segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Obrigado, Haddad



Há quatro anos, eu achava ser impossível amar São Paulo. Escrevi em algum lugar que não lembro qual, durante as eleições de 2012, que o grande problema da cidade era a falta de autoestima. A população de São Paulo estava acostuma com a ideia de que a cidade era aquilo que existia entre a janela da sua casa e o seu trabalho. Aquilo que era visto pela janela do carro ou do ônibus enquanto nos locomovíamos para trabalhar. O local que todos queriam sair em qualquer oportunidade. São Paulo não era lazer, São Paulo era trabalho.
De 2012 até hoje, porém, algo mudou. Tivemos uma gestão diferente, que privilegiou o lado humano e a cidadania. Tivemos um prefeito que ousou reduzir a velocidade máxima permitida, privilegiando a vida humana em detrimento da já lendária pressa paulistana. Vimos uma gestão que se preocupou como nunca com minorias oprimidas, buscando dar oportunidades de recomeço para usuários de crack e travestis. Um governo que escolheu estender a mão e que mudou a forma como seus habitantes lidam com o espaço público. Até Carnaval de rua, veja só, passamos a ter na cidade. Incentivou como ninguém a arte urbana. Investiu em ciclovias. Eu sinceramente achava que era impossível que esta cidade tivesse uma malha cicloviária decente, toda vez que este assunto era abordado em debates políticos me parecia uma utopia. Vi que não é. Vimos uma cidade que investiu mais em transporte público e menos em publicidade. Temos bilhete único diário, mensal e semanal e um número muito grande de corredores. Vimos uma cidade que investiu no coletivo. Uma gestão cujo slogan é “Existe amor em SP”. Sim, é possível amar esta cidade. Há, a meu ver, um projeto aparentemente pequeno que foi o grande símbolo desta gestão. Em 2015, a Prefeitura resolveu trocar todas as carroças de catadores de lixo da cidade. Bastava ao catador levar a carroça antiga a um local determinado e ele ganharia uma carroça nova, mais fácil de transportar e com um detalhe fundamental. Havia nela um compartimento para colocar o cachorro. Uma gestão que teve a preocupação de olhar aquele ser humano marginalizado, que faz um trabalho fundamental para a cidade, e de perceber a importância que a companhia do animal tinha. Este projeto não valeu um voto, mas acho que voto não foi a preocupação desta gestão.
Toda ação, porém, gera uma reação de igual intensidade. A gestão marcada pelo amor à cidade foi também contemporânea de um momento de explosão do ódio entre seus habitantes. Gente que não quer usar transporte público, embora finja que quer. Gente que não se importa com desigualdades, embora finja que se importe. Gente que não gosta de arte urbana, embora finja que goste. Gente que se lixa para crackeiros e travestis, por exemplo. Gente que não se importa com a vida de ciclistas ou motoqueiros, que só quer correr mais. Foi difícil nestes meses de eleição conversar com pessoas que faziam cara de desprezo cada vez que eram apresentados dados de que a redução da velocidade havia significado redução na morte de pessoas no trânsito. Conversar com gente que acha que artista é tudo vagabundo e que postava fotos de falhas no projeto de ciclovias (que efetivamente existem) para desqualificar todo o projeto. Pessoas que tiveram como primeira reação ontem, após o anúncio da vitória de Doria, xingar seus oponentes ao invés de gritar viva ao novo prefeito que recebeu seus votos. Ironicamente, a gestão marcada pelo amor foi derrotada pelo ódio. Não basta vencer, é necessário humilhar os derrotados. Gente que estava disposta a votar em qualquer um.
A vitória de Doria qualquer um foi esmagadora. A gestão que menos gastou em publicidade foi derrotada por um publicitário. A gestão que apresentou uma nova forma de uso e aproveitamento do espaço público foi derrotada por uma pessoa que já deixou bem claro que boa parte deste espaço será transferida ao setor privado. O prefeito que deu prioridade aos grupos oprimidos foi derrotado por um candidato que já disse que acabará com a Secretaria das Desigualdades. Nada disso importa para a turma do “Fora PT”. Doria já anunciou que reverterá a redução das velocidades nas marginais em sua primeira semana de governo. Também diminuirá o número de radares, permitindo aos motoristas descumprir a lei com maior tranquilidade. “Ufa” eles estão pensando. E “Fora PT”. A gestão estadual das obras de metrô inacabadas, dos trens superlotados falhando e da falta de merenda nas escolas chegou também ao município. “Fora PT” e "Acelera São Paulo"
A quem, como eu, enxergou o caráter humanitário e transformador da gestão Haddad, resta a alegria de saber que ao menos ela existiu. Há quatro anos não achava que algo assim era possível. Agora sei que é. São Paulo voltará a ser a cidade com pressa e estressada, a cidade da "eficiência". Mas agora ao menos sabemos o caminho. Por ter renovado a minha fé na capacidade de transformação que a política é capaz de realizar, tenho que dizer “Obrigado, Haddad”. Mesmo.

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