quarta-feira, 8 de novembro de 2017

A mídia e o racismo


William Waack foi afastado do Jornal da Globo após o vazamento de um vídeo em que ele aparece cometendo um ato racista. Waack foi nos últimos anos, junto com Alexandre Garcia, o mais influente jornalista de pautas direitistas da maior emissora do país. Possuía em seu telejornal liberdade editorial quase completa para opinar e foi uma das vozes mais fortes do movimento que chamo de paranoia antipetista, formado por jornalistas que basearam suas opiniões na defesa do que chamam de livre mercado e na crítica a programas sociais dos governos petistas, especialmente o Bolsa Família e as cotas raciais. Segundo Alexandre Garcia, aliás, em um editorial do Bom Dia Brasil, o governo petista era responsável pelo surgimento do racismo no Brasil ao adotar a política de cotas nas universidades. Talvez o comportamento do seu agora quase ex-coleguinha Waack o prove do contrário.
Não é a primeira vez que algo deste tipo acontece na grande mídia brasileira, mas nunca havia envolvido alguém com o poder de influência de Waack. Boris Casoy foi filmado num intervalo fazendo chacota de um grupo de garis que sonhava em comprar um celular. Como uma representação da elite que não se conformava com o acesso a novos produtos que pessoas de origem humilde estavam obtendo na era Lula, Casoy gargalhava e humilhava profissionais que realizam um trabalho fundamental para o nosso dia-a-dia. Pediu desculpas no ar e não recebeu nenhuma punição da Bandeirantes. Hoje está na Rede TV. Rachel Sheerazade, ícone da extrema-direita lunática, causou polêmica ao defender o linchamento de um jovem contraventor que havia sido amarrado numa árvore. Como “punição” do SBT, foi proibida de opinar no telejornal e recebeu um contrato da maior emissora de rádio de São Paulo para dar exatamente o tipo de opinião que gerou a polêmica. O mesmo SBT, aliás, contratou Marcão do Povo, demitido da Record após usar xingamentos racistas contra uma cantora de funk. Talvez o SBT seja o mesmo destino de William Waack, pois aparentemente Silvio Santos aprova este tipo de comportamento entre seus jornalistas.
A punição a Waack mostra que nossa sociedade ao menos está evoluindo um pouco quanto a este assunto. Não há mais espaço para racismo explícito na maior emissora do país e a postura da Globo mostra ao menos que ela sentiu necessidade de agir dessa forma. Isto é importante, mas muito ainda deve ser feito, especialmente para criar alguma diversidade nas redações. Praticamente todos os apresentadores de telejornais, seja nas TVs abertas ou fechadas, são brancos. São eles que decidem a forma como as informações chegam aos telespectadores. Não há nenhum espaço para debates, há basicamente pessoas brancas expondo paranoias e moralismos de classe média, sem nenhum questionamento real sobre nossas desigualdades e desafios, incentivando uma alienação cada vez maior entre seus telespectadores. Uma reportagem sobre aumento de gasolina ou atraso em aeroportos tem mais destaque e tempo do que uma matéria sobre miséria ou combate à desigualdade. O Brasil real segue invisível na grande mídia. A maior parcela da população segue com pouquíssima representação em emissoras que, afinal, são concessões públicas e, portanto, devem satisfação por sua programação à sociedade.

A mídia tem uma responsabilidade gigantesca neste grande movimento de falso moralismo, ódio e paranoia que gerou o impeachment de Dilma e que agora evoluiu para uma assustadora onda de extrema-direita que persegue artistas e professores. A grande mídia claramente não se mostra preocupada ou interessada em fazer alguma autocrítica sobre seu papel em todo momento caótico que o Brasil vive. Não vimos e creio que não veremos nenhuma investigação sobre gastos de estatais, algumas com monopólio, em publicidade nestes grandes meios, ou no silêncio de todos para as grandes obras olímpicas no Rio enquanto elas eram construídas. O afastamento de Waack, porém, mostra que em todo este caos trágico que vivemos, houve alguma evolução social. Ao menos vivemos num período em que a emissora sente necessidade de dar alguma satisfação a seu público quando algo deste tipo acontece. Diferentemente do que houve com Casoy, há pouco tempo. Que figuras racistas como Waack desapareçam. E que levem seus falsos moralismos, preconceitos e paranoias juntos. Mas que fique claro que seu afastamento é apenas um pequeno passo. Uma pequena e simbólica vitória num período trágico de derrotas para todos que defendem uma sociedade mais igual e sem preconceitos.

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