Fundado por intelectuais de
centro-esquerda descontentes com o PMDB durante o governo Sarney em 1988, o
PSDB hoje quebra a cabeça para saber como conseguirá manter a extrema-direita
em seu eleitorado, atraído pelas ideias reacionárias de Jair Bolsonaro. Ao invés de renegar este tipo de gente, quer continuar os atraindo. O objetivo
deste texto é analisar como, num espaço de 30 anos, um partido de intelectuais
de ideologia social-democrata se tornou dependente de um eleitorado boçal e
odioso, identificado com o MBL.
O PSDB nacional é basicamente o
PSDB paulista. É a cúpula paulista do partido que basicamente decide os rumos
que o partido tomará nacionalmente. Não à toa, nas sete eleições presidenciais
disputadas desde a redemocratização, em seis o candidato havia feito a carreira
em SP (Covas em 1989, FHC em 1994 e 1998, Serra em 2002 e 2010 e Alckmin em
2006. A exceção é Aécio Neves em 2014). À época, a política paulistana era
basicamente polarizada entre PT à esquerda e Maluf e Jânio à direita, com PSDB
e PMDB como opções de centro, um mais à esquerda e outro mais à direita. A
direita paulistana sempre se identificou mais com pessoas do que com partidos,
desde a época de Adhemar de Barros. Naquele momento, Maluf representava a
direita “tocadora de obras”, enquanto Jânio representava a “direita
fiscalizadora e dos bons costumes”. Com a saída de Jânio da política e sua
morte em 1992, o eleitorado direitista de SP se uniu em Maluf e o levou à sua
primeira, e única, vitória em eleição majoritária no mesmo ano. Disputando o
segundo turno contra Eduardo Suplicy, Maluf venceu sem o apoio tucano, que
ficou do lado petista neste embate. O mesmo ocorrera nas eleições presidenciais
de 1989, quando o PSDB apoiou Lula contra Covas. É importante citar, aliás, que
depois de Lula, Mario Covas era a pessoa mais odiada pelo eleitorado malufista
e seu grande rival desde o período universitário.
A cisão entre PT e PSDB viria em
1994. Graças ao Plano Real, o PSDB, que chegara até a cogitar uma chapa com
Lula nas eleições daquele ano, ganhou força nacionalmente e passou a rivalizar
com o PT. Neste momento, a atração exercida pelo PSDB no eleitorado se dava por
razões basicamente econômicas, com o sucesso do plano em combater aquela que
era encarada como o grande problema do Brasil no momento, a inflação. Embora o
PT já fosse em todo governo FHC o maior partido de oposição, sempre se aliava
aos tucanos em SP no segundo turno contra o malufismo. Foi assim nas eleições
municipais de 1996, em que o PSDB apoiou Luiza Erundina contra Celso Pitta, em 1998,
quando o PT apoiou Mario Covas contra Maluf na disputa pelo governo de SP, e em
2000, quando o PSDB apoiou Marta Suplicy contra o mesmo Maluf na disputa
municipal. A foto de Mario Covas saindo do hospital para votar em Marta e
ganhando um beijo da petista, aliás, representa o último momento de amizade e
união entre tucanos e petistas em SP.
Já em 1998, a popularidade de
Paulo Maluf começou a cair em SP, devido a inúmeros escândalos de corrupção e
principalmente devido ao fracasso da gestão Celso Pitta. Poucos políticos devem
se arrepender tanto de uma frase quanto Maluf de “Se o Pitta não for um bom
prefeito, nunca mais votem em mim”. Já era claro naquele momento que qualquer
candidato que fosse para o segundo turno contra Maluf venceria, sempre com a
união entre PT e PSDB. A partir das eleições estaduais de 2002, Maluf perdeu a
força para chegar ao segundo turno e, pela primeira vez em SP, PT e PSDB
passaram a rivalizar. O eleitorado malufista foi em massa para o PSDB. Covas já
estava morto e Alckmin, seu sucessor, embora não representasse o ideal “tocador
de obras” de Maluf, era uma opção mais aceitável para eles do que o PT.
A rivalidade PT e PSDB se acirrou
na década de 2000 e o eleitorado de extrema-direita, inicialmente por pura
rejeição a petistas e a Lula, aliou-se ao tucanato, uma vez que não possuía nenhum
nome que a representasse. Nenhum estado rejeitou tanto a gestão Lula como SP e,
durante um certo tempo, ser oposição a Lula bastava. Com o tempo, porém, o PSDB
começou a se transformar para agradar este novo eleitorado. Pautas moralistas passaram
a fazer parte dos programas tucanos. Alianças com evangélicos se tornaram
comuns e aquelas pessoas que inicialmente estavam no PSDB apenas por rejeição
ao PT começaram a mudar o partido. A sigla de intelectuais passou a ser
representada por gente como Coronel Telhada, deputado estadual mais votado do
partido em SP em 2010 e 2014.
A derrota em 2014 e o acirramento
da polarização política fez com que o movimento de extrema-direita interno do
PSDB explodisse. A juventude do partido buscou alianças com o MBL, uma milícia
de tendências fascistas formada por jovens lunáticos metidos a empreendedores,
o partido embarcou de cabeça na maluquice do impeachment, com seus deputados
votando por “Deus e pela família” e Geraldo Alckmin inventou João Doria Jr para
a cidade de São Paulo. Com Doria, o PSDB finalmente passou a ter um líder que
se encaixa no perfil do eleitorado direitista paulistano, com um discurso
janista de culto ao trabalho exagerado e lunático e a aprovação de um
eleitorado que se identifica com isto. A sua história, aliás, mostra bem a
transformação do partido. Entrou no partido apenas em 2001, apenas buscando uma
oposição viável ao PT. Ganhou força com o tempo e agora domina.
Doria é o candidato do PSDB mais
competitivo para a disputa do Planalto. E não é porque ele é o “novo” ou porque
quer “vender tudo”. O motivo principal para Doria ser o tucano mais competitivo
é que ele tem o perfil que mais agrada à extrema-direita e se houvesse alguma
capacidade de reflexão dentro do ninho tucano as pessoas seriam capazes de
enxergar o horror que isto representa. O outrora partido de intelectuais da
social-democracia tornou-se dependente de gente que possui o ódio como grande
forma de mobilização. Os eleitores de Bolsonaro adoram Doria pelo seu discurso
vazio e seu antipetismo doente e obsessivo, não ligam muito para a total ineficiência do "gestor".
Ao inventar Doria, Alckmin criou
um nome que hoje é mais forte do que o PSDB em SP. O eleitorado conservador
paulistano sempre foi muito mais ligado a nomes do que a siglas e o discurso
vazio de Doria se encaixa perfeitamente a estas pessoas. Assim como o prefeito,
que provavelmente deixará o partido caso este não se curve a suas vontades,
este eleitorado nunca teve identificação com a sigla e não pestanejará ao deixa-lo
agora que possui duas opções que agradam mais suas “visões” políticas,
Bolsonaro e Doria. Caberá agora ao PSDB decidir se quer perder e continuar
existindo ou ganhar e ser dominado pelo reacionarismo do MBL. Os anos aceitando
silenciosamente alianças com a extrema-direita para tentar chegar ao poder
destruíram o partido original. O PSDB como oposição em nada contribuiu para
algum avanço na qualidade do debate político no país, contentando-se em aliar a
qualquer um que surgisse para tentar derrotar o PT. Em 1994, o PSDB tinha o apoio de Bresser-Pereira. Em 2014, tinha o apoio de Frota. O PSDB passou anos se contentando em ter o apoio dos medíocres. Agora, resta saber se aceitará ser comandado por estes.
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