“É melhor do que nada”. É desta
forma que a maior parte dos eleitores de João Doria Jr. que conheço defende a
sua principal proposta para a área da saúde. O candidato pretende pagar
hospitais particulares no período da madrugada para alocar aqueles pacientes
que ainda não conseguiram ser atendidos no setor público. A campanha de Doria
teve até o momento muitas situações em que fica clara a visão da elite
paulistana, representada por este candidato, sobre o funcionamento do serviço
público para os mais pobres, mas nenhuma foi mais clara do que esta.
Como uma patroa que se sente indo
para o céu ao doar roupas velhas que não quer mais para a empregada, a solução
de Doria é permitir aos pobres utilizar os mesmos hospitais dos ricos, mas nos
horários que estes acham inadequados. Mais do que isto, acredita esta visão que
os usuários destes serviços devem ficar felizes e gratos por este tipo de
atendimento, uma vez que é “melhor do que nada”. Se não existissem os CEUs,
muito provavelmente a proposta de Doria para resolver a educação na cidade
seria colocar os alunos da periferia para estudar nas escolas particulares das
regiões mais ricas no horário da madruga. O argumento dos defensores dessa
sugestão seria dizer que é “melhor do que nada”. A proposta de Doria não apenas
acredita que basta àqueles que precisam do serviço público o “resto” do que não
é aproveitado pelo mais ricos no setor privado, como garante maior lucro aos
empresários da saúde, que poderão alugar seus equipamentos no horário noturno ao
Estado. Como as pessoas chegarão da periferia aos hospitais particulares das
regiões centrais de madrugada, se o transporte público não funciona neste
horário? Doria nunca responderá isto publicamente, mas muito provavelmente pensará
algo do tipo, “Ah, aí já é querer demais.”
Nada até o momento foi mais
marcante na eleição municipal de São Paulo do que a falta de conhecimento de
Doria sobre a cidade. A quantidade de informações erradas ditas pelo candidato,
seja por má fé ou por simples ignorância, é gritante. No último debate
realizado na Rede TV, vimos dois exemplos claros deste desconhecimento. Ao
questionar a candidata Marta Suplicy, o candidato tucano disse que a ex-petista
não entregou nenhuma UBS em sua gestão. Foram 59. Cinquenta e nove. Não foram
uma ou duas. Foram cinquenta e nove. Em outro momento, debatendo com Fernando
Haddad, Doria disse que era um absurdo que nenhuma linha de ônibus funcionasse
de madrugada. Já há várias linhas funcionando neste horário. Por fim, mostrou-se
contra a proposta de Erundina de aumento de impostos para os mais ricos,
dizendo que esta camada “já paga mais impostos”. Interessante que ele não quis
usar o verbo “nós” ao falar esta frase, mas independentemente disso, mais uma
informação falsa. A maior parte da carga tributária brasileira está em bens e
serviços e não na renda. A maior parte dos rendimentos dos ricos vem de lucros
e dividendos, que possuem alíquota tributária zero. É por isso que os mais
pobres pagam uma parcela maior da sua renda em tributos do que os mais ricos.
Fica claro que a arrogância de
Doria o impede, em alguns assuntos, de estudar os problemas da cidade. Típico
empresário paulistano bem-sucedido nos negócios, ele é muito provavelmente
cercado de bajuladores que só sabem elogiar, fazendo com que o ego do tucano
esteja sempre afagado. Não sei se nos três exemplos acima Doria mentiu
deliberadamente. Acredito que no caso da carga tributária sim, mas no exemplo
das UBS de Marta e dos ônibus noturnos de Haddad, possivelmente ele apenas não
saiba. E o pior, não sabe achando que sabe. Há alguns meses, o tucano disse em
diversas entrevistas que um dos seus primeiros atos seria acabar com o
fechamento da Av. Paulista aos domingos. Ao visitá-la neste dia da semana,
porém, mudou de ideia. Disse que gostou da “vibe”. Esta experiência deveria
ensiná-lo a conhecer melhor a cidade antes de fazer propostas. Mas isto não
aconteceu.
Para Doria, administrar o Estado
significa destruí-lo e repassar suas funções aos seus colegas do setor privado.
Por isso, defende a privatização do Autódromo de Interlagos e do Pacaembu,
achando que é o primeiro a ter esta ideia. Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra
e Gilberto Kassab já foram prefeitos, por que não fizeram isto antes? Ainda
mais no caso do estádio do Pacambu, em que tínhamos o maior clube da cidade sem
estádio. Há razões para isto. Falando primeiramente do Pacaembu, trata-se de um
local tombado, portanto nenhuma construtora poderia derrubá-lo para construir
prédios. Os três times grandes da capital já possuem estádio, então nenhum
deles estaria interessado. Nenhuma outra empresa de eventos estaria também
interessada em comprá-lo, uma vez que shows são proibidos no local em horário
noturno. Quem compraria então? A resposta é a mesma que impediu Maluf de
concretizar a venda nos anos 1990, a Igreja Universal do Reino de Deus. Edir
Macedo sonha em transformar o antigo estádio municipal em templo e já era claro
mesmo há 20 anos que ele ganharia o leilão, mesmo com o poderoso Corinthians
interessado. A questão neste caso é, portanto, a Prefeitura deve procurar
alguma forma de tornar o Pacaembu viável ou deve permitir que vire um templo da Universal? É isto que está
em jogo. No caso de Interlagos, o Autódromo é responsável pelo evento mais
lucrativo para a cidade, a Fórmula 1, além de ser uma opção de lazer para os
moradores da região. Caso seja privatizado, obrigaria a Prefeitura a pagar um
aluguel para garantir o espaço para este evento, caso contrário o comprador
usaria o espaço para construção de prédios. Quanto a cidade perderia sem este
evento? Quais opções de lazer os moradores da região teriam no lugar? Esta é a
verdadeira discussão.
Além destas duas propostas, o
tucano veio com mais duas ideias de privatizações que nenhum jornalista
funcionário de empresas de mídia cujos chefes participam alegremente dos
eventos patrocinados pela LIDE, empresa de Doria, quiseram questionar: a
privatização de faixas de ônibus e do serviço funerário da cidade. Como
privatizar uma faixa específica de uma rua? Vai ter pedágio? O que fazer com
quem morrer e não puder pagar o funeral? Deixar num canto? Ou pagar pra empresa
privada enterrar? Aparentemente ninguém quer saber.
A candidatura de Doria representa
a pá de cal no que havia de resquício de socialdemocracia no PSDB. Uma atitude
irresponsável de Alckmin, que interessado em garantir verba dos grandes
empresários em sua possível candidatura presidencial em 2018, pode colocar a
administração da cidade nas mãos de um empresário arrogante e egocêntrico,
capaz de agradar àqueles eleitores que tem como única prioridade o ódio ao PT.
Por fim, há outra proposta de
Doria que é muito simbólica sobre o perfil de seu eleitorado. Ele quer
“reestatizar” o Controlar, tornando gratuita a revisão obrigatória de veículos.
O eleitor de Doria não se preocupa muito em perder áreas de lazer como
Interlagos para o setor privado. Mas não quer pagar a taxa de revisão do seu
automóvel, acha que isto sim deve ser função do Estado. No fundo, o carro é a
única coisa com a qual ele se preocupa. E o resto? Pode ser “melhor do que
nada”.
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