Angela Merkel fazia uma visita à
cidade de Rostock, localizada na antiga Alemanha Oriental. Estava lá para fazer
uma conferência com crianças numa escola da cidade. Estas faziam
perguntas banais para respostas tão banais quanto, até que Angela foi
confrontada por uma menina de 14 anos refugiada da Palestina. Ela contou sua
história, disse que estava lá há 4 anos, que se sentia acolhida, que aprendeu alemão com
certa facilidade, mas que seu pai havia sido expulso da Suíça e que não
conseguia entrar na Alemanha. A menina seguiu seu relato, contando que não via
sua família desde que chegou na Europa, para em seguida a chanceler alemã questionar, sem
muita emoção na voz, sobre o caminho que ela havia feito. A menina respondeu
que fugira da Palestina pelo Líbano e que tinha muito medo de seu futuro, uma
vez que não era cidadã alemã, não tinha família por perto e temia ser expulsa
da Alemanha em algum momento. Em seguida, questionou a chanceler por que era
tão difícil para um refugiado arrumar emprego em território germânico.
Merkel
respondeu como um robô. Acostumada apenas a entrevistas coletivas com
jornalistas bem empregados, mais preocupados com as próprias carreiras do que
com qualquer outro problema do mundo, respondeu como se estivesse falando a alguém
de uma televisão ou jornal. Disse simplesmente que a menina tinha motivo para
ter medo, uma vez que a Alemanha não tinha condições de receber todos os
refugiados palestinos, que boa parte teria que voltar e que dificilmente a
menina teria alguma chance de futuro por lá, pois a prioridade era dar emprego
a alemães e não a estrangeiros. Tudo isso sem demonstrar nenhum tipo de emoção
com o sofrimento da menina, ou ao menos prestar atenção no que estava dizendo. Ao
dar esta resposta virou para o moderador, começou a falar de outro assunto até
que, uns 5 segundos depois, seus olhos reencontraram a menina chorando. As
palavras burocráticas da chanceler a fizeram cair no choro e a expressão de
Merkel automaticamente mudou. O robô alemão enxergava finalmente uma pessoa e
entendia a dureza da realidade daquele problema que ela tão friamente tratava
como uma questão burocrática. Naquele momento, os refugiados deixaram de ser um
número de algum relatório que ela havia recebido de um funcionário. O impacto
destes refugiados nas finanças alemãs, provável motivo da resposta agressiva
sobre a incapacidade da Alemanha de recebê-los, se tornou insignificante perto
das lágrimas da menina. Merkel se aproximou, começou a acariciar sua cabeça e
falou palavras de apoio, as mesmas que foi incapaz de dizer anteriormente. A
mulher mais poderosa do mundo desmontava na frente de uma garota frágil, desmoronava ao enfrentar algo que há muito tempo não enfrentava, a realidade. Para
quem tiver interesse, no final do texto está o link do momento em que a menina
chora e da reação de Merkel.
Há
uma grande probabilidade de que as lágrimas da menina sejam esquecidas em menos
de uma semana e que o assunto dos refugiados na Europa volte a ter atenção nula. As
pessoas, a mídia e os políticos tendem a estar mais preocupados com a situação do
mercado de ações do que com problemas reais de pessoas reais. Vivemos numa
racionalidade bocó, mais interessada em números e estatísticas do que em qualquer
tipo de subjetividade. Na questão grega, por exemplo, fala-se muito mais sobre
a desconfiança dos investidores em relação à Grécia do que da realidade
daqueles que vivem na miséria desde que a crise começou em 2008. Repete-se assiduamente o número de bilhões de euros que o governo grego necessita, com atenção quase inexistente ao sofrimento que esta dívida causa ao povo grego. Talvez isto só
mude se todos nós, principalmente Merkel, formos confrontados por uma criança grega chorando.
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