Inicialmente, gostaria de dizer
que este texto é uma perda de tempo para aqueles que seguem Jair Bolsonaro,
Marco Feliciano, Ronaldo Caiado ou outros filhotes da ditadura. Infelizmente,
as pessoas nesta situação já estão corrompidas no curto prazo e, a meu ver, não
há argumento lógico capaz de fazê-las entender o perigo do momento em que
vivemos, em que há uma clara guinada rumo a um autoritarismo de direita.
Escrevo este texto para você, democrata, que terá em 2018 a chance de expressar
clara e honestamente qual o seu desejo. Você, que em 2018 poderá optar pela
continuidade, votando no candidato do PT, que muito provavelmente será o
ex-presidente Lula, ou que votará em algumas das opções de mudança democrática,
compostas pelo candidato do PSDB, provavelmente o senador Aécio Neves ou o governador
Geraldo Alckmin (posteriormente falarei sobre o flerte perigoso que o PSDB
tenta com este movimento autoritário e sobre o significado da expulsão destes
dois políticos na última manifestação), pela ex-ministra Marina Silva ou pelo
ex-governador Ciro Gomes (cuja discussão com um grupinho fascista na frente da
casa do seu irmão foi um ato de heroísmo). Você, que contente ou descontente
poderá dar um rumo diferente a nosso futuro. Você que pode, por exemplo, fazer
o que fizeram os argentinos. Pessoalmente sou contra quase todas as medidas
adotadas pelo governo Macri e as táticas adotadas pela mídia portenha naquela
eleição, mas é inegável que ele possui um governo legítimo e que representa a
vontade da maioria das pessoas daquele país. Ele possui a característica mais
importante que um presidente pode ter, a legitimidade, sem a qual qualquer
governo democrático entra em risco. Escrevo para você que possui conhecimento e
discernimento histórico para compreender a gravidade do significado desta massa
vestindo verde-e-amarelo, que considera todos que não fazem parte do seu grupo
como inimigos da pátria e que vem realizando uma verdadeira caça às bruxas.
Você que entende a fragilidade do nosso modelo democrático e a importância em
mantê-lo.
Convido você a uma reflexão sobre
o que aconteceu na última semana, especialmente na quarta-feira, data da
nomeação de Lula como ministro da Casa Civil e das divulgações, logo em
seguida, de grampos telefônicos de legalidade muito questionável envolvendo o
ex-presidente Lula e a presidenta Dilma. Há duas semanas, o juiz Sérgio Moro,
sem muito embasamento legal, solicitou a tal da condução coercitiva do
ex-presidente. Digo sem embasamento porque a lei permite isto apenas para casos
em que há risco de fuga ou demonstração de obstrução das investigações por
parte do investigado. Aquilo serviu como combustível para a mídia incendiar os
protestos marcados para o domingo seguinte, ao mesmo tempo em que a FIESP
entrou de vez na luta pelo impeachment. Peço que você se recorde qual a posição
da FIESP em outros momentos históricos da nação, como 1964, e se questione
quais os interesses que esta instituição sempre defendeu. Pois bem, tivemos as
manifestações, gigantescas, com coisas que qualquer pessoa sensata considera
bizarras. Enquanto Aécio Neves e Geraldo Alckmin, que de alguma forma ainda
representam uma oposição democrática ao governo atual, sem perceber o perigo
que eles próprios estão correndo, foram vaiados e escorraçados da passeata,
outras figuras como Bolsonaro e Feliciano foram aplaudidas e ovacionadas. Enquanto
pessoas que ousassem passar perto das manifestações usando camisetas vermelhas
eram agredidas covardemente por uma maioria inflamada, outras usando faixas de
apoio a uma possível intervenção militar recebiam um silêncio aprovador. Tudo
isto acontecendo com uma mídia repetindo exaustivamente a frase: “a
manifestação é pacífica, com idosos e crianças e frases em defesa do juiz
Sergio Moro”. Você que tem conhecimento histórico e que sempre se perguntou
como algo do tipo aconteceu em 1964, não lembrou de nada?
Três dias depois, numa manobra de
certa forma desesperada, a presidente Dilma colocou o ex-presidente Lula no
cargo de ministro da Casa Civil, numa atitude que sem dúvida nenhuma pode ter
moralidade questionada, mas cuja legalidade é indiscutível. A mídia começou a
vender a ideia de que aquilo era sinal de impunidade, pois Lula sairia da
alçada do “justiceiro da nação” Sérgio Moro. Começou a propagar a ideia de que
ser julgado pelo Supremo seria sinal de impunidade, o mesmo Supremo que esta
mesma mídia tratava como bastião da justiça no processo do mensalão e que muito
provavelmente não terá com Lula nenhuma boa vontade. Pois bem, a massa já
estava inflamada quando, aproximadamente às 18:00, as emissoras de televisão
começaram a noticiar que o juiz Moro havia liberado grampos telefônicos do
ex-presidente, sempre com manchetes do tipo “Grampo mostra Lula tentando obstruir
a justiça”, “Lula chamada Supremo de covarde”, entre outras. A massa verde-e-amarela
saiu revoltada pelas ruas das grandes capitais, exigindo a renúncia da
presidenta e encontrando na FIESP, para quem é aqui de São Paulo, o ponto de
encontro para sua raiva. Ao mesmo tempo, a mídia continuava transmitindo as
gravações, sempre com uma narração dizendo o que você deveria entender dos
quinze segundos editados que seriam transmitidos em seguida para, após isto,
mostrar uma massa verde-e-amarela na frente do Congresso, como se fosse a
tomada da Bastilha. Confesso que cheguei em casa e, assustado com o que tinha
visto na rua, com gente berrando e buzinando, fui ouvir as gravações do juiz
Moro inteiras e sem edição. Da primeira vez que ouvi achei estranho, pois não
havia nada lá que me parecesse comprometedor. Enviei o áudio para uma amiga
minha, que julgo ser consciente, eleitora do Aécio, e que estava revoltada,
para saber se a minha preferência política não estava interferindo na minha
compreensão. Ela enxergou da mesma forma que eu e passou a agir com mais serenidade
sobre tudo que está acontecendo.
Buscou-se, a meu ver, criar-se
uma situação de caos social que forçasse a renúncia da presidenta Dilma. A
renúncia é a única forma de mudança de governo atual que represente alguma “legitimidade”,
por mais que a mídia não trate o impeachment, na atual situação, como golpe
político. Aí pergunto a vocês, qual o sentido de tudo aquilo? Qual o sentido de
termos uma mídia editando um áudio daquela forma? Mais do que isto, qual o
sentido de um juiz federal revelar desta forma um grampo telefônico? E qual o
sentido da FIESP, naquele dia e naquela situação, mudar a sua iluminação que
pedia impeachment para pedir renúncia?
O que vimos naquela noite foi um
show de horrores. Notícias de pessoas sendo agredidas pelas ruas por causa da
cor da roupa ou até mesmo da bicicleta se repetiam, enquanto a grande mídia
insistia em chamar aquelas movimentações de “pacíficas”. A mesma mídia, que
revoltada lançava como manchete que uma gravação em que Lula pedia a alguém que
conversasse com a ministra Rosa Weber era um sinal claro de tentativa de
influência na justiça, ficava em silêncio com as fotos de José Serra almoçando
com o ministro Gilmar Mendes na quarta, mesmo ministro que bloquearia a posse
de Lula como ministro dois dias depois.
Peço que você, leitor consciente,
reflita seriamente sobre tudo que está acontecendo. E mais do que isto,
questione o real interesse destes dois grupos, mídia e FIESP em combater a
corrupção. A grande mídia que ficou em silêncio sepulcral sobre as obras da
Copa do Mundo, por exemplo, e que lucrou horrores com a realização do Mundial.
A mesma mídia que não questiona, no meio destes escândalos da Petrobrás, qual o
sentido desta empresa que possui monopólio gastar tanto dinheiro em Publicidade.
A FIESP, que nunca demonstrou nenhum apreço histórico pela democracia e por
qualquer tipo de governo que realizasse algum tipo de distribuição de riquezas,
cujo interesse é apenas econômico na manutenção de privilégios de uma classe.
Pergunto mais, qual o sentido em incentivar a população a não se sentir
representada pelos poderes executivo e legislativo, escolhidos
democraticamente, mas sim representada pelo Poder Judiciário, único não
escolhido pela população e que todos sabemos ser aristocrático e também
corrompido.
Peço que você compare a situação
atual a de 1964. Mesmo. Você será capaz de compreender que a única diferença
entre as situações é a falta de vontade do exército em participar. Isto obriga
os descontentes a criar alguma forma de derrubar este governo inventando algum
mecanismo legal, e a mídia tem feito seu papel no convencimento de uma massa
despolitizada. Cabe a nós, democratas, impedir que isto aconteça.
A corrupção é um problema muito
sério em nosso país, desde sempre. Deve ser combatida de forma apartidária.
Vivemos, porém, o momento de um conflito maior, entre democracia e
autoritarismo. Regimes deste segundo tipo nunca foram bem sucedidos em
combatê-la e todo nosso esforço neste momento deve ser para impedir que percamos
todas as conquistas democráticas obtidas nos últimos 30 anos. Peço que você
reflita sobre a seriedade que é a liberação ilegal de um grampo telefônico
através da mídia e aceitação disso por parte significativa da população,
disposta a passar por cima da lei para punir alguém. Mais do que isso, a
transformação de um juiz que já se mostrou autoritário em herói da pátria e a
forma acrítica como a mídia o trata.
O momento não é de divisão. É de
união entre todos aqueles que respeitam a democracia, goste-se ou não da
presidenta Dilma. A crise econômica é séria. Tenho vários amigos que perderam o
emprego neste último ano e que estão com grande dificuldade em encontrar outro.
Crises econômicas, porém, são passageiras. Em quatro ou cinco anos estaremos no
rumo e em apenas dois teremos a chance de mudar a política econômica através da
mudança de governo, de forma limpa e legítima. O autoritarismo, porém, não
passa tão rápido. Na última vez em que a grande mídia e o empresariado se
uniram para manipular a classe média e derrubar um governo democrático,
precisamos de mais de 20 anos para retornar à democracia. Peço que você lembre
as muitas vidas perdidas e multiladas neste período e na responsabilidade que temos
de impedir que isto aconteça novamente.
Por último, peço àqueles que já
se conscientizaram do que está acontecendo, contentes ou descontentes com o
governo, que se manifestem. Há uma grande manifestação de “Bolsonetes” para
constranger aqueles que defendem a democracia, chamando-os de “defensores de
bandidos”. A manifestação dos conscientes neste momento é uma obrigação. Para
que não convivamos com a culpa daqueles que perceberam o que estava acontecendo
em 1964 ou em outros momentos históricos em que algo parecido ocorreu e optaram
pelo silêncio. Cada ser politizado e consciente que fica em silêncio é uma
vitória para aqueles que pretendem destruir nossa frágil democracia. Ficar em silêncio
agora por opção pode fazer com que todos tenham que ficar em silêncio no
futuro. Desta vez não mais por opção.
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