quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O Parlamentarismo, a Tecnocracia e o Golpe



Após o caos democrático concretizado nesta semana com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, muitos procuram encontrar explicações para o fato do Brasil ter tido dois processos semelhantes num intervalo de tempo de apenas 24 anos. Desde a redemocratização, foram quatro presidentes eleitos e dois afastados desta forma. O culpado mais fácil seria o Presidencialismo, sendo a sua substituição pelo Parlamentarismo a solução mais óbvia.
O parlamentarismo, porém, está longe de ser garantia de estabilidade política. Itália e Japão, por exemplo, tiveram quase um primeiro-ministro por ano desde a Segunda Guerra Mundial. O próprio Brasil, em sua única experiência parlamentarista, teve três primeiros-ministros em apenas 18 meses. Nos locais em que o parlamentarismo é estável, como no Reino Unido e na Alemanha, isto se dá mais pelo pequeno número de partidos relevantes, praticamente dois e quatro, respectivamente, do que pelo modelo de governo. A conclusão que podemos chegar, portanto, é que a instabilidade política no Brasil se deve mais ao número de partidos (35, sendo que 28 têm representação no Congresso) do que ao modelo de governo. O PT, partido que mais deputados elegeu na última eleição, formava apenas 13% da representação, tendo que fazer inúmeras alianças para alcançar a metade necessária para governar. Temos que lembrar, contudo, que o Brasil possui uma sociedade muito mais densa e complexa do que os dois exemplos citados, sendo necessário um número maior de partidos para garantir algo que é tão ou mais importante do que a governabilidade, a representatividade. Temos um problema causado pelo número de partidos, mas temos que resolvê-lo sem prejudicar a garantia de que todas as minorias tenham chance de representação.
O maior problema do Brasil, porém, que é a causa deste caos todo, é que no fundo não damos, como sociedade, prioridade a valores democráticos. Costumamos, especialmente naquilo que chamo de tecnocracia (economistas e jornalistas da grande mídia, por exemplo) priorizar a economia em detrimento da democracia. Aceitamos tranquilamente que um governo com o qual não concordamos quanto à gestão econômica sofra um processo de impeachment e seja substituído por outro que represente valores derrotados pela maioria nas urnas, desde que isto signifique que o projeto com o qual concordamos chegue ao poder. Nossa sociedade acha de certa forma normal que o projeto tucano, por exemplo, chegue ao poder através de Temer, mesmo tendo sido derrotado quatro vezes consecutivas nas urnas, uma vez que isto poderia estancar a crise econômica. E isto vale para os dois lados, o PT possivelmente faria a mesma coisa se a crise atingisse um governo tucano. Lembro que o PT pediu o impeachment de FHC em março de 1995, apenas três meses após a posse, embora no caso petista há o atenuante de que era claro que este processo não seria aprovado. Foi mais uma jogada estratégica de marcar território e não pode ser colocado no mesmo patamar do pedido atual, que causou estas consequências trágicas. Nos locais em que a democracia se mostra estável, a vontade da maioria (valor democrático) está acima de qualquer valor econômico. Exemplifico mais uma vez com o Reino Unido e seu Brexit, cuja consequência econômica negativa é gigantesca (a libra desvalorizou 25% desde então). No entanto, quase ninguém da chamada tecnocracia por lá questiona a validade do seu resultado ou busca formas de não realizar o que foi decidido pela maioria. Usando os EUA como outro exemplo, não houve uma movimentação por um pedido de impeachment quando o governo Bush derreteu a economia e mesmo a Fox News, pesada opositora da gestão Obama, cogitava a possibilidade de afastamento do mesmo em suas críticas diárias. Impeachment em países com valores democráticos fortes é coisa séria. Por aqui, não há nenhuma vergonha em se impor coisas que a urna não aprovou. Por exemplo, o projeto de governo que apoiava uma reforma da previdência foi rejeitado nas urnas, chegou ao poder através desse impeachment e isto não causa nenhum desconforto ao grupo que a apoia. Pelo contrário, eles acham que a maioria não é capaz de saber o que é melhor o país e que esta imposição é válida. O maior legado negativo desta loucura que vivemos, a meu ver, é que ficou claro que no Brasil nenhum governo sobreviverá a uma crise econômica. Enquanto nossa tecnocracia intelectualizada não priorizar valores democráticos e respeito à vontade da maioria em relação a resultados econômicos, viveremos nesta instabilidade.

O próximo passo dos tecnocratas e dos golpistas, a meu ver, será o apoio à implantação do Parlamentarismo no Brasil. Rejeitados duas vezes pelas urnas, este modelo de governo tornará mais difícil que alguém que desagrade ao empresariado que financia esta tecnocracia de chegar ao poder. Retirará da maioria a possibilidade de escolha do chefe do Executivo. Em nosso multipartidarismo, dará a chance ao centrão fisiológico de se unir eternamente, dividindo o poder entre si até formar os 50% + 1 necessários no Congresso. Caberá à mesma tecnocracia fazer o trabalho sujo de convencer a classe média, a serviço dos seus chefes, que isto é necessário e democrático. Já fizeram isto no convencimento desta mesma classe de que o maior problema do Brasil, um dos países com maior desigualdade do mundo, é a carga tributária. Aqueles que não estudam um assunto a sério repetem muito facilmente o que foi dito por um “especialista”. Um momento ontem me deixou claro a forma como esta tecnocracia entende o funcionamento do país. William Waack entrevistava um especialista econômico X e o assunto era a já citada Reforma da Previdência. Segundo eles, esta reforma tem que acontecer de qualquer jeito. Repito, de qualquer jeito...

Nenhum comentário:

Postar um comentário