Quando
Günter Schabowski, o homem da foto, saiu para trabalhar em 09/11/1989, ele não
tinha a menor ideia de que entraria para a história naquele dia. Ele era um
funcionário público normal na Alemanha Oriental, daqueles que cumprem ordens e
não refletem muito sobre o que estão fazendo. Sair de casa, fazer o que mandam
e voltar pra casa, essa era sua rotina.
Os
dias estavam tensos na Alemanha comunista naquele período. A onda de
transformações nos países comunistas já havia atingido muitos países vizinhos e
chegava a terras alemãs. Alguns meses antes, a Tchecoslováquia havia aberto
suas fronteiras com a Áustria. Com isso, alemães orientais podiam, através do
território tcheco, entrar na Áustria, para em seguida pedir asilo na Alemanha
Ocidental. Isto fez com que milhares de alemães orientais pudessem fugir para a
Alemanha capitalista sem o risco de tomar tiro pulando o muro de Berlim. Não à
toa, ninguém tentou essa travessia depois da liberação tcheca. Mesmo assim, o muro
da vergonha ainda estava lá. Além disso, uma onda de protestos atingiu a cidade
de Leipzig em outubro, durante as festas de 40 anos do país (uma espécie de
baile de despedida dos líderes comunistas europeus). Erich Honecker, líder mais
inflexível dos 40 anos da República Democrática da Alemanha, foi deposto no
mesmo mês de outubro e, 5 dias antes da cagada de Schabowski, uma grande
passeata tomou conta da Alexanderplatz, principal praça de Berlim Oriental, com
o objetivo de pedir democracia e liberdade de imprensa.
O
cagão da história, embora tenha participado do protesto da Alexanderplatz,
estava alheio a tudo que estava ocorrendo. Assessor de imprensa e porta-voz do
governo comunista, Schabowski fez o discurso mais vaiado do dia ao pedir, numa
manifestação anti-comunista, que as pessoas se unissem aos camaradas
soviéticos. No fatídico 09/11, a ordem dada a Schabowski era que ele desse uma
declaração em nome do governo com o intuito básico de enrolar. Ele deveria
dizer que um dia a Alemanha Oriental abriria suas fronteiras com a Alemanha
vizinha, sem nenhuma menção a quando isto poderia acontecer. Perguntas estavam
terminantemente proibidas.
Schabowski
chegou, sentou-se e começou a ler uma carta, em tom claramente cansado e
desanimado, para jornalistas desinteressados. Chegou à parte em que disse que o
governo iria abrir suas fronteiras com a outra Alemanha e um dos poucos
jornalistas atentos, desobedecendo ordens pré-estabelecidas, perguntou:
“Quando?”. Günter, sem ter a menor ideia do que responder e meio relapso, disse
as primeiras palavras que vieram em sua mente: “acho que imediatamente”. Todos
os jornalistas que estavam quase dormindo pularam de suas cadeiras e o autor da
pergunta a repetiu. A resposta foi a mesma, com Schabowski claramente não tendo
ideia das consequências do que estava fazendo. A declaração deveria ser tão
burocrática e desimportante, que nenhum membro do alto escalão do Partido
Comunista a estava assistindo e ninguém apareceu para desautorizá-la quando os
burburinhos tomaram conta de Berlim Oriental. Schabowski terminou sua
declaração, colocou o papel numa mala e foi para casa. Ao mesmo tempo, milhares
de berlinenses dos dois lados partiam em direção à fronteira que aparentemente
deixava de existir, o muro.
Quando
a notícia do erro de Schabowski chegou à cúpula do governo, milhares de pessoas
já se amontoavam na frente do muro, gritando palavras de ordem, numa situação
pré-tragédia. A ordem aos guardas de fronteira era atirar em qualquer pessoa
que quisesse atravessar, mas como fazer isso em milhares de pessoas? Se não
bastasse, o pessoal de trás começava a empurrar quem estava na frente,
iniciando um processo que poderia terminar com um número gigantesco de mortos.
É aí que aparece o maior ato heroico do dia. Os guardas de uma das portas do
muro, vendo o que poderia acontecer, resolvem desobedecer ordens e simplesmente
abrem a fronteira, deixando as milhares de pessoas passarem. E assim caía o
Muro de Berlim. Onze meses depois, contra a vontade de Inglaterra e França, a
Alemanha estava reunificada.
Após
isto, Schabowski ainda tentou, sem sucesso, faturar em cima da sua burrada.
Concorreu, sem sucesso, ao cargo de deputado da nova Alemanha. Vive hoje num
certo ostracismo, sendo lembrado a cada aniversário da queda do muro para
alguma entrevista. Os eventos de 09/11/1989 completarão 25 anos em 2014, muito
ouviremos nesta comemoração sobre a importância da ação dos políticos nesse
período. Poucos lembrarão que estes mesmos políticos foram incapazes, durante
40 anos, de acabar com a divisão da Alemanha. Foram necessárias, porém, uma
cagada de um funcionário público incompetente e preguiçoso e o heroísmo de
guardas que colocaram vidas acima de ordens hierárquicas para que isso
acontecesse.
P.S.:
Para quem é nerd como eu, dois vídeos que registram o momento. O primeiro mostra o anúncio da NBC americana feito logo
em seguida à declaração de Schabowski. O segundo mostra, entre 2:00 e 4:00, o
exato instante em que os guardas abrem a primeira brecha no muro. Em 6:12, com medo do que pode ocorrer, eles abrem a fronteira de vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário