segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A nova aposta do mercado


O “deus-mercado” está cansando de brincar de democracia no Brasil. Irritado com a insistência de boa parcela da população em votar no presidente que lhes deu alguma dignidade e incapaz de reverter a psicopatia social que explica a ascensão de Jair Bolsonaro, prepara-se para sua mais arriscada e sagaz ação. A criação de um fantoche.
Articula-se com cada vez mais força no meio empresarial a candidatura do apresentador Luciano Huck à presidência, possivelmente com o banqueiro Henrique Meirelles no cargo de vice. Alçado à fama nos anos 90, graças ao lançamento de personagens femininos interpretados por mulheres seminuas, o mercado espera que Huck consiga fazer com Meirelles algo semelhante ao que conseguiu fazer com Tiazinha e Feiticeira. O deleite que a possibilidade de Meirelles chegar ao poder causa entre os “empreendedores e gestores” do mercado financeiro é semelhante ao deleite que Tiazinha provocava em adolescentes espinhudos de vinte anos atrás. O problema é que Meirelles não tem voto. Quase nenhum. Para chegar lá, precisaria de um fantoche qualquer, e nada melhor do que um apresentador egocêntrico, capaz de obter os votos que este mercado tanto precisa na classe mais baixa graças a seu programa de TV com quadros assistencialistas, voltados para enaltecer a grandeza do apresentador rico que distribui uma migalha qualquer para um pobre telespectador, que responde com aquele olhar grato que membros da elite adoram receber quando doam, por exemplo, roupas velhas para a família da empregada doméstica.
Huck até o momento deu algumas entrevistas sobre o assunto, em que se mostra totalmente preparado para o cargo de fantoche de Meirelles e do mercado. Destacam-se aquelas em que diz que “não importa se foi golpe ou não”, mostrando o enorme desrespeito que possui por análises históricas (afinal, no mundinho da meritocracia pouco importam as desigualdades atuais decorrentes de processos históricos) e, a mais marcante a meu ver, em que diz que está na hora da sua geração chegar ao poder. Huck é homem, branco, rico, nascido em família rica, mais acima de 45 anos, quase um cinquentão. Homens, brancos, ricos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos são basicamente a definição de poder. Olhe para a gestão de qualquer empresa e é basicamente isto que você encontrará. Chamam de novo o que há de mais velho.
O mercado ainda precisa fingir que liga para a democracia e para regras. A aparência importa mais que a essência. Por isso aplaudem as reformas feitas por um presidente sem voto, argumentando que elas são legítimas porque Temer estava na chapa da eleita Dilma, mesmo que esteja fazendo o contrário de tudo o que a chapa eleita havia prometido. Conta no seu joguinho com o Poder Judiciário, composto basicamente por homens, brancos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos. Cria-se um suposto cenário de combate à corrupção, extremamente seletivo, que condena Lula sem provas, absolve Aécio e Temer com provas e esquece voluntariamente de Meirelles, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F, dona da JBS, durante todo o período de roubalheira. No Brasil atual, é a “democracia” quem deve se adequar às vontades do mercado, e não o inverso.
Parece cada vez mais necessário que o Poder Judiciário cumpra seu papel e tire Lula da disputa. A condenação sem provas do ex-presidente gerou euforia no mercado, queda do dólar e recorde na Bovespa. Nunca se viu relação entre Mercado e Poder Judiciário tão gritante como neste dia. Para legitimar uma eleição sem o líder das pesquisas, entra a grande mídia, comandada basicamente por homens, brancos, ricos, nascidos em famílias ricas, acima de 45 anos. Repetem-se informações não verificadas como se fossem verdades. Lembremos da “chocante” delação de Delcídio Amaral, tratada como verdade absoluta há um ano e anulada por falta de provas. Revistas semanais de “informação” trouxeram nas últimas semanas imagens de Lula o chamando de “extrema-esquerda”, estimulando paranoias anticomunistas típicas de Guerra Fria, mesmo que seu governo tenha passado muito longe disso e que seu presidente do Banco Central tenha sido Meirelles, homem que sonham em ver conduzindo a nação. Criam uma falsa comparação com o psicopata da extrema-direita e propõem o surgimento mágico de um candidato do que chamam de “centro”, aquela região mágica em que há discernimento e não há conflito. Veja propõe, olhe só, a chapa Huck-Meirelles, para alegria do mercado.

Cem anos após a Revolução Russa e seu lema “proletários do mundo, uni-vos”, a elite brasileira, que comanda o tripé mercado, mídia e Justiça, cria quase um lema “homens, brancos, ricos, nascidos em família rica e acima de 45 anos, uni-vos”. A turma que sempre esteve no Poder quer continuar lá, sem dividi-lo com ninguém. Para isto, é fundamental que encontrem alguém cuja aparência seja capaz de enganar quem não faz parte deste seleto grupo com a ideia de ausência de conflitos sociais. Doria fracassou e Huck aparece como fantoche da vez. Uh, Tiazinha !

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