“Um bom publicitário consegue
vender até Cheetos”. Ouvi esta frase na época do cursinho de um professor cujo
nome eu não me recordo. Em seguida, ele disse algo do tipo “Cheetos é ruim e
fedido, mas as pessoas compram pela forma como é vendido”.
Os cinco primeiros dias da gestão
Doria já deixam clara a forma de governar do novo prefeito. Embora, obviamente, não possamos ainda julgar
o seu governo com base em resultados, já se percebe que esta gestão dará um
grande foco na divulgação de qualquer ação, seja ela presente ou futura. Até
mesmo para vender “Cheetos”.
Doria é publicitário e acredita
que a publicidade seja a alma do negócio. A Prefeitura de SP já triplicou para
o orçamento de 2017 os gastos com publicidade. Sem alarde, claro. Divulga-se
com festa e frases de efeito que se cortarão R$ 10 milhões em gastos com carros
oficiais para se esconder o aumento de R$ 200 milhões em publicidade. Doria
sabe que o grande público não acompanha coisas com tanta atenção assim.
Ações simbólicas e midiáticas são
preocupações de todos os governos que SP já teve, sejamos justos. Seja Haddad
andando de bicicleta para inaugurar ciclovias, Maluf colocando chapéu de
engenheiro para acompanhar alguma obra faraônica superfaturada ou Jânio
acordando cedo para multar carros, todos fizeram isto. Mas nenhum no dia
seguinte à posse, dando clara demonstração da importância que isto terá.
Vivemos na era das aparências e
este tipo de simbolismo conta mais do que qualquer coisa. Quase ninguém está realmente
preocupado em analisar a fundo qualquer assunto. Doria, o publicitário, vende-se
como um produto e os consumidores estão adorando o que veem. No primeiro dia de
governo, tirou uma foto vestido de gari e com uma vassoura, fez todos os seus
secretários fazerem o mesmo e organizou uma super faxina na Av. Nove de Julho.
Alguns me perguntaram por que, afinal, esta limpeza foi realizada durante o dia
e não durante a noite? Porque é fundamental que o consumidor veja o produto
funcionando. Quantas pessoas não comentaram “olha, o prefeito já começou
trabalhando” ao ver a quantidade de trabalhadores limpando a avenida? Muitas.
Quantas pessoas perguntaram se aquela avenida precisava de tanta atenção
preferencial? Poucas. De madrugada ninguém veria. O que importa é que é um
local central e em que passa muita gente, recebendo muita atenção da mídia. A principal
qualidade desta ação teria sido suscitar um debate sobre a situação dos garis
na cidade de SP, mas nossa sociedade é individualista demais para se importar
com isto. Não estava na pauta do show.
No mesmo dia em que não cumpriu a
promessa de congelar os preços do transporte público, Doria divulgou que
secretários que chegassem atrasados a eventos levariam multas de R$ 200 e R$
400. Também anunciou que fará visitas surpresas a estabelecimentos públicos
para ver se o pessoal está trabalhando mesmo. Festa entre seus consumidores,
especialmente os de classe média, que acham que funcionário público é “tudo
vagabundo”. Poucas coisas alegram mais o grande público hoje em dia do que
punição, seja ela justa ou não. Para cada má notícia ou promessa não cumprida,
uma ação simbólica que agrade o público alienado.
O novo prefeito já deu sinais de
autoritarismo e paranoia. Mas isto não é um problema, somos uma sociedade de
autoritários e paranoicos, afinal. O prefeito nos representa. Obrigar
secretários a trabalhar de branco está longe de ser um defeito no show de
Doria. Durante a campanha, foi cobrar um médico num hospital municipal por
horário de forma arrogante e ganhou votos com isto. Em seu governo, podemos
esperar mais deste show. Uma versão gigante do Aprendiz.
Doria é apoiado pelo MBL, que em
seu site postou esta semana a seguinte notícia: “Doria já fez mais em quatro
dias do que Haddad em quatro anos”. Ao ler a manchete, cliquei na notícia e
dois eram os exemplos. Dizia-se que Doria havia liberado a entrada de animais
em albergues, facilitando portanto a entrada dos moradores de rua, e que havia
feito um convênio com a Accor para que esta empresa decorasse os quartos destes
abrigos. Sobre a primeira notícia, é simplesmente falsa. A liberação de animais
nos albergues foi feita em 29/07/16, na gestão passada. Sobre a segunda, é
aparentemente uma excelente ideia, no entanto ainda não foi feita. A notícia
teve 40 mil compartilhamentos. A verdade, e os publicitários sabem disso como
ninguém, é hoje um conceito que pode ser inventado. Repete-se algo até que vire
verdade. Quantas pessoas neste momento não acham e repetem com convicção que
Doria liberou a entrada de animais em albergues? A linha que separa verdade e
mentira no mundo das redes sociais é mais tênue do que nunca. Como ninguém está
disposto a investigar fatos, basta falar algo que as pessoas queiram acreditar,
de preferência em poucas linhas, e esperar os compartilhamentos. O Antagonista
que o diga.
Doria anunciou que reduzirá
unilateralmente o valor de todos os contratos da prefeitura em 15%. Festa. Como
fará isso? Ninguém está interessado em saber. Isto resultará em queda na
qualidade dos serviços e em demissões? Ninguém está interessado em perguntar.
Antes que apareça algum questionamento a isto, um novo factoide surgirá. Todo
dia uma novidade, para manter boas notícias no foco e impedir qualquer reflexão
e questionamento.
Disse Antoine de Saint-Exupéry no
Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos. Enquanto promessas não
são cumpridas, festas são feitas porque o prefeito disse que gosta de acordar de
madrugada. Como dito, ainda é cedo para saber no que resultarão as ações de
Doria. Mas a forma de governar já está dada. Slogans, frases fáceis e factoides
apoiados pela parcela mais conservadora da mídia. A primeira gestão da era da
pós-verdade.
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