Após o caos democrático concretizado nesta semana com o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff, muitos procuram encontrar explicações
para o fato do Brasil ter tido dois processos semelhantes num intervalo de
tempo de apenas 24 anos. Desde a redemocratização, foram quatro presidentes
eleitos e dois afastados desta forma. O culpado mais fácil seria o
Presidencialismo, sendo a sua substituição pelo Parlamentarismo a solução mais
óbvia.
O parlamentarismo, porém, está longe de ser garantia de
estabilidade política. Itália e Japão, por exemplo, tiveram quase um
primeiro-ministro por ano desde a Segunda Guerra Mundial. O próprio Brasil, em
sua única experiência parlamentarista, teve três primeiros-ministros em apenas
18 meses. Nos locais em que o parlamentarismo é estável, como no Reino Unido e
na Alemanha, isto se dá mais pelo pequeno número de partidos relevantes,
praticamente dois e quatro, respectivamente, do que pelo modelo de governo. A
conclusão que podemos chegar, portanto, é que a instabilidade política no
Brasil se deve mais ao número de partidos (35, sendo que 28 têm representação
no Congresso) do que ao modelo de governo. O PT, partido que mais deputados
elegeu na última eleição, formava apenas 13% da representação, tendo que fazer
inúmeras alianças para alcançar a metade necessária para governar. Temos que
lembrar, contudo, que o Brasil possui uma sociedade muito mais densa e complexa
do que os dois exemplos citados, sendo necessário um número maior de partidos
para garantir algo que é tão ou mais importante do que a governabilidade, a
representatividade. Temos um problema causado pelo número de partidos, mas
temos que resolvê-lo sem prejudicar a garantia de que todas as minorias tenham
chance de representação.
O maior problema do Brasil, porém, que é a causa deste caos
todo, é que no fundo não damos, como sociedade, prioridade a valores
democráticos. Costumamos, especialmente naquilo que chamo de tecnocracia
(economistas e jornalistas da grande mídia, por exemplo) priorizar a economia
em detrimento da democracia. Aceitamos tranquilamente que um governo com o qual
não concordamos quanto à gestão econômica sofra um processo de impeachment e
seja substituído por outro que represente valores derrotados pela maioria nas
urnas, desde que isto signifique que o projeto com o qual concordamos chegue ao
poder. Nossa sociedade acha de certa forma normal que o projeto tucano, por
exemplo, chegue ao poder através de Temer, mesmo tendo sido derrotado quatro
vezes consecutivas nas urnas, uma vez que isto poderia estancar a crise econômica.
E isto vale para os dois lados, o PT possivelmente faria
a mesma coisa se a crise atingisse um governo tucano. Lembro que o PT pediu o
impeachment de FHC em março de 1995, apenas três meses após a posse, embora no
caso petista há o atenuante de que era claro que este processo não seria
aprovado. Foi mais uma jogada estratégica de marcar território e não pode ser
colocado no mesmo patamar do pedido atual, que causou estas consequências
trágicas. Nos locais em que a democracia se mostra estável, a vontade da
maioria (valor democrático) está acima de qualquer valor econômico. Exemplifico
mais uma vez com o Reino Unido e seu Brexit, cuja consequência econômica
negativa é gigantesca (a libra desvalorizou 25% desde então). No entanto, quase
ninguém da chamada tecnocracia por lá questiona a validade do seu resultado ou
busca formas de não realizar o que foi decidido pela maioria. Usando os EUA
como outro exemplo, não houve uma movimentação por um pedido de impeachment
quando o governo Bush derreteu a economia e mesmo a Fox News, pesada opositora
da gestão Obama, cogitava a possibilidade de afastamento do mesmo em suas
críticas diárias. Impeachment em países com valores democráticos fortes é coisa
séria. Por aqui, não há nenhuma vergonha em se impor coisas que a urna não
aprovou. Por exemplo, o projeto de governo que apoiava uma reforma da
previdência foi rejeitado nas urnas, chegou ao poder através desse impeachment
e isto não causa nenhum desconforto ao grupo que a apoia. Pelo contrário, eles
acham que a maioria não é capaz de saber o que é melhor o país e que esta
imposição é válida. O maior legado negativo desta loucura que vivemos, a meu
ver, é que ficou claro que no Brasil nenhum governo sobreviverá a uma crise
econômica. Enquanto nossa tecnocracia intelectualizada não priorizar valores
democráticos e respeito à vontade da maioria em relação a resultados
econômicos, viveremos nesta instabilidade.
O próximo passo dos tecnocratas e dos golpistas, a meu ver,
será o apoio à implantação do Parlamentarismo no Brasil. Rejeitados duas vezes
pelas urnas, este modelo de governo tornará mais difícil que alguém que
desagrade ao empresariado que financia esta tecnocracia de chegar ao poder.
Retirará da maioria a possibilidade de escolha do chefe do Executivo. Em nosso
multipartidarismo, dará a chance ao centrão fisiológico de se unir eternamente,
dividindo o poder entre si até formar os 50% + 1 necessários no Congresso.
Caberá à mesma tecnocracia fazer o trabalho sujo de convencer a classe média, a
serviço dos seus chefes, que isto é necessário e democrático. Já fizeram isto
no convencimento desta mesma classe de que o maior problema do Brasil, um dos
países com maior desigualdade do mundo, é a carga tributária. Aqueles que não
estudam um assunto a sério repetem muito facilmente o que foi dito por um
“especialista”. Um momento ontem me deixou claro a forma como esta tecnocracia
entende o funcionamento do país. William Waack entrevistava um especialista
econômico X e o assunto era a já citada Reforma da Previdência. Segundo eles,
esta reforma tem que acontecer de qualquer jeito. Repito, de qualquer jeito...
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