segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

GONÇALVES x GONÇALVES


Há uma nova discussão nos almoços dominicais brasileiros nas últimas semanas: os presídios e seus moradores. As maiores facções criminosas do país estão em pé de guerra e o ditado “cabeças vão rolar” está presente de forma literal, infelizmente.

Muitas pessoas pensam naqueles episódios como tenebrosa barbárie, como uma excelente forma de extinguir vilões, ou até como o “acidente” de Michel Temer. A falta de capacidade do estado de custodiar as pessoas que infringem a lei é apenas um acidente para o governo federal. A declaração de impotência passada a cada rebelião me dá medo: se o estado não consegue cuidar de pessoas confinadas em um prédio, como cuida das ruas, dos hospitais, das escolas, do país?

O objetivo desse texto não é mostrar a óbvia má condição em que cidadãos criminosos estão vivendo nos presídios brasileiros, mas a diferença de tratamento que existe entre cidadãos criminosos e cidadãos criminosos. O que difere esses dois seres não são as letras com o que escrevemos “cidadãos criminosos”, já que são iguais, mas a diferença de tratamento da justiça brasileira perante o nome de cada cidadão criminoso que encabeça o inquérito.
Pouco mais de 40% dos presos brasileiros são temporários. Essas são as pessoas que a justiça coloca na cadeia enquanto caminha com passos de formiga e sem vontade. O juiz entende que aquele cidadão, se solto, pode cometer outros crimes, atrapalhar as investigações ou fugir. É um dispositivo justo e necessário. O problema é que no Brasil os presos temporários são esquecidos em cadeias por anos antes de um julgamento em que podem até ser inocentados.

Edmilson Gonçalves dos Santos, mecânico, morador de Salvador. Preso em 2014 pelo estupro de sua enteada Lanara de 17 anos, que na época da denúncia tinha 12. O pai biológico da menina denunciou Edmilson pelo estupro, com a ajuda e testemunho dela. A cronologia é interessante: Em 2009 Lanara, acompanhada do pai biológico, denuncia Edmilson pelo crime de estupro. Em 2012 Lanara vai ao Ministério Público baiano para dizer que era tudo mentira, que foi influenciada pelo seu pai na tentativa de separar a mãe de Lanara do padrasto e que nunca houve estupro. Pelo o que consta, essa nova versão nunca foi anexada ao processo. Em maio de 2014 acontece a prisão de Edmilson, enquanto trabalhava em sua oficina mecânica, logo após a divulgação da sentença de 10 anos em regime fechado. Três meses depois o advogado de Edmilson consegue um pedido de revisão e a jovem reitera em juízo que não houve crime, que havia sido influenciada por seu pai. O pedido de revisão foi aceito e o mecânico foi julgado novamente em 2016, onde inacreditavelmente os desembargadores do TJ- BA decidiram manter a pena. A defesa recorrerá ao STF.

Rodolpho Gonçalves Carlos da Silva, estudante, morador de João Pessoa. Na madrugada de sexta (20) para sábado (21) ele era o motorista de um Porsche branco que atropelou e matou um agente do Detran na capital paraibana durante uma blitz da lei seca. Ele fugiu do local do crime e só pôde ser reconhecido pela placa do veículo que se desprendeu com o impacto de um bloco de metal contra o corpo de Diogo Nascimento. A justiça de primeira instância decretou a prisão de Rodolpho às 20h do sábado, dia 21. Os advogados do estudante nem chegaram a ser notificados, mas prontamente redigiram o habeas corpus que foi deferido pelo desembargador Joás de Brito Pereira Filho às 3 da manhã de domingo. Rodolpho é neto do ex-senador e ex-governador da Paraíba José Carlos da Silva Júnior. A família de Rodolpho é dona da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo, e proprietária do Grupo São Braz.

A semelhança entre os dos casos fica apenas no sobrenome do acusado. Edmilson alega que foi torturado na penitenciária por 16 homens e que ficou dias sangrando pela boca e ouvido. Diz também que não sofreu violência sexual, mas não sei se diz a verdade ou se ainda tenta salvar o pouco de dignidade que a justiça brasileira o deixou, já que caso o relato de Lanara tivesse sido levado em conta em 2012 a prisão nem teria ocorrido. É incongruente, mas o Gonçalves pobre teve sorte, já que se os “acidentes” ocorridos nos presídios do norte e nordeste do país tivessem acontecido no pavilhão 4 da penitenciária Lemos de Brito (BA) ele seria apenas mais uma cabeça rolando no Whatsapp de pessoas sedentas de uma justiça tão contraditória quanto a sorte de Edmilson.

Ainda é cedo para definir o futuro do Gonçalves rico, mas ele está muito mais próximo do de Thor Batista do que o de Edmilson, que ainda deve cumprir 8 anos por um crime que nem cometeu.

"Você pode julgar a sociedade pelo quão bem ela trata seus prisioneiros."
(Dostoiévski)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O jeito Doria de governar, a publicidade e a pós-verdade



“Um bom publicitário consegue vender até Cheetos”. Ouvi esta frase na época do cursinho de um professor cujo nome eu não me recordo. Em seguida, ele disse algo do tipo “Cheetos é ruim e fedido, mas as pessoas compram pela forma como é vendido”.
Os cinco primeiros dias da gestão Doria já deixam clara a forma de governar do novo prefeito.  Embora, obviamente, não possamos ainda julgar o seu governo com base em resultados, já se percebe que esta gestão dará um grande foco na divulgação de qualquer ação, seja ela presente ou futura. Até mesmo para vender “Cheetos”.
Doria é publicitário e acredita que a publicidade seja a alma do negócio. A Prefeitura de SP já triplicou para o orçamento de 2017 os gastos com publicidade. Sem alarde, claro. Divulga-se com festa e frases de efeito que se cortarão R$ 10 milhões em gastos com carros oficiais para se esconder o aumento de R$ 200 milhões em publicidade. Doria sabe que o grande público não acompanha coisas com tanta atenção assim.
Ações simbólicas e midiáticas são preocupações de todos os governos que SP já teve, sejamos justos. Seja Haddad andando de bicicleta para inaugurar ciclovias, Maluf colocando chapéu de engenheiro para acompanhar alguma obra faraônica superfaturada ou Jânio acordando cedo para multar carros, todos fizeram isto. Mas nenhum no dia seguinte à posse, dando clara demonstração da importância que isto terá.
Vivemos na era das aparências e este tipo de simbolismo conta mais do que qualquer coisa. Quase ninguém está realmente preocupado em analisar a fundo qualquer assunto. Doria, o publicitário, vende-se como um produto e os consumidores estão adorando o que veem. No primeiro dia de governo, tirou uma foto vestido de gari e com uma vassoura, fez todos os seus secretários fazerem o mesmo e organizou uma super faxina na Av. Nove de Julho. Alguns me perguntaram por que, afinal, esta limpeza foi realizada durante o dia e não durante a noite? Porque é fundamental que o consumidor veja o produto funcionando. Quantas pessoas não comentaram “olha, o prefeito já começou trabalhando” ao ver a quantidade de trabalhadores limpando a avenida? Muitas. Quantas pessoas perguntaram se aquela avenida precisava de tanta atenção preferencial? Poucas. De madrugada ninguém veria. O que importa é que é um local central e em que passa muita gente, recebendo muita atenção da mídia. A principal qualidade desta ação teria sido suscitar um debate sobre a situação dos garis na cidade de SP, mas nossa sociedade é individualista demais para se importar com isto. Não estava na pauta do show.
No mesmo dia em que não cumpriu a promessa de congelar os preços do transporte público, Doria divulgou que secretários que chegassem atrasados a eventos levariam multas de R$ 200 e R$ 400. Também anunciou que fará visitas surpresas a estabelecimentos públicos para ver se o pessoal está trabalhando mesmo. Festa entre seus consumidores, especialmente os de classe média, que acham que funcionário público é “tudo vagabundo”. Poucas coisas alegram mais o grande público hoje em dia do que punição, seja ela justa ou não. Para cada má notícia ou promessa não cumprida, uma ação simbólica que agrade o público alienado.
O novo prefeito já deu sinais de autoritarismo e paranoia. Mas isto não é um problema, somos uma sociedade de autoritários e paranoicos, afinal. O prefeito nos representa. Obrigar secretários a trabalhar de branco está longe de ser um defeito no show de Doria. Durante a campanha, foi cobrar um médico num hospital municipal por horário de forma arrogante e ganhou votos com isto. Em seu governo, podemos esperar mais deste show. Uma versão gigante do Aprendiz.
Doria é apoiado pelo MBL, que em seu site postou esta semana a seguinte notícia: “Doria já fez mais em quatro dias do que Haddad em quatro anos”. Ao ler a manchete, cliquei na notícia e dois eram os exemplos. Dizia-se que Doria havia liberado a entrada de animais em albergues, facilitando portanto a entrada dos moradores de rua, e que havia feito um convênio com a Accor para que esta empresa decorasse os quartos destes abrigos. Sobre a primeira notícia, é simplesmente falsa. A liberação de animais nos albergues foi feita em 29/07/16, na gestão passada. Sobre a segunda, é aparentemente uma excelente ideia, no entanto ainda não foi feita. A notícia teve 40 mil compartilhamentos. A verdade, e os publicitários sabem disso como ninguém, é hoje um conceito que pode ser inventado. Repete-se algo até que vire verdade. Quantas pessoas neste momento não acham e repetem com convicção que Doria liberou a entrada de animais em albergues? A linha que separa verdade e mentira no mundo das redes sociais é mais tênue do que nunca. Como ninguém está disposto a investigar fatos, basta falar algo que as pessoas queiram acreditar, de preferência em poucas linhas, e esperar os compartilhamentos. O Antagonista que o diga.
Doria anunciou que reduzirá unilateralmente o valor de todos os contratos da prefeitura em 15%. Festa. Como fará isso? Ninguém está interessado em saber. Isto resultará em queda na qualidade dos serviços e em demissões? Ninguém está interessado em perguntar. Antes que apareça algum questionamento a isto, um novo factoide surgirá. Todo dia uma novidade, para manter boas notícias no foco e impedir qualquer reflexão e questionamento.

Disse Antoine de Saint-Exupéry no Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos. Enquanto promessas não são cumpridas, festas são feitas porque o prefeito disse que gosta de acordar de madrugada. Como dito, ainda é cedo para saber no que resultarão as ações de Doria. Mas a forma de governar já está dada. Slogans, frases fáceis e factoides apoiados pela parcela mais conservadora da mídia. A primeira gestão da era da pós-verdade.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Umanizzare - A empresa que gere o presídio privatizado do massacre de Manaus



A empresa que gere o Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus se chama Umanizzare. A sede é em SP, na Avenida Faria Lima, e faz a gestão total de oito presídios, sendo seis no AM e dois em TO. Recebeu em 2014 um total de R$ 137 milhões do governo do AM para a gestão destes seis presídios. Os agentes desta empresa realizaram uma greve de um dia em um dos presídios de TO em outubro do ano passado, reivindicando segurança e treinamento após um princípio de rebelião. Abaixo há um link para esta matéria. O governador do AM que fechou o contrato com a Umanizzare é Omar Aziz, hoje senador pelo PSD.


Na época do fechamento do contrato com a Umanizzare, o presidente do sindicato dos servidores penitenciários do AM entrou com uma representação no Ministério Público do Estado, argumentando que a Umanizzare seria a mesma empresa que já comandava os presídios do Estado desde 2003, mudando apenas de nome e CNPJ após um escândalo. O link também pode ser encontrado após este parágrafo



O CEO da Umanizzare à época era Luiz Gastão Bitencourt, hoje presidente da Federação de Comércio do Estado do CE e considerado proprietário atual da empresa, candidato em 2008 a vereador em Fortaleza pelo PPS. Resumindo, a Umanizzare é uma empresa pertencente a um industrial que mora no CE, situada em SP, que misteriosamente ganha todas as licitações para presídios no AM. E aparentemente a grande mídia não está interessada em investigar isto.