sexta-feira, 23 de setembro de 2016

DEAD MAN WALKING


Nessa semana me deparei com um informe publicitário interessante. O jornal Destak, distribuído gratuitamente em SP, exibiu em sua capa apenas informações sobre o trânsito, porém as várias manchetes traziam somente notícias utópicas. Os destaques eram “Brasil registra zero mortes no trânsito”, “Pedestres se sentem seguros ao andar nas ruas”, “Ciclistas circulam com equipamentos de segurança e respeitam a sinalização”, “Nenhum motorista ultrapassa o farol vermelho”, além do seguinte comentário: O mérito é da população. Uso de cinto, capacete, cadeirinha para bebês e hábitos como não usar celular ao dirigir e atravessar sempre na faixa são os principais responsáveis pela redução de acidentes.

Essa peça publicitária da Mapfre Seguradora é importantíssima para o cidadão paulistano contemporâneo. Estamos em período de eleições municipais em que, para grande parte do eleitorado, o maior problema da cidade é o trânsito. Enganou-se caso tenha pensado em engarrafamentos, situação das vias, falta ou má qualidade do transporte público. Os grandes problemas do paulistano hoje são as velocidades das vias e os radares pela cidade.
Antes de defender o meu ponto de vista sobre essa nova obsessão paulistana, gostaria de confessar que sou crítico da mudança de velocidade nas marginais. Penso que vias expressas podem ter velocidades superiores aos atuais 70 e 50Km/ hora. Sou a favor dos 50Km/ hora nas vias arteriais, onde o limite anterior era, em geral, de 60km/ h. Vou ao trabalho de carro e percorro por volta de 50km diariamente.

Candidatos aparecem aos montes usando o limite de velocidade como plataforma de campanha. Frases sinônimas de “Vou lutar pelo aumento da velocidade em SP” aparecem com frequência. Candidatos gritando bobagens não passam de mais um dia no cotidiano eleitoral, o que assusta agora é que as bobagens estão sendo assimiladas por eleitores rasos, com pequena consciência cidadã e coletiva. Não à toa o nome da coligação PSDB/ PSB/ PP/ DEM é “acelera São Paulo”.

Fernando Haddad é um dos prefeitos mais impopulares da história. Ele não está envolvido em casos de corrupção como Celso Pitta e está cumprindo o seu mandato até o final, diferente de José Serra. O erro de Haddad é tomar medidas impopulares contra essa divindade chamada automóvel. Construção de ciclovias, diminuição de velocidade e aumento da fiscalização no trânsito formam o tripé da derrota. As três afrontas ao relicário da individualidade paulistana somaram-se a outros dois fatores. O primeiro é inerente à vontade do prefeito, já que o ódio ao PT é uma força da natureza, como um tornado arrebatando tudo à sua frente, um ódio que não distingue nomes, histórias e fatos. O segundo, e não menos importante, é o corte das agências de comunicação, tão presentes na administração pública muito por culpa do próprio PT. Haddad não renovou o contrato das oito agências que trabalhavam para a prefeitura e muitos acreditam que a sua má avaliação deve-se a isso. Essas agências trabalham junto ao mercado editorial para promoção ou proteção de seus clientes. Haddad passou o seu mandato sem a proteção da mídia e, inclusive, foi tornado um exemplo para os demais políticos. Reeleição sem publicidade é difícil, quando se é do PT torna-se impossível. Tarefa árdua também é governar ignorando a reeleição, como fez. Acho válida essa autocrucificação de Haddad, ignorando individualismos pelo bem coletivo e pensando no futuro da cidade, não no dele.

O eleitor que é crítico de Haddad não está preocupado com o transporte na cidade, mas sim com as multas que recebe. Corrobora com essa visão o próprio voto dessas pessoas nas eleições estaduais, já que o governo do estado possui atrasos escandalosos nas importantíssimas obras do metrô e do monotrilho. A expansão da Linha 4 (amarela) era para o ano de 2012, mas teve previsão de conclusão reajustada para 2019. Linha 5 (lilás) passou de 2014 para 2017. Linha 6 (laranja) não será mais entregue em 2018, com sorte em 2020.

O monotrilho é um eterno canteiro de obras. O caso da Linha 15 (prata), o importante trecho Vila Prudente – Cidade Tiradentes, é muito emblemático. No projeto inicial seriam entregues 11 estações em 2010 e 7 em 2012. Agora esperamos receber 11 estações em 2018, já para o restante não há previsão. Esses são alguns casos, mas os atrasos e denúncias de corrupção nas obras do governo do estado são gritantes. Pouco importa. A população paulistana não liga para isso e ajudou a eleger Geraldo Alckmin novamente, talvez fruto do belo trabalho das oito agências de comunicação que trabalham para o Palácio dos Bandeirantes.

A população está preocupada mesmo é com a multa que recebe por exceder os limites de velocidade, já que como diz o meu amigo João Oliveira “o paulistano só deseja descumprir as leis de trânsito sem ser incomodado”. Para o motorista a culpa está no radar e não na sua desobediência, como um traficante que responsabiliza a repressão policial ao invés da sua prática. O paulistano se acha europeu, mas está mais para um texano reclamante exagerado de seus direitos individuais. Na Europa pessoas de diferentes classes sociais usam o metrô e as bicicletas, entendem que essa é uma forma coletiva, moderna e limpa de transporte.

Ironicamente o maior legado do petista foi também a sua ruína eleitoral. A revolução na forma como os paulistanos se transportam foi um choque muito grande para o egoísmo da capital. Ampliação dos corredores de ônibus, diminuição da velocidade dos automóveis, maior fiscalização de infratores e incentivo irrestrito às ciclovias são atitudes que devem ser tomadas por qualquer prefeito moderno. Pena que hoje a cidade não enxergue o tamanho do bem que essas decisões fizeram para as pessoas, deve ser o que chamamos de distorção dos fatos.

Estamos prestes a ter o prefeito das privatizações. Privatização dos parques, Pacaembu, Interlagos, Anhembi, ciclovias, mercados municipais, serviço funerário, faixas de ônibus (pasmem), enfim, um mal irreversível para a cidade. Uma pena... escolheram Barrabás.

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