O típico gestor do setor privado
não sabe fazer nada. Esta é a tese que apresento neste texto e antes de explica-la
acho importante fazer algumas introduções. A primeira é sobre o que será
considerado como “gestor do setor privado” durante as próximas linhas. Não me
refiro àquele pequeno empresário, que começou de baixo e hoje é dono de um
pequeno empreendimento qualquer. O termo será usado especificamente para os
gestores de grandes empresas, os CEOs, pessoas de cabelo cortadinho, que adoram
usar termos em inglês mesmo existindo palavras em português que representem a
mesma coisa e que fazem MBA na FGV de “Gestão de Negócios”. A segunda, e não
menos importante, é que quando me refiro a “fazer nada” não estou me referindo
ao fato de que estas pessoas não saem de um lugar para outro dizendo que vão
trabalhar. Pelo contrário, estes gestores inclusive acreditam muitas vezes que
trabalham muito, o que será abordado futuramente. Chamo de fazer algo a
produção de qualquer coisa, uma mercadoria ou um serviço, do mais simples ao
mais complexo. Isto dito, creio que posso começar o texto propriamente dito.
O típico gestor do setor privado
não sabe fazer nada. No parágrafo anterior, esqueci-me de mencionar que este
texto fará generalizações. Provavelmente existem por aí um ou outro gestor do
setor privado que saiba fazer algo na vida, mas creio que não erro tanto
afirmando que são poucos, permitindo-me, portanto, a elaboração deste tipo
ideal. Este típico gestor privado é incapaz de produzir qualquer coisa. Nada.
Nadinha. Tudo que ele consegue é mandar alguém fazer. Pelo próprio esforço, não
sabe fazer nada. É por isso que estão sempre com um telefone funcionando por
perto, a qualquer momento alguém pode precisar que eles façam algo e, como não
sabem, terão que recorrer a alguém que saiba. No ápice da incapacidade de fazer
algo, inclusive, contratam até alguém para atender telefones ou fazer uma
ligação. Possuem dependência total de outras pessoas para a realização de
qualquer tarefa profissional ou pessoal. Normalmente não sabem realizar as
atividades domésticas e nem cuidar dos filhos, por exemplo.
A parte mais bizarra do
comportamento deste típico gestor do setor privado é que na maioria das vezes
eles não sabem que não sabem fazer nada. A mentira é tão bem contada que muitas
vezes a própria pessoa que a vive acredita nela. Este gestor passa a maior
parte da sua vida fazendo algo que chama de trabalho, ou pelo menos pensando
nele. Estão o tempo todo correndo de um lado para outro com um telefone na mão,
sempre ligando ou importunando uma pessoa que saiba fazer algo que ele é
incapaz de fazer. As conversas com estes gestores quase sempre são mais longas
do que deveriam ser. Como ele na verdade não tem nada para fazer, tem tempo
para importunar a pessoa que faz algo. As reuniões destes gestores costumam ser
eternas, principalmente quando estas reuniões envolvem apenas pessoas deste
seleto grupo dos que não sabem fazer nada. Podem passar horas discutindo quem
fará o que, uma vez que eles mesmos não têm nada para fazer. Almoços longos de
negócios em que nada é feito também dão à tônica disto que se tornou
praticamente um estilo de vida.
Gestores normalmente não gostam
tanto de tirar férias. Estas servem para não fazer nada, no entanto não faz
sentido para eles saírem do lugar em que não fazem nada para não fazer nada.
Também estão quase sempre descansados. Dormem pouco. Faz sentido, uma vez que
cansaço é típico apenas de pessoas que fazem algo. Não percebem quase nunca que
esta “qualidade” nada mais é do que uma demonstração de que não sabem fazer
nada.
Gestores do setor privado que não
fazem nada são hoje quase como uma casta fechada. Quase toda semana eles têm
algum tipo de evento. São festinhas particulares em que estas pessoas que não
fazem nada se encontram e passam a noite celebrando o fato de não fazer nada,
discutindo o nada que fizeram em suas vidas nos últimos tempos. São
extremamente cordiais e educados entre si, podendo relaxar do stress do
dia-a-dia, normalmente causado pelas pessoas que fazem algo. Como não fazem
nada e deixam sempre a realização de algo para outra pessoa, estes gestores
acham que fazer algo é uma coisa fácil. Por isso são sempre impacientes e
arrogantes. Tudo que os outros fazem é mais fácil do que o que fazemos aos
nossos olhos, isto é humanamente compreensível. Para estes gestores, portanto,
não fazer nada é algo mais difícil do que fazer algo.
Eles estão sempre bem vestidos e
limpos. Não fazer nada não suja nem cansa e boa aparência é fundamental para
ser inútil e respeitado. A preocupação com a aparência surge como um algo nesta
ausência do que fazer. Fazer algo cansa e suja, afinal. Outro motivo para que
eles não gostem tanto de férias, é que é neste período que mais fica clara a
ausência de utilidade deles no mundo corporativo. Quem cobre férias do gestor?
Normalmente ninguém, uma vez que não há nada para fazer. O medo das férias
surge como uma espécie de autodefesa quase que inconsciente destes seres que,
talvez no fundo, saibam que não fazem nada. Talvez, naõ tenho conclusão a
respeito disso. Também não conhecem profundamente nenhum assunto. Decoram duas
ou três frases soltas sobre a maioria dos assuntos e conduzem as conversas
dessa maneira, quase sempre arrumando um jeito de enfiar um termo em inglês em
alguma frase.
Em 2016, a maior cidade do país
escolheu pela primeira vez ser governada por uma pessoa que não sabe fazer
nada. SP teve prefeitos de diferentes ideologias na história, mas, goste-se ou
não deles, acho que todos efetivamente sabiam fazer algo, sejam eles engenheiros
ou professores. João Doria Jr. Nunca fez nada na vida. Vindo de uma família
rica, seu pai foi deputado cassado pelo regime militar. Voltou anos depois e,
contando com a simpatia dos intelectuais anistiados que formariam o PSDB, arrumou
uns empregos para o filho. Com o tempo, Doria Jr. Fundou uma empresa chamada
Lide, que ninguém sabe direito se realmete existe, que patrocina eventos entre
gestores que não sabem fazer nada e políticos do PSDB. Este grupo talvez
fictício fundou também algumas revistas, voltadas para gestores que não sabem
fazer nada, que só lucram porque recebem verbas públicas de governos tucanos.
Comprou horários noturnos em redes de TV quase falidas para apresentar um
programa de entrevistas que ninguém assistia, em que conversava quase sempre
com outros gestores que não fazem nada ou com políticos tucanos. Também
apresentou as edições mais mal-sucedidas do programa O Aprendiz, em que jovens
que sonhavam em entrar para a casta dos gestores que não fazem nada se
sujeitavam a serem humilhados por gestores que não fazem nada. Em seu primeiro
ano na gestão pública, Doria cumpriu sua principal promessa, levar suas
habilidades de gestor do setor público ao setor privado. Em um ano, não fez
nada. Viajou bastante e, de verdade, não fez nada. Ficou feliz ao dizer que
dormia pouco, indício de que realmente não faz nada.
A ascensão da figura deste tipo
de gestor, que ocorre não apenas no Brasil, é um sintoma grave de um problema
social que vivemos, em que a aparência se sobrepôs à essência. Um número cada
vez maior de jovens de diferentes grupos sociais admira este tipo de figura que
nada produz de relevante. Notícias sobre queda no mercado de ações, por
exemplo, geram mais impactos muitas vezes na cabeça de trabalhadores de classe
média do que questões de previdência, mesmo que estes não tenham nenhuma ação de
empresa alguma. A vitória de Doria em 2016 em todas as regiões da maior cidade
do país mostra isto com clareza. É a principal inversão que explica o momento
atual do capitalismo, em que a inutilidade é remunerada e respeitada. E anda
sempre bem vestida.
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