quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Ives Gandra Martins e a luta da elite pela manutenção de privilégios


“Não sou nem negro, nem homossexual, nem índio, nem assaltante, nem guerrilheiro, nem invasor de terras. Como faço para viver no Brasil nos dias atuais?”. É assim que Ives Gandra Martins, importante jurista, começa sua deprimente coluna divulgada nesta semana pelo jornal cearense O Povo. O texto foi escrito em 2013, quando a onda de ódio que tomaria conta do Brasil, levando a um golpe de Estado e ao surgimento de movimentos de extrema-direita como o MBL estava apenas no começo, mas a coluna de Gandra ajuda a entender bem o ódio que boa parte da elite em relação aos avanços sociais vividos no Brasil nos últimos anos e como esta elite usou o artifício da corrupção, da qual sempre se beneficiou, para seduzir uma parcela alienada da classe média e destruir os projetos e garantias sociais obtidos historicamente com muita luta.
Ives Gandra Martins é da Opus Dei. Advogado, pôde pagar as melhores escolas para seu filhinho, Ives Gandra Martins Filho, que hoje é presidente do Tribunal Superior do Trabalho. É muito comum no Poder Judiciário, aliás, ver pai “doutor” gerando filho “doutor”. Isto não incomoda os Gandra. A versão Filho deu declarações defendendo a Reforma Trabalhista, utilizando o argumento favorito dos empresários sedentos por maior margem de lucro: “A flexibilização criará empregos”. Converse a sós com algum empresário e veja se ele tem realmente algum interesse em criar emprego. Funcionário é visto como custo. Deu também declarações contra a legalização do casamento entre homossexuais e, para se ter uma ideia do grau de reacionarismo do magistrado, já se disse contra o fato do divórcio ser legalizado. Também já disse que a mulher deve ser submissa ao marido e, como o pai, é  membro da Opus Dei. Quem o nomeou para o cargo de ministro do TST foi FHC, o que mostra que o PSDB já flerta com o reacionarismo desde então. Gandra Filho, aliás, esteve muito perto de chegar ao Supremo durante a gestão Temer, seu nome era um dos favoritos na indicação que foi para Alexandre de Moraes. É o próximo da lista. Pense num cara destes no Supremo por quase trinta anos. Falta pouco.
O irmão de Gandra Martins Pai é João Carlos Martins, hoje maestro e famoso por suas interpretações de Bach ao piano. O maestro era dono de uma empresa chamada Pau Brasil, fechada nos anos 2000 sob acusação de realizar operações financeiras irregulares para as candidaturas de Paulo Maluf nos anos 1990. Martins chegou a ser condenado à prisão pelas falcatruas nas campanhas malufistas, mas teve a pena trocada por prestações de serviço. Nada como ser irmão e tio de gente importante.
A elite brasileira adora ter privilégios e é capaz de tudo para mantê-los. Mais do que os erros, foram os acertos da gestão petista que fizeram com que essa elite a odiasse. A corrupção nunca os incomodou. Eles odeiam mesmo são as cotas e qualquer medida que vise diminuir as desigualdades das quais famílias como a dos Gandra Martins são as grandes beneficiadas. Em sua coluna, Gandra pai tenta se colocar como “vítima” de um sistema do qual é o grande beneficiado, que permite que a riqueza e o status sejam hereditários e em que a corrupção de seu grupo não seja punida. Se existir um Gandras Neto, deve estar em alguma escola particular para milionários se preparando para entrar em direito no Largo São Francisco. Não à toa, esta elite nem finge mais se incomodar com a corrupção praticada pelo governo Temer. O que eles queriam mesmo era redução dos programas sociais e combate ao aparato de proteção ao trabalhador. Conseguiram. Ainda precisam da Reforma da Previdência, que este governo não parece capaz de entregar. Num futuro próximo, provavelmente o alvo será o programa de cotas raciais nas universidades federais. O argumento da vez possivelmente será “meritocracia”. Famílias ricas adoram este termo. Depois será o Bolsa-Família. "Dê a vara ao invés do peixe", adoram dizer aqueles cujos filhos estão destinados a serem "doutores" desde o nascimento.
Não há no Brasil nada mais elitista do que o Poder Judiciário. Não à toa, este Poder teve participação tão fundamental no processo político que resultou na ascensão de Temer à Presidência. Não à toa lutam tanto para manter seus privilégios. No último depoimento de Lula ao grande ídolo desta elite que comandou o golpe de Estado e lucra com suas consequências, o juiz Sérgio Moro, este deu uma bronca no ex-presidente quando aquele se referiu a uma promotora como “querida”, e não “doutora”. A tal “doutora”, porém, não tinha doutorado. A elite se regozijou de alegria ao ver o juiz moralista colocar o ex-torneiro mecânico em seu “devido lugar”. Eles querem continuar sendo tratados como “doutores”. O golpe não foi contra a corrupção. Ela está aí, ocorrendo quase normalmente. Foi para manter privilégios. Os golpistas estão sendo bem sucedidos, enquanto os patos que berravam hoje silenciam. A classe média que sustentou o golpe sonha em ser como os Martins e aceita passivelmente ser submissa a eles. O oprimido que sonha em ser opressor. Os Martins agradecem.

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