Há quatro anos, eu achava ser impossível amar São Paulo. Escrevi em algum lugar que não lembro qual, durante as eleições de 2012, que o grande problema da cidade era a falta de autoestima. A população de São Paulo estava acostuma com a ideia de que a cidade era aquilo que existia entre a janela da sua casa e o seu trabalho. Aquilo que era visto pela janela do carro ou do ônibus enquanto nos locomovíamos para trabalhar. O local que todos queriam sair em qualquer oportunidade. São Paulo não era lazer, São Paulo era trabalho.
De 2012 até hoje, porém, algo
mudou. Tivemos uma gestão diferente, que privilegiou o lado humano e a
cidadania. Tivemos um prefeito que ousou reduzir a velocidade máxima permitida,
privilegiando a vida humana em detrimento da já lendária pressa paulistana.
Vimos uma gestão que se preocupou como nunca com minorias oprimidas, buscando
dar oportunidades de recomeço para usuários de crack e travestis. Um governo
que escolheu estender a mão e que mudou a forma como seus habitantes lidam com
o espaço público. Até Carnaval de rua, veja só, passamos a ter na cidade.
Incentivou como ninguém a arte urbana. Investiu em ciclovias. Eu sinceramente
achava que era impossível que esta cidade tivesse uma malha cicloviária
decente, toda vez que este assunto era abordado em debates políticos me parecia
uma utopia. Vi que não é. Vimos uma cidade que investiu mais em transporte
público e menos em publicidade. Temos bilhete único diário, mensal e semanal e
um número muito grande de corredores. Vimos uma cidade que investiu no
coletivo. Uma gestão cujo slogan é “Existe amor em SP”. Sim, é possível amar
esta cidade. Há, a meu ver, um projeto aparentemente pequeno que foi o grande
símbolo desta gestão. Em 2015, a Prefeitura resolveu trocar todas as carroças
de catadores de lixo da cidade. Bastava ao catador levar a carroça antiga a um
local determinado e ele ganharia uma carroça nova, mais fácil de transportar e
com um detalhe fundamental. Havia nela um compartimento para colocar o
cachorro. Uma gestão que teve a preocupação de olhar aquele ser humano
marginalizado, que faz um trabalho fundamental para a cidade, e de perceber a
importância que a companhia do animal tinha. Este projeto não valeu um voto,
mas acho que voto não foi a preocupação desta gestão.
Toda ação, porém, gera uma reação
de igual intensidade. A gestão marcada pelo amor à cidade foi também
contemporânea de um momento de explosão do ódio entre seus habitantes. Gente
que não quer usar transporte público, embora finja que quer. Gente que não se
importa com desigualdades, embora finja que se importe. Gente que não gosta de
arte urbana, embora finja que goste. Gente que se lixa para crackeiros e
travestis, por exemplo. Gente que não se importa com a vida de ciclistas ou
motoqueiros, que só quer correr mais. Foi difícil nestes meses de eleição
conversar com pessoas que faziam cara de desprezo cada vez que eram
apresentados dados de que a redução da velocidade havia significado redução na
morte de pessoas no trânsito. Conversar com gente que acha que artista é tudo
vagabundo e que postava fotos de falhas no projeto de ciclovias (que
efetivamente existem) para desqualificar todo o projeto. Pessoas que tiveram
como primeira reação ontem, após o anúncio da vitória de Doria, xingar seus oponentes
ao invés de gritar viva ao novo prefeito que recebeu seus votos. Ironicamente,
a gestão marcada pelo amor foi derrotada pelo ódio. Não basta vencer, é
necessário humilhar os derrotados. Gente que estava disposta a votar em
qualquer um.
A vitória de Doria qualquer um
foi esmagadora. A gestão que menos gastou em publicidade foi derrotada por um
publicitário. A gestão que apresentou uma nova forma de uso e aproveitamento do
espaço público foi derrotada por uma pessoa que já deixou bem claro que boa
parte deste espaço será transferida ao setor privado. O prefeito que deu
prioridade aos grupos oprimidos foi derrotado por um candidato que já disse que
acabará com a Secretaria das Desigualdades. Nada disso importa para a turma do “Fora
PT”. Doria já anunciou que reverterá a redução das velocidades nas marginais em
sua primeira semana de governo. Também diminuirá o número de radares,
permitindo aos motoristas descumprir a lei com maior tranquilidade. “Ufa” eles
estão pensando. E “Fora PT”. A gestão estadual das obras de metrô inacabadas, dos
trens superlotados falhando e da falta de merenda nas escolas chegou também ao
município. “Fora PT” e "Acelera São Paulo"
A quem, como eu, enxergou o
caráter humanitário e transformador da gestão Haddad, resta a alegria de saber
que ao menos ela existiu. Há quatro anos não achava que algo assim era
possível. Agora sei que é. São Paulo voltará a ser a cidade com pressa e
estressada, a cidade da "eficiência". Mas agora ao menos sabemos o caminho. Por ter renovado a minha fé
na capacidade de transformação que a política é capaz de realizar, tenho que
dizer “Obrigado, Haddad”. Mesmo.
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