terça-feira, 28 de novembro de 2017

Os não-candidatos, a não-notícia e o futuro da democracia


“O Brasil usou LSD e o efeito não passa”. Li essa frase em algum momento durante o processo de hipnose coletiva que culminou com o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Procurei, mas não encontrei de quem é a citação com que começo este texto. Desde já peço desculpas por este erro. Nesta verdadeira “era do alucinógeno”, tivemos em dois dias a “notícia” e a repercussão de “notícia” que, a meu ver, conseguiram superar qualquer obra possível de ficção. Nem a mente mais criativa poderia chegar a isso, a um momento em que a "notícia" da semana seria uma não-notícia.
A “notícia” é: “Luciano Huck anuncia que não será candidato à presidência”. O uso de aspas para o termo “notícia” é porque tenho dúvidas reais se isto é uma notícia. Huck nunca anunciou que seria candidato. Podemos chamar então esta “notícia” de não-notícia, sem aspas. A não-notícia de Huck foi capa do principal jornal da principal cidade do país. O texto, escrito pelo próprio não-candidato (ou que ao menos assinou a matéria, sabe-se lá se ele a escreveu mesmo), baseia-se basicamente no egocentrismo. O não-candidato da vez passa o texto todo se elogiando.  Começa o não-anúncio com uma introdução sobre a Odisséia de Homero de três parágrafos que não tem relação nenhuma com o restante do texto, basicamente pra tentar mostrar que já leu esse livro, sabe-se lá o porquê. No restante, começa a mostrar tudo que enxerga como sendo as suas qualidades. O não-candidato é, segundo o texto que ele diz ter escrito, curioso, apaixonado, corajoso, andarilho, gente boa, intuitivo e obcecado. Se ele escreve tudo isto em um texto em que se declara não-candidato, fico imaginando como ele se descreveria num texto em que se declarasse candidato. Ao final, o não-candidato diz que quer “continuar” contribuindo com o Brasil, sem explicar muito bem como contribuiu até agora. Explorando o fetiche adolescente com personagens que transformam mulheres em objetos? Invadindo terrenos públicos para criar uma espécie de quintal para sua mansão na praia? Explorando o assistencialismo televisivo? Servindo de papagaio de pirata para celebridades estrangeiras?
A não-notícia aconteceu na segunda-feira. Na sexta-feira anterior, a terceira revista semanal de maior circulação trazia na capa o mesmo não-candidato. Chamava sua ascensão de “meteórica” e dizia que mesmo não sendo candidato, o não-candidato já havia mudado o eixo do debate. O lado curioso dessa mudança de eixo que a revista apregoa é que as pesquisas antes e depois da cogitação da candidatura do não-candidato apresentavam os mesmíssimos números. Antes, Lula liderava com Bolsonaro e Marina empatados em segundo. Hoje, Lula lidera com Bolsonaro e Marina empatados em segundo. Um dia depois de anunciar a não-candidatura, o não-candidato foi entrevistado com pompa pela revista semanal de maior circulação. A não-notícia segue sendo a “notícia” da semana.
Há quase um ano, o não-candidato daquele momento era o publicitário Roberto Justus. Desesperados com o fato de que a eleição do ano que vem pode destruir o “projeto” que chegou ao poder com ascensão de Temer através de um golpe parlamentar, a elite e o mercado se esforçam para criar um candidato que mantenha as reformas impopulares do atual governo golpista e, mais do que isto, que consiga a legitimidade das urnas que este governo não tem. Após a vitória de um apresentador do Aprendiz na eleição americana e de um apresentador do mesmo reality show na eleição para prefeitura paulistana, o nome de Justus animou o mercado. A leitura é que a população está disposta a comprar um político que se apresente como mudança e nada melhor para o mercado financeiro que esta “mudança” venha com alguém homem, branco, de elite e disposto a manter tudo que o atual governo tem feito. O não-candidato de janeiro anunciou a sua não candidatura no mesmo jornal que o não-candidato de novembro. Sua não-candidatura, porém, não teve a enorme repercussão da não-candidatura atual, talvez porque agora o desespero seja maior. A carta daquele não-candidato é, aliás, bem parecida com a do atual não-candidato, com exceção do começo bizarro com a Odisseia da carta atual. Muito egocentrismo, autoelogios e finalizando com a ideia de que ele vai “continuar ajudando o Brasil”. Após anunciar a sua não candidatura, o não-candidato de janeiro começou a preparação para a apresentação do reality show a Fazenda, da Record, que traz como principal atração o participante que foi afastado do programa da concorrente Globo por assédio sexual. Seria esta a ajuda?

Entre as duas não candidaturas televisivas, houve ainda a não-candidatura do prefeito de São Paulo, João Doria Jr., que ainda sonha em ser candidato. O mercado se animou inicialmente com esta não-candidatura, mas a péssima gestão do prefeito e sua queda de popularidade esfriaram os ânimos. Enquanto caça novos não-candidatos midiáticos que talvez queiram ser candidatos, preocupa-me a possibilidade do mercado cansar de fingir que liga para a democracia. Começou, por exemplo, a pipocar notícias sobre um possível impacto que a eleição de Lula teria sobre o câmbio, tática que não foi bem-sucedida em 2002. O candidato fascista Jair Bolsonaro já começa a buscar uma aproximação com nomes do mercado, tentando preencher o espaço dos não-candidatos. Historicamente, o mercado já deu demonstrações de que não se opõe a figuras deste tipo. A mesma revista que na sexta disse que o não-candidato Huck havia “mudado tudo” com sua não-candidatura tem uma versão de “Negócios”. A capa dessa semana fala sobre uma economia em “franca recuperação” e sobre como o “populismo eleitoral de 2018 pode acabar com essa recuperação”. Até onde o mercado está disposto a ir para segurar as reformas de Temer ainda é incerto, mas já é claro que é uma turma que não tem nenhum apego à democracia. Qual o plano B?

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