sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O jeito Doria de governar, a publicidade e a pós-verdade



“Um bom publicitário consegue vender até Cheetos”. Ouvi esta frase na época do cursinho de um professor cujo nome eu não me recordo. Em seguida, ele disse algo do tipo “Cheetos é ruim e fedido, mas as pessoas compram pela forma como é vendido”.
Os cinco primeiros dias da gestão Doria já deixam clara a forma de governar do novo prefeito.  Embora, obviamente, não possamos ainda julgar o seu governo com base em resultados, já se percebe que esta gestão dará um grande foco na divulgação de qualquer ação, seja ela presente ou futura. Até mesmo para vender “Cheetos”.
Doria é publicitário e acredita que a publicidade seja a alma do negócio. A Prefeitura de SP já triplicou para o orçamento de 2017 os gastos com publicidade. Sem alarde, claro. Divulga-se com festa e frases de efeito que se cortarão R$ 10 milhões em gastos com carros oficiais para se esconder o aumento de R$ 200 milhões em publicidade. Doria sabe que o grande público não acompanha coisas com tanta atenção assim.
Ações simbólicas e midiáticas são preocupações de todos os governos que SP já teve, sejamos justos. Seja Haddad andando de bicicleta para inaugurar ciclovias, Maluf colocando chapéu de engenheiro para acompanhar alguma obra faraônica superfaturada ou Jânio acordando cedo para multar carros, todos fizeram isto. Mas nenhum no dia seguinte à posse, dando clara demonstração da importância que isto terá.
Vivemos na era das aparências e este tipo de simbolismo conta mais do que qualquer coisa. Quase ninguém está realmente preocupado em analisar a fundo qualquer assunto. Doria, o publicitário, vende-se como um produto e os consumidores estão adorando o que veem. No primeiro dia de governo, tirou uma foto vestido de gari e com uma vassoura, fez todos os seus secretários fazerem o mesmo e organizou uma super faxina na Av. Nove de Julho. Alguns me perguntaram por que, afinal, esta limpeza foi realizada durante o dia e não durante a noite? Porque é fundamental que o consumidor veja o produto funcionando. Quantas pessoas não comentaram “olha, o prefeito já começou trabalhando” ao ver a quantidade de trabalhadores limpando a avenida? Muitas. Quantas pessoas perguntaram se aquela avenida precisava de tanta atenção preferencial? Poucas. De madrugada ninguém veria. O que importa é que é um local central e em que passa muita gente, recebendo muita atenção da mídia. A principal qualidade desta ação teria sido suscitar um debate sobre a situação dos garis na cidade de SP, mas nossa sociedade é individualista demais para se importar com isto. Não estava na pauta do show.
No mesmo dia em que não cumpriu a promessa de congelar os preços do transporte público, Doria divulgou que secretários que chegassem atrasados a eventos levariam multas de R$ 200 e R$ 400. Também anunciou que fará visitas surpresas a estabelecimentos públicos para ver se o pessoal está trabalhando mesmo. Festa entre seus consumidores, especialmente os de classe média, que acham que funcionário público é “tudo vagabundo”. Poucas coisas alegram mais o grande público hoje em dia do que punição, seja ela justa ou não. Para cada má notícia ou promessa não cumprida, uma ação simbólica que agrade o público alienado.
O novo prefeito já deu sinais de autoritarismo e paranoia. Mas isto não é um problema, somos uma sociedade de autoritários e paranoicos, afinal. O prefeito nos representa. Obrigar secretários a trabalhar de branco está longe de ser um defeito no show de Doria. Durante a campanha, foi cobrar um médico num hospital municipal por horário de forma arrogante e ganhou votos com isto. Em seu governo, podemos esperar mais deste show. Uma versão gigante do Aprendiz.
Doria é apoiado pelo MBL, que em seu site postou esta semana a seguinte notícia: “Doria já fez mais em quatro dias do que Haddad em quatro anos”. Ao ler a manchete, cliquei na notícia e dois eram os exemplos. Dizia-se que Doria havia liberado a entrada de animais em albergues, facilitando portanto a entrada dos moradores de rua, e que havia feito um convênio com a Accor para que esta empresa decorasse os quartos destes abrigos. Sobre a primeira notícia, é simplesmente falsa. A liberação de animais nos albergues foi feita em 29/07/16, na gestão passada. Sobre a segunda, é aparentemente uma excelente ideia, no entanto ainda não foi feita. A notícia teve 40 mil compartilhamentos. A verdade, e os publicitários sabem disso como ninguém, é hoje um conceito que pode ser inventado. Repete-se algo até que vire verdade. Quantas pessoas neste momento não acham e repetem com convicção que Doria liberou a entrada de animais em albergues? A linha que separa verdade e mentira no mundo das redes sociais é mais tênue do que nunca. Como ninguém está disposto a investigar fatos, basta falar algo que as pessoas queiram acreditar, de preferência em poucas linhas, e esperar os compartilhamentos. O Antagonista que o diga.
Doria anunciou que reduzirá unilateralmente o valor de todos os contratos da prefeitura em 15%. Festa. Como fará isso? Ninguém está interessado em saber. Isto resultará em queda na qualidade dos serviços e em demissões? Ninguém está interessado em perguntar. Antes que apareça algum questionamento a isto, um novo factoide surgirá. Todo dia uma novidade, para manter boas notícias no foco e impedir qualquer reflexão e questionamento.

Disse Antoine de Saint-Exupéry no Pequeno Príncipe que o essencial é invisível aos olhos. Enquanto promessas não são cumpridas, festas são feitas porque o prefeito disse que gosta de acordar de madrugada. Como dito, ainda é cedo para saber no que resultarão as ações de Doria. Mas a forma de governar já está dada. Slogans, frases fáceis e factoides apoiados pela parcela mais conservadora da mídia. A primeira gestão da era da pós-verdade.

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