O governador do Rio Wilson Witzel
deu uma entrevista aterrorizante no último domingo para o jornal O Globo. Diz o governador que sua
promessa de utilizar snipers para “abater” suspeitos já está sendo cumprida,
apenas não está sendo divulgada. Fora o paradoxo de o governador divulgar que
algo não é divulgado, temos o chefe do Executivo do segundo maior estado do
país confessando um crime. Sim, Witzel é um criminoso e, o pior, foi eleito
deste jeito. São inúmeros os crimes que Witzel já cometeu desde a campanha e
que segue cometendo depois de assumir o cargo. Apologia à tortura e ao
assassinato e, de acordo com a entrevista dada ao Globo, não apenas a apologia, mas o assassinato como ato.
Witzel tem forte relação com os
juízes da Lava-Jato, sendo amigo pessoal de Marcelo Bretas, chefe da operação
no Rio. Foi eleito com apoio e interferência da operação, que divulgou durante
a eleição delações sem prova contra seu principal concorrente, Eduardo Paes.
Sérgio Moro, ministro da Justiça e chefe supremo da operação, teve como segunda
medida (a primeira foi a facilitação da posse de armas) do seu mandato um
pacote de leis que, entre outras coisas, praticamente legaliza o tipo de atitude
que Witzel está dizendo cometer no Rio de Janeiro. Segundo o pacote de Moro, um
policial terá o direito de “abater” qualquer pessoa suspeita, sem correr o
risco de sofrer um processo caso se verifique que não havia risco na situação.
Independentemente da opinião sobre o pacote (que eu considero absurdo) e de
debates humanitários, o fato é que a própria existência do pacote mostra que
hoje este tipo de operação hoje é ILEGAL. É errado do ponto de vista humano e do ponto de vista legal. Enquanto este absurdo não for votado
e transformado em lei, isto simplesmente não pode acontecer não apenas do ponto
de vista humano, mas do ponto de vista legal.
Moro e Witzel não têm muito apego
ao ponto de vista humano ou legal. O próprio uso do termo “abater” já mostra
que os dois não são capazes de enxergar naquelas pessoas seres humanos,
tratam-nas como gado. Desumanizar a vítima é a principal arma de governos
totalitários na preparação de genocídios. A forma como a Lava-Jato se destacou
foi exatamente atropelando as leis que garantem o estado democrático de
direito. Presunção de inocência e direito à defesa (os dois alicerces da
democracia) são meros detalhes no projeto de poder destas pessoas. Assistimos
passivamente um dos primeiros passos, a transformação da prisão preventiva
ilegal em instrumento de tortura psicológica para a obtenção de delações. O
suspeito não tem direito constitucional na cabeça do governador. Deve ser
sumariamente condenado à morte (pena não prevista na Constituição) pelo agente
do Estado. O fato da lei não permitir isto não os impede de agir. Lembro-me de
uma entrevista de Moro no Roda Viva
na semana em que o Supremo iria votar a interpretação que permitia a prisão na
segunda instância. Moro, após fazer ameaças veladas à juíza Rosa Weber, cujo
voto era o decisivo na votação, disse que, em caso de derrota no Supremo, iria
entrar com um pedido de PEC para alterar a constituição e permitir a prisão
neste momento. Ao dizer que era necessária uma PEC, Moro assumiu que a
Constituição atualmente simplesmente não permite esta prisão. Mas a vontade
dele e da sua turma está acima da lei. Moro e Witzel nada mais fazem do que
utilizar no Executivo as mesmas táticas que os levaram ao topo. O desrespeito à
lei e o incentivo à ideia de que justiça se faz com vingança. A lei não ter
sido mudada é apenas um detalhe que não impede o tipo de operação que Moro e
Witzel defendem.
Ao analisar o julgamento de Adolf
Eichmann, carrasco nazista responsável pelo transporte de milhões de judeus
para campos de concentração durante a segunda guerra, Hannah Arendt surpreendeu
ao dizer que Eichmann era uma pessoa “normal”. Era um burocrata da vida,
incapaz de pensar e de discernir o certo do errado, estando feliz apenas por
cumprir ordens sem entender que ela trazia uma responsabilidade. A sociedade,
deixa Arendt implícito no livro Eichmann
em Jerusalém, repetirá os erros totalitários se formar cidadãos incapazes
de pensar. A entrevista de Witzel não trouxe repercussão alguma. Na mesma
entrevista em que afirma com orgulho que assassinatos estão sendo cometidos por
agentes públicos de forma sumária e bárbara, sem a garantia de nenhum direito à
vítima, o governador diz não se importar com o aumento gigantesco no número de
mortos vítimas de ações policiais nos três meses de seu governo. Pelo
contrário, sente até certo orgulho disto. A sociedade tende a personalizar
culpas. Ao silenciar em relação aos crimes cometidos e confessados por Witzel,
ela se torna cúmplice. O crime cometido por um agente público é um crime
cometido em nosso nome e, por isso, somos todos culpados. É isto que diferencia
o crime de um bandido individual, que o cometeu em seu nome, do crime do agente
público, cometido pelo coletivo. Quando o agente público descumpre a lei, não
respeita os direitos humanos e é incentivado pelo chefe do Executivo a fazer isto,
já deixamos de viver num estado democrático de direito. O fascismo nos anos
1930 foi instalado por pessoas assim, que iam contando com a anuência silenciosa
da sociedade a cada passo criminoso efetuado pelos agentes públicos, até o
momento em que os crimes eram tão corriqueiros que se transformam na lei.
Aqueles que tentam atrapalhar este processo são transformados em inimigos a
serem derrubados. O homem que teria impedido esta turma de chegar ao poder
central está preso. A nova etapa é derrubar o Supremo, órgão que possivelmente
decretará a ilegalidade do pacote assassino de Moro e Witzel. É a etapa que
vivemos por aqui. Não é à toa que o governo a que Moro serve tem o mesmo slogan
da Alemanha dos anos 1930. Deutschland über alles. Brasil acima de tudo.
Acostumar-se com o silêncio é parte do crime. Quem silencia é criminoso.
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