Nunca votei no PT num primeiro
turno de eleição presidencial. Minha primeira ida às urnas foi em 2002 e de lá
pra cá, mesmo no auge da era Lula, em que ele tinha mais de 80% de
popularidade, em nenhuma vez apertei 13 na urna num primeiro turno. Hoje,
apesar de gostar muito de Ciro Gomes, tenho sentido uma enorme disposição de
votar no PT num primeiro turno presidencial, seja em Lula ou em quem ele
apoiar. O motivo é simples. O processo vivido no país a partir da incapacidade
tucana em reconhecer a vitória de Dilma Rousseff em 2014 me transformou num
petralha.
Sempre enxerguei qualidades e
defeitos na gestão petista. Avançamos como país, e muito, no combate à fome, à
desigualdade e em educação. Saímos do mapa da extrema pobreza e um número
gigantesco de pessoas teve acesso ao ensino superior. Pioramos nas áreas de
violência pública e de saúde. Na primeira, com participação óbvia do governo
tucano de SP, que assistiu ao surgimento da maior facção criminosa da história
do país dentro dos presídios por ela geridos. A maior falha petista nesta área,
porém, está no incentivo ao consumismo, maior causa de nossa violência. Não à
toa os dados deste assunto continuaram piorando enquanto quase todos os dados
sociais evoluíam. Fora isto, também estou longe de ser um cara estatista.
Acredito, por exemplo, que o processo de privatizações das rodovias estaduais
promovido pela gestão tucana em SP é um grande sucesso.
Independente de erros e acertos,
sou acima de tudo um democrata. Acho que todas as opiniões sobre erros e
acertos em políticas públicas e sobre participação maior ou menor do Estado na
economia são válidas. Respeito a vontade das urnas e o tipo de gestão por ela
escolhido. Acredito também que a vontade da maioria sobre estes assuntos deve
ser sempre respeitada, cabendo ao Poder Judiciário intervir nos outros poderes
apenas para garantir direitos a minorias. Impedir uma ditadura da maioria, como
diria Tocqueville.
O meu processo de petralhização
(ou petralização, não sei se ponho h ou não, mas acho isso indiferente) começou
com as eleições de 2014. A partir do momento em que o PSDB escolheu Aécio Neves
como seu candidato, ficou muito claro que a prioridade naquele momento seria impedir
sua vitória. Todo mundo sabia quem Aécio era. Sim, todo mundo. As pessoas que
votaram nele para “combater a corrupção” são todas picaretas. Sim, todas. Se
você argumentava que o Brasil estava indo para o caminho errado economicamente
com Dilma, você merece consideração. Agora, se você está lendo este texto e
usava este argumento contra a corrupção para votar em Aécio, você é picareta.
Todo mundo sabia que Aécio era um playboy irresponsável, corrupto e de
tendências autoritárias, que perseguiu diversos jornalistas em seu estado, que
governava MG enquanto morava no Leblon. Fui de Marina no primeiro turno, apenas
para tentar impedir Aécio de chegar ao segundo turno, e fui de Dilma no
segundo, com toda convicção. A incapacidade de Aécio em aceitar a derrota e a
forma como ele pôs fogo no país após o pleito mostraram que a minha análise
sobre o caráter deste triste personagem da política brasileira estava correta.
Uma semana após a eleição, um
pequeno grupo de jovens reacionários, bradando contra uma fraude que só existiu
na cabeça deles, marcou sua primeira passeata pedindo o impeachment de Dilma
Rousseff. Isto antes mesmo dela assumir. A mídia passou a incentivar estes
jovens lunáticos, dando espaço para um deles inclusive em colunas “jornalísticas”.
O PSDB abriu seu espaço para estes jovens enquanto o Poder Judiciário passou a
ser idolatrado pela mídia. “Mais 4 anos de Dilma não dá”. E começou a guerra.
Dois meses e meio após a posse de
Dilma, o movimento dos jovens lunáticos levaria mais de um milhão de pessoas
para as ruas de São Paulo num domingo. A mídia passou a semana inteira
convocando pessoas para as manifestações, “pacíficas e repletas de famílias”,
como adoravam repetir os repórteres. Sem violência, segundo eles. Com placas
defendendo a volta de ditadura e da tortura. Intervenção militar já. Algumas
pediam a volta da monarquia. Outras placas traziam suásticas desenhadas. Manifestantes
chamavam Dilma de todos os nomes. Pediam pena de morte, agrediam quem vestia
vermelho, xingavam quem pensasse diferente. Para a mídia, isto não era
violência.
O Poder Judiciário, único
não-democrático e mais podre dos poderes, era cada vez mais endeusado. Surgiu
um “herói”, o juiz que acusava e prendia os petistas corruptos. Um juiz que se
põe acima da lei e ganha prêmios por isso. Um pequeno tirano. Enquanto os
políticos de aluguel abandonavam o governo Dilma e já ensaiavam como voltar ao
governo após sua saída, o juiz “herói” descumpria a lei e era idolatrado por
isso. Realizou a condução coercitiva de Lula sem que este fosse anteriormente
convocado para depor e, na talvez mais absurda medida deste processo todo,
divulgou na mídia ilegalmente conversas telefônicas dele com a presidenta da
República. Quem julga o juiz “herói”, afinal? Tudo isto na semana anterior à
outra passeata gigantesca agendada pelos jovens lunáticos. Nesta mesma semana,
uma revista semanal de informação trazia na capa a delação premiada de Delcídio
Amaral, ex-senador petista, em que ele contava “tudo”. Um ano depois, o “tudo”
se mostrou nada e a delação foi cancelada, mas serviu para inflar a classe
média novamente. Lá estavam eles na Avenida Paulista de novo, vestindo
verde-e-amarelo na passeata “pacífica” promovida pelos jovens lunáticos. Jair
Bolsonaro, deputado fascista, foi ovacionado ao chegar ao local. Em seu voto na
sessão de impeachment, homenageou o torturador que havia torturado Dilma na
juventude. Isto numa sessão presidida por Eduardo Cunha, possivelmente a pessoa
mais corrupta de todo o processo. O malvado favorito dos jovens lunáticos. Quem
apoiou o impeachment apoiou tudo isto.
Passado o impeachment, era
necessário impedir que Lula voltasse dois anos e meio depois. Legitimar o
golpe. A mídia fez seu papel. Lula virou nas manchetes “o maior ladrão da
história do mundo em todos os tempos”. O uso de manchetes mentirosas contra ele
não é novidade, aliás. Quantas vezes não lemos ou ouvimos que ele estava
preparando um terceiro mandato em 2010, ou que ele estava aparelhando o
Judiciário (mesmo tendo indicado Joaquim Barbosa, que condenou vários petistas
no Mensalão) ou que ele perseguia jornalistas (mesmo que nomes contrários a ele
tenham efetivamente ganhado espaço na mídia por criticá-lo, como Diogo
Mainardi, Rachel Sheherazade, Danilo Gentili, entre outros). E a principal, que
seu filho seria dono da Friboi. Aquela que gravou Temer negociando e Aécio
recebendo propina. A grande mídia brasileira foi na gestão Lula a precursora
das Fake News, a arma hoje mais usada por bolsonetes e pelos jovens lunáticos.
Lula foi condenado pelo juiz “herói”.
Por um apartamento que não é seu, por causa de uma reforma feita por uma
construtora que queria vender este apartamento para ele. Sem provas, só com
convicção. Um testemunho passou a servir para provar a posse de um imóvel. Num
processo que gerou diversos debates no meio jurídico, Lula foi condenado por
unanimidade na segunda instância, com concordância inclusive sobre a pena. Doze
anos e um mês. Qualquer discordância poderia atrasar o processo. É preciso
tirar Lula da jogada logo.
Um quinto do país votaria hoje em
Bolsonaro, um candidato que defende a prática da tortura e diz que
homossexualismo é uma doença que se combate com surra na infância. O mercado
financeiro já se prepara para apoiá-lo caso não consiga emplacar o nome do
governador tucano de SP citado no primeiro parágrafo, aquele da facção
criminosa que hoje assusta o país. Já tentaram apostar num apresentador de TV,
famoso por ser amigo de Aécio. Antes apostaram num lobista debilóide que,
graças a um discurso de ódio, chegou à prefeitura da cidade que lotou a sua
principal avenida seguindo os jovens lunáticos, que, aliás, hoje perseguem
artistas e professores.
Veja a galera que odeia Lula e o
PT. Olhe para a cara deles. Veja o rancor contra tudo que melhorou. Veja a
forma como eles chamam todos de vagabundos, como expõem preconceitos, como só
sabem argumentar xingando e gritando. Sou diferente deles e não quero estar ao
lado dessa gente em situação alguma. Virei petralha, com orgulho!
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