoras e posso afirmar sem medo que não há responsabilidade maior na quebradeira de toda a cadeia do mercado impresso do que as das editoras.
Do ponto de vista do fornecimento, as editoras ajudaram as grandes redes, especialmente Saraiva e Cultura, a destruir as pequenas livrarias que eram fundamentais para o negócio. Fizeram isto dando descontos especiais a estas redes, com o argumento de que eram os principais clientes, e dando prazos de pagamentos a perder de vista. As Lojas Americanas, uma das maiores clientes do mercado editorial, por exemplo, trabalhava com o surreal prazo de 210 dias para pagamento e sempre atrasava, não recebendo nenhuma retaliação das editoras.  Pois bem, agora temos Saraiva e Cultura quebrando, as Lojas Americanas não pagando e as editoras pequenas quase inexistindo, fruto da política das editoras de ajudar as grandes redes a destruí-las. A visão de curto prazo e a despreocupação com a sustentabilidade do mercado por parte das editoras há seis ou sete anos criaram um cenário em que hoje as editoras estão ficando sem ter para quem vender.
Do ponto de vista do fornecimento, as editoras ajudaram a Suzano, maior fornecedora de papel do país, a basicamente destruir o mercado de fornecimento de papel por pequenas distribuidoras. Eram elas que garantiam a sustentabilidade do mercado principalmente através da importação, que criava uma concorrência para o monopólio de produção da Suzano. Há mais ou menos seis ou sete anos, a Suzano decidiu que era hora de agir contra estas pequenas distribuidoras. Passou a praticar algo semelhante a um dumping na venda de papel da própria distribuidora e começou a importar papel para revender a baixo custo. Era muito claro que este processo tinha como objetivo controlar o mercado e que num futuro não tão distante, com o monopólio reestabelecido, os preços iriam para a estratosfera e as editoras estariam nas mãos da empresa. Pois as editoras e seus gestores com visão de curto prazo entraram no jogo. Entupiram a Suzano de pedidos e quebraram as distribuidoras, não tendo hoje para onde correr no mercado nacional.
Na história das quebradeiras das gráficas, nenhuma tem mais destaque do que a da Prol, que creio que tenha sido a “pioneira” do quebra-quebra entre grandes empresas do setor. A Prol era uma das maiores gráficas do Brasil, gerida por seu fundador, que resolveu transmitir a gestão a seu filho para tentar curtir a vida. O filho fez aquilo que quase todo jovem rico formado em MBAs faz quando assume uma empresa, quebrou-a. O pai tentou reassumir e pediu recuperação judicial. Neste período, a Prol passou a praticar preços inexplicavelmente baixos, que claramente não eram sustentáveis, com o objetivo de tentar adiar ao máximo o fim. As editoras, mais uma vez despreocupadas com a ideia de sustentabilidade, entupiram a Prol de pedidos. Este processo fez com que as concorrentes da Prol, até então saudáveis financeiramente, passassem a enfrentar problemas. A recuperação judicial da Prol causou a quebradeira de diversas gráficas pequenas. Um belo dia, durante a recuperação, a Prol foi fechada. A justiça descobriu que seus donos estavam transferindo o dinheiro das dívidas para contas secretas no exterior. Funcionários ficaram sem salário, clientes sem produto, fornecedores sem pagamento. Do mesmo jeito que a Donnelley. O filho do dono da Prol, após o fracasso da sua gestão, foi curtir uma viagem para “colocar a cabeça no lugar”. Seus funcionários seguem sem receber.
As editoras são as grandes responsáveis pelas quebradeiras envolvendo todo o processo produtivo do setor. A falta de visão do todo e de longo prazo criou um cenário em que hoje elas praticamente não têm de quem comprar papel, não tem quem imprima o material e não têm pra quem vender. Isto é fruto em parte de uma gestão feita por profissionais doutrinados em faculdades e MBAs ruins, que só conseguem enxergar o preço na hora da escolha e fecha o olho para qualquer preocupação com sustentabilidade. Há seis ou sete anos, enquanto diretores recebiam bônus, era muito claro que a conta iria chegar. A conta chegou.
Deixo aqui minha solidariedade aos profissionais da Prol e da Donnelley, que se dedicaram às empresas e que são as maiores vítimas dos golpes aplicados por este empresariado tosco que comanda as empresas brasileiras. A situação da Donnelley foi tão bizarra que os funcionários não puderam entrar nem para retirar os pertences pessoais. Em um lugar sério, toda a alta diretoria da empresa seria processada judicialmente. Não acho que é o que acontecerá por aqui. É bem provável que o CEO da Donnelley já esteja pensando numas férias. Precisa "colocar a cabeça no lugar"

4 comentários:

  1. Realmente se este país fosse um país sério, eles seriam obrigados a pagarem todo mundo desde os funcionários ,clientes, fornecedores e tudo mais, senão acabariam na cadeia, mas como está porcaria de pais e uma republiqueta de Las bananas , não acontecem nada com estes maus empresários picaretas de maio de!!!!

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  2. Empresários picaretas de mau carácter,. Cadeia neles, realmente este e o país da república das bananas, sai esquerda e entra direita ao qual votei e continua na mesma merda de pais,ou seja nada acontece , nada muda pra melhor!!!

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  3. Excelente texto.
    Trabalho a pouco tempo no ramo gráfico vindo de outro setor e realmente a falta de visão estratégica me impressiona.
    Não é surpresa ver tudo isso acontecer. Infelizmente haverá ainda várias quebras até o setor se estabilizar.

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