O “deus-mercado” está cansando de
brincar de democracia no Brasil. Irritado com a insistência de boa parcela da
população em votar no presidente que lhes deu alguma dignidade e incapaz de
reverter a psicopatia social que explica a ascensão de Jair Bolsonaro,
prepara-se para sua mais arriscada e sagaz ação. A criação de um fantoche.
Articula-se com cada vez mais
força no meio empresarial a candidatura do apresentador Luciano Huck à
presidência, possivelmente com o banqueiro Henrique Meirelles no cargo de vice.
Alçado à fama nos anos 90, graças ao lançamento de personagens femininos interpretados
por mulheres seminuas, o mercado espera que Huck consiga fazer com Meirelles
algo semelhante ao que conseguiu fazer com Tiazinha e Feiticeira. O deleite que
a possibilidade de Meirelles chegar ao poder causa entre os “empreendedores e
gestores” do mercado financeiro é semelhante ao deleite que Tiazinha provocava
em adolescentes espinhudos de vinte anos atrás. O problema é que Meirelles não
tem voto. Quase nenhum. Para chegar lá, precisaria de um fantoche qualquer, e
nada melhor do que um apresentador egocêntrico, capaz de obter os votos que
este mercado tanto precisa na classe mais baixa graças a seu programa de TV com
quadros assistencialistas, voltados para enaltecer a grandeza do apresentador
rico que distribui uma migalha qualquer para um pobre telespectador, que
responde com aquele olhar grato que membros da elite adoram receber quando
doam, por exemplo, roupas velhas para a família da empregada doméstica.
Huck até o momento deu algumas
entrevistas sobre o assunto, em que se mostra totalmente preparado para o cargo
de fantoche de Meirelles e do mercado. Destacam-se aquelas em que diz que “não
importa se foi golpe ou não”, mostrando o enorme desrespeito que possui por
análises históricas (afinal, no mundinho da meritocracia pouco importam as
desigualdades atuais decorrentes de processos históricos) e, a mais marcante a
meu ver, em que diz que está na hora da sua geração chegar ao poder. Huck é
homem, branco, rico, nascido em família rica, mais acima de 45 anos, quase um
cinquentão. Homens, brancos, ricos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos
são basicamente a definição de poder. Olhe para a gestão de qualquer empresa e
é basicamente isto que você encontrará. Chamam de novo o que há de mais velho.
O mercado ainda precisa fingir
que liga para a democracia e para regras. A aparência importa mais que a
essência. Por isso aplaudem as reformas feitas por um presidente sem voto,
argumentando que elas são legítimas porque Temer estava na chapa da eleita
Dilma, mesmo que esteja fazendo o contrário de tudo o que a chapa eleita havia
prometido. Conta no seu joguinho com o Poder Judiciário, composto basicamente
por homens, brancos, nascido em famílias ricas, acima de 45 anos. Cria-se um
suposto cenário de combate à corrupção, extremamente seletivo, que condena Lula
sem provas, absolve Aécio e Temer com provas e esquece voluntariamente de
Meirelles, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F, dona da JBS,
durante todo o período de roubalheira. No Brasil atual, é a “democracia” quem
deve se adequar às vontades do mercado, e não o inverso.
Parece cada vez mais necessário
que o Poder Judiciário cumpra seu papel e tire Lula da disputa. A condenação
sem provas do ex-presidente gerou euforia no mercado, queda do dólar e recorde
na Bovespa. Nunca se viu relação entre Mercado e Poder Judiciário tão gritante
como neste dia. Para legitimar uma eleição sem o líder das pesquisas, entra a
grande mídia, comandada basicamente por homens, brancos, ricos, nascidos em
famílias ricas, acima de 45 anos. Repetem-se informações não verificadas como
se fossem verdades. Lembremos da “chocante” delação de Delcídio Amaral, tratada
como verdade absoluta há um ano e anulada por falta de provas. Revistas
semanais de “informação” trouxeram nas últimas semanas imagens de Lula o
chamando de “extrema-esquerda”, estimulando paranoias anticomunistas típicas de
Guerra Fria, mesmo que seu governo tenha passado muito longe disso e que seu
presidente do Banco Central tenha sido Meirelles, homem que sonham em ver
conduzindo a nação. Criam uma falsa comparação com o psicopata da
extrema-direita e propõem o surgimento mágico de um candidato do que chamam de “centro”,
aquela região mágica em que há discernimento e não há conflito. Veja propõe,
olhe só, a chapa Huck-Meirelles, para alegria do mercado.
Cem anos após a Revolução Russa e
seu lema “proletários do mundo, uni-vos”, a elite brasileira, que comanda o
tripé mercado, mídia e Justiça, cria quase um lema “homens, brancos, ricos,
nascidos em família rica e acima de 45 anos, uni-vos”. A turma que sempre
esteve no Poder quer continuar lá, sem dividi-lo com ninguém. Para isto, é
fundamental que encontrem alguém cuja aparência seja capaz de enganar quem não
faz parte deste seleto grupo com a ideia de ausência de conflitos sociais. Doria fracassou e Huck
aparece como fantoche da vez. Uh, Tiazinha !
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