sexta-feira, 14 de março de 2014

A cagada mais importante do séc. XX





                Quando Günter Schabowski, o homem da foto, saiu para trabalhar em 09/11/1989, ele não tinha a menor ideia de que entraria para a história naquele dia. Ele era um funcionário público normal na Alemanha Oriental, daqueles que cumprem ordens e não refletem muito sobre o que estão fazendo. Sair de casa, fazer o que mandam e voltar pra casa, essa era sua rotina.
                Os dias estavam tensos na Alemanha comunista naquele período. A onda de transformações nos países comunistas já havia atingido muitos países vizinhos e chegava a terras alemãs. Alguns meses antes, a Tchecoslováquia havia aberto suas fronteiras com a Áustria. Com isso, alemães orientais podiam, através do território tcheco, entrar na Áustria, para em seguida pedir asilo na Alemanha Ocidental. Isto fez com que milhares de alemães orientais pudessem fugir para a Alemanha capitalista sem o risco de tomar tiro pulando o muro de Berlim. Não à toa, ninguém tentou essa travessia depois da liberação tcheca. Mesmo assim, o muro da vergonha ainda estava lá. Além disso, uma onda de protestos atingiu a cidade de Leipzig em outubro, durante as festas de 40 anos do país (uma espécie de baile de despedida dos líderes comunistas europeus). Erich Honecker, líder mais inflexível dos 40 anos da República Democrática da Alemanha, foi deposto no mesmo mês de outubro e, 5 dias antes da cagada de Schabowski, uma grande passeata tomou conta da Alexanderplatz, principal praça de Berlim Oriental, com o objetivo de pedir democracia e liberdade de imprensa.
                O cagão da história, embora tenha participado do protesto da Alexanderplatz, estava alheio a tudo que estava ocorrendo. Assessor de imprensa e porta-voz do governo comunista, Schabowski fez o discurso mais vaiado do dia ao pedir, numa manifestação anti-comunista, que as pessoas se unissem aos camaradas soviéticos. No fatídico 09/11, a ordem dada a Schabowski era que ele desse uma declaração em nome do governo com o intuito básico de enrolar. Ele deveria dizer que um dia a Alemanha Oriental abriria suas fronteiras com a Alemanha vizinha, sem nenhuma menção a quando isto poderia acontecer. Perguntas estavam terminantemente proibidas.
                Schabowski chegou, sentou-se e começou a ler uma carta, em tom claramente cansado e desanimado, para jornalistas desinteressados. Chegou à parte em que disse que o governo iria abrir suas fronteiras com a outra Alemanha e um dos poucos jornalistas atentos, desobedecendo ordens pré-estabelecidas, perguntou: “Quando?”. Günter, sem ter a menor ideia do que responder e meio relapso, disse as primeiras palavras que vieram em sua mente: “acho que imediatamente”. Todos os jornalistas que estavam quase dormindo pularam de suas cadeiras e o autor da pergunta a repetiu. A resposta foi a mesma, com Schabowski claramente não tendo ideia das consequências do que estava fazendo. A declaração deveria ser tão burocrática e desimportante, que nenhum membro do alto escalão do Partido Comunista a estava assistindo e ninguém apareceu para desautorizá-la quando os burburinhos tomaram conta de Berlim Oriental. Schabowski terminou sua declaração, colocou o papel numa mala e foi para casa. Ao mesmo tempo, milhares de berlinenses dos dois lados partiam em direção à fronteira que aparentemente deixava de existir, o muro.
                Quando a notícia do erro de Schabowski chegou à cúpula do governo, milhares de pessoas já se amontoavam na frente do muro, gritando palavras de ordem, numa situação pré-tragédia. A ordem aos guardas de fronteira era atirar em qualquer pessoa que quisesse atravessar, mas como fazer isso em milhares de pessoas? Se não bastasse, o pessoal de trás começava a empurrar quem estava na frente, iniciando um processo que poderia terminar com um número gigantesco de mortos. É aí que aparece o maior ato heroico do dia. Os guardas de uma das portas do muro, vendo o que poderia acontecer, resolvem desobedecer ordens e simplesmente abrem a fronteira, deixando as milhares de pessoas passarem. E assim caía o Muro de Berlim. Onze meses depois, contra a vontade de Inglaterra e França, a Alemanha estava reunificada.
                Após isto, Schabowski ainda tentou, sem sucesso, faturar em cima da sua burrada. Concorreu, sem sucesso, ao cargo de deputado da nova Alemanha. Vive hoje num certo ostracismo, sendo lembrado a cada aniversário da queda do muro para alguma entrevista. Os eventos de 09/11/1989 completarão 25 anos em 2014, muito ouviremos nesta comemoração sobre a importância da ação dos políticos nesse período. Poucos lembrarão que estes mesmos políticos foram incapazes, durante 40 anos, de acabar com a divisão da Alemanha. Foram necessárias, porém, uma cagada de um funcionário público incompetente e preguiçoso e o heroísmo de guardas que colocaram vidas acima de ordens hierárquicas para que isso acontecesse.
                P.S.: Para quem é nerd como eu, dois vídeos que registram o momento. O primeiro  mostra o anúncio da NBC americana feito logo em seguida à declaração de Schabowski. O segundo mostra, entre 2:00 e 4:00, o exato instante em que os guardas abrem a primeira brecha no muro. Em 6:12, com medo do que pode ocorrer, eles abrem a fronteira de vez.


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