terça-feira, 30 de agosto de 2016

O último ato



Numa sessão de 15 horas no Senado Federal, a presidenta Dilma Rousseff realizou provavelmente o último ato político de sua vida. Em sessão marcada pela repetição e pela falta de interesse dos senadores dos dois lados em suas respostas, a presidenta se saiu bem, sendo educada e clara em suas respostas, mesmo aquelas que foram feitas mais de 10 vezes. As edições do julgamento provavelmente não mostrarão isto, focando provavelmente nas inúmeras vezes que ela gaguejou, privilegiando mais uma vez a forma sobre o conteúdo. Edições capazes de agradar a um público que não se importa com o fato de termos um “julgamento” em que a maioria dos julgadores já declarou que a ré é culpada antes mesmo deste começar. O espetáculo se põe acima da realidade.
A sessão foi cansativa. Dilma ficou sentada assistindo a um show de senadores dos dois lados, mais preocupados em gravar um vídeo de 5 minutos para postar no Facebook e aproveitar a propaganda gratuita, especialmente das TVs a cabo, do que qualquer outra coisa. Nenhum deles conversava com Dilma. O interesse era em falar com seus eleitores, que esperavam uma humilhação vingativa caso o senador fosse da base aliada ao governo Temer, ou xingamentos ao golpe caso o senador fosse aliado da presidente afastada. A maioria nem sequer tocou no assunto do tal do “crime” de responsabilidade fiscal, desculpa arrumada para afastar a presidente execrada pela classe média e pela mídia nas ruas.
Neste cenário, Dilma se destacou. Com postura digna e de forma educada, respondeu a todas as perguntas, preparando-se para o fim do seu martírio pessoal que dura desde dezembro. Pela última vez teve que lidar com uma antiga oposição circense, disposta a culpá-la por todos os problemas do mundo e tentando de toda forma justificar a chegada do seu projeto de governo ao poder sem a realização de eleições diretas. Também não terá mais que lidar com o seu partido, que completará o processo de abandono da ex-líder, responsabilizando-a pessoalmente por todos os fracassos de sua gestão e evitando qualquer tipo de autocrítica.
O Brasil passou por situações bizarras em 2016. Um juiz grampeou ilegalmente a presidenta da República e divulgou o áudio na imprensa. O Poder Judiciário impediu a posse de um ministro sem que houvesse condenação. Uma massa de pessoas de classe média, bradando contra a corrupção, não se envergonhou de unir-se ao bandido-mor em seu projeto. Um processo de impeachment aconteceu sem que se soubesse realmente qual crime aconteceu, com a maioria aceitando a ideia de que o julgamento é “político”. Por fim, o partido que teve seu projeto de governo interrompido recusou o projeto da presidenta afastada de convocação de novas eleições, completando seu abandono. A decadência moral, em que o que menos importou foi a verdade.
O jornalista ícone do movimento reacionário Ricardo Noblat colocou uma foto de Dilma em seu twitter às 10:00 da manhã (a foto que está acima do texto), dizendo que ela já não aguentava mais participar daquela sessão. Pois ela ficou por mais 14 horas, mantendo sua dignidade intacta. O jornalismo, graças a pessoas como Noblat, está morrendo, mas para Dilma a vida segue. Fecha-se um ciclo de crise política iniciada com as manifestações de junho de 2013 (Dilma possuía 78% de aprovação naquele período), agravou-se com a incapacidade dos derrotados de aceitar sua reeleição um ano e meio depois, e se tornou irreversivelmente moribundo com a união entre Eduardo Cunha – classe média – mídia no começo de 2015. Dilma entra para a história, sem dúvida, como uma presidenta inapta, mas sua foto enfrentando seu julgamento farsesco lhe garantiu um último ato digno. A presidenta não envolvida diretamente em casos de corrupção afastada por um Congresso repleto de corruptos.
O maior argumento dos que defendiam que o julgamento deveria ser político é que o país estava parado com a crise entre Executivo e Legislativo. Desde que o governo interino que em instantes será empossado começou, já ficou claro que a CLT será flexibilizada, que serviços essenciais serão privatizados e que direitos sociais serão perdidos. Tudo isto sem uma aprovação das urnas. Parabéns, o país está “andando”.

Aos que se aliaram ao que há de pior na política (Bolsonaro e afins) para afastar a presidenta incompetente, peço que vejam as pesquisas para as eleições municipais deste ano para ver o que está acontecendo no Brasil. Em São Paulo, lidera Celso Russomano, com grande chances de ter o empresário João Doria Jr. como seu concorrente no segundo turno. No Rio, lidera o bispo Marcelo Crivella, com altas possibilidades de Flávio Bolsonaro enfrentá-lo no segundo turno. A crise política está acabando com Dilma. A crise moral e social está apenas começando. Uma crise econômica dura mais ou menos 5 anos. Uma crise moral e social costuma durar décadas.