quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

O típico gestor do setor privado não sabe fazer nada


O típico gestor do setor privado não sabe fazer nada. Esta é a tese que apresento neste texto e antes de explica-la acho importante fazer algumas introduções. A primeira é sobre o que será considerado como “gestor do setor privado” durante as próximas linhas. Não me refiro àquele pequeno empresário, que começou de baixo e hoje é dono de um pequeno empreendimento qualquer. O termo será usado especificamente para os gestores de grandes empresas, os CEOs, pessoas de cabelo cortadinho, que adoram usar termos em inglês mesmo existindo palavras em português que representem a mesma coisa e que fazem MBA na FGV de “Gestão de Negócios”. A segunda, e não menos importante, é que quando me refiro a “fazer nada” não estou me referindo ao fato de que estas pessoas não saem de um lugar para outro dizendo que vão trabalhar. Pelo contrário, estes gestores inclusive acreditam muitas vezes que trabalham muito, o que será abordado futuramente. Chamo de fazer algo a produção de qualquer coisa, uma mercadoria ou um serviço, do mais simples ao mais complexo. Isto dito, creio que posso começar o texto propriamente dito.
O típico gestor do setor privado não sabe fazer nada. No parágrafo anterior, esqueci-me de mencionar que este texto fará generalizações. Provavelmente existem por aí um ou outro gestor do setor privado que saiba fazer algo na vida, mas creio que não erro tanto afirmando que são poucos, permitindo-me, portanto, a elaboração deste tipo ideal. Este típico gestor privado é incapaz de produzir qualquer coisa. Nada. Nadinha. Tudo que ele consegue é mandar alguém fazer. Pelo próprio esforço, não sabe fazer nada. É por isso que estão sempre com um telefone funcionando por perto, a qualquer momento alguém pode precisar que eles façam algo e, como não sabem, terão que recorrer a alguém que saiba. No ápice da incapacidade de fazer algo, inclusive, contratam até alguém para atender telefones ou fazer uma ligação. Possuem dependência total de outras pessoas para a realização de qualquer tarefa profissional ou pessoal. Normalmente não sabem realizar as atividades domésticas e nem cuidar dos filhos, por exemplo.
A parte mais bizarra do comportamento deste típico gestor do setor privado é que na maioria das vezes eles não sabem que não sabem fazer nada. A mentira é tão bem contada que muitas vezes a própria pessoa que a vive acredita nela. Este gestor passa a maior parte da sua vida fazendo algo que chama de trabalho, ou pelo menos pensando nele. Estão o tempo todo correndo de um lado para outro com um telefone na mão, sempre ligando ou importunando uma pessoa que saiba fazer algo que ele é incapaz de fazer. As conversas com estes gestores quase sempre são mais longas do que deveriam ser. Como ele na verdade não tem nada para fazer, tem tempo para importunar a pessoa que faz algo. As reuniões destes gestores costumam ser eternas, principalmente quando estas reuniões envolvem apenas pessoas deste seleto grupo dos que não sabem fazer nada. Podem passar horas discutindo quem fará o que, uma vez que eles mesmos não têm nada para fazer. Almoços longos de negócios em que nada é feito também dão à tônica disto que se tornou praticamente um estilo de vida.
Gestores normalmente não gostam tanto de tirar férias. Estas servem para não fazer nada, no entanto não faz sentido para eles saírem do lugar em que não fazem nada para não fazer nada. Também estão quase sempre descansados. Dormem pouco. Faz sentido, uma vez que cansaço é típico apenas de pessoas que fazem algo. Não percebem quase nunca que esta “qualidade” nada mais é do que uma demonstração de que não sabem fazer nada.
Gestores do setor privado que não fazem nada são hoje quase como uma casta fechada. Quase toda semana eles têm algum tipo de evento. São festinhas particulares em que estas pessoas que não fazem nada se encontram e passam a noite celebrando o fato de não fazer nada, discutindo o nada que fizeram em suas vidas nos últimos tempos. São extremamente cordiais e educados entre si, podendo relaxar do stress do dia-a-dia, normalmente causado pelas pessoas que fazem algo. Como não fazem nada e deixam sempre a realização de algo para outra pessoa, estes gestores acham que fazer algo é uma coisa fácil. Por isso são sempre impacientes e arrogantes. Tudo que os outros fazem é mais fácil do que o que fazemos aos nossos olhos, isto é humanamente compreensível. Para estes gestores, portanto, não fazer nada é algo mais difícil do que fazer algo.
Eles estão sempre bem vestidos e limpos. Não fazer nada não suja nem cansa e boa aparência é fundamental para ser inútil e respeitado. A preocupação com a aparência surge como um algo nesta ausência do que fazer. Fazer algo cansa e suja, afinal. Outro motivo para que eles não gostem tanto de férias, é que é neste período que mais fica clara a ausência de utilidade deles no mundo corporativo. Quem cobre férias do gestor? Normalmente ninguém, uma vez que não há nada para fazer. O medo das férias surge como uma espécie de autodefesa quase que inconsciente destes seres que, talvez no fundo, saibam que não fazem nada. Talvez, naõ tenho conclusão a respeito disso. Também não conhecem profundamente nenhum assunto. Decoram duas ou três frases soltas sobre a maioria dos assuntos e conduzem as conversas dessa maneira, quase sempre arrumando um jeito de enfiar um termo em inglês em alguma frase.
Em 2016, a maior cidade do país escolheu pela primeira vez ser governada por uma pessoa que não sabe fazer nada. SP teve prefeitos de diferentes ideologias na história, mas, goste-se ou não deles, acho que todos efetivamente sabiam fazer algo, sejam eles engenheiros ou professores. João Doria Jr. Nunca fez nada na vida. Vindo de uma família rica, seu pai foi deputado cassado pelo regime militar. Voltou anos depois e, contando com a simpatia dos intelectuais anistiados que formariam o PSDB, arrumou uns empregos para o filho. Com o tempo, Doria Jr. Fundou uma empresa chamada Lide, que ninguém sabe direito se realmete existe, que patrocina eventos entre gestores que não sabem fazer nada e políticos do PSDB. Este grupo talvez fictício fundou também algumas revistas, voltadas para gestores que não sabem fazer nada, que só lucram porque recebem verbas públicas de governos tucanos. Comprou horários noturnos em redes de TV quase falidas para apresentar um programa de entrevistas que ninguém assistia, em que conversava quase sempre com outros gestores que não fazem nada ou com políticos tucanos. Também apresentou as edições mais mal-sucedidas do programa O Aprendiz, em que jovens que sonhavam em entrar para a casta dos gestores que não fazem nada se sujeitavam a serem humilhados por gestores que não fazem nada. Em seu primeiro ano na gestão pública, Doria cumpriu sua principal promessa, levar suas habilidades de gestor do setor público ao setor privado. Em um ano, não fez nada. Viajou bastante e, de verdade, não fez nada. Ficou feliz ao dizer que dormia pouco, indício de que realmente não faz nada.

A ascensão da figura deste tipo de gestor, que ocorre não apenas no Brasil, é um sintoma grave de um problema social que vivemos, em que a aparência se sobrepôs à essência. Um número cada vez maior de jovens de diferentes grupos sociais admira este tipo de figura que nada produz de relevante. Notícias sobre queda no mercado de ações, por exemplo, geram mais impactos muitas vezes na cabeça de trabalhadores de classe média do que questões de previdência, mesmo que estes não tenham nenhuma ação de empresa alguma. A vitória de Doria em 2016 em todas as regiões da maior cidade do país mostra isto com clareza. É a principal inversão que explica o momento atual do capitalismo, em que a inutilidade é remunerada e respeitada. E anda sempre bem vestida.

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