sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Como o PSDB se tornou refém do atraso


Fundado por intelectuais de centro-esquerda descontentes com o PMDB durante o governo Sarney em 1988, o PSDB hoje quebra a cabeça para saber como conseguirá manter a extrema-direita em seu eleitorado, atraído pelas ideias reacionárias de Jair Bolsonaro. Ao invés de renegar este tipo de gente, quer continuar os atraindo. O objetivo deste texto é analisar como, num espaço de 30 anos, um partido de intelectuais de ideologia social-democrata se tornou dependente de um eleitorado boçal e odioso, identificado com o MBL.
O PSDB nacional é basicamente o PSDB paulista. É a cúpula paulista do partido que basicamente decide os rumos que o partido tomará nacionalmente. Não à toa, nas sete eleições presidenciais disputadas desde a redemocratização, em seis o candidato havia feito a carreira em SP (Covas em 1989, FHC em 1994 e 1998, Serra em 2002 e 2010 e Alckmin em 2006. A exceção é Aécio Neves em 2014). À época, a política paulistana era basicamente polarizada entre PT à esquerda e Maluf e Jânio à direita, com PSDB e PMDB como opções de centro, um mais à esquerda e outro mais à direita. A direita paulistana sempre se identificou mais com pessoas do que com partidos, desde a época de Adhemar de Barros. Naquele momento, Maluf representava a direita “tocadora de obras”, enquanto Jânio representava a “direita fiscalizadora e dos bons costumes”. Com a saída de Jânio da política e sua morte em 1992, o eleitorado direitista de SP se uniu em Maluf e o levou à sua primeira, e única, vitória em eleição majoritária no mesmo ano. Disputando o segundo turno contra Eduardo Suplicy, Maluf venceu sem o apoio tucano, que ficou do lado petista neste embate. O mesmo ocorrera nas eleições presidenciais de 1989, quando o PSDB apoiou Lula contra Covas. É importante citar, aliás, que depois de Lula, Mario Covas era a pessoa mais odiada pelo eleitorado malufista e seu grande rival desde o período universitário.
A cisão entre PT e PSDB viria em 1994. Graças ao Plano Real, o PSDB, que chegara até a cogitar uma chapa com Lula nas eleições daquele ano, ganhou força nacionalmente e passou a rivalizar com o PT. Neste momento, a atração exercida pelo PSDB no eleitorado se dava por razões basicamente econômicas, com o sucesso do plano em combater aquela que era encarada como o grande problema do Brasil no momento, a inflação. Embora o PT já fosse em todo governo FHC o maior partido de oposição, sempre se aliava aos tucanos em SP no segundo turno contra o malufismo. Foi assim nas eleições municipais de 1996, em que o PSDB apoiou Luiza Erundina contra Celso Pitta, em 1998, quando o PT apoiou Mario Covas contra Maluf na disputa pelo governo de SP, e em 2000, quando o PSDB apoiou Marta Suplicy contra o mesmo Maluf na disputa municipal. A foto de Mario Covas saindo do hospital para votar em Marta e ganhando um beijo da petista, aliás, representa o último momento de amizade e união entre tucanos e petistas em SP.
Já em 1998, a popularidade de Paulo Maluf começou a cair em SP, devido a inúmeros escândalos de corrupção e principalmente devido ao fracasso da gestão Celso Pitta. Poucos políticos devem se arrepender tanto de uma frase quanto Maluf de “Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim”. Já era claro naquele momento que qualquer candidato que fosse para o segundo turno contra Maluf venceria, sempre com a união entre PT e PSDB. A partir das eleições estaduais de 2002, Maluf perdeu a força para chegar ao segundo turno e, pela primeira vez em SP, PT e PSDB passaram a rivalizar. O eleitorado malufista foi em massa para o PSDB. Covas já estava morto e Alckmin, seu sucessor, embora não representasse o ideal “tocador de obras” de Maluf, era uma opção mais aceitável para eles do que o PT.
A rivalidade PT e PSDB se acirrou na década de 2000 e o eleitorado de extrema-direita, inicialmente por pura rejeição a petistas e a Lula, aliou-se ao tucanato, uma vez que não possuía nenhum nome que a representasse. Nenhum estado rejeitou tanto a gestão Lula como SP e, durante um certo tempo, ser oposição a Lula bastava. Com o tempo, porém, o PSDB começou a se transformar para agradar este novo eleitorado. Pautas moralistas passaram a fazer parte dos programas tucanos. Alianças com evangélicos se tornaram comuns e aquelas pessoas que inicialmente estavam no PSDB apenas por rejeição ao PT começaram a mudar o partido. A sigla de intelectuais passou a ser representada por gente como Coronel Telhada, deputado estadual mais votado do partido em SP em 2010 e 2014.
A derrota em 2014 e o acirramento da polarização política fez com que o movimento de extrema-direita interno do PSDB explodisse. A juventude do partido buscou alianças com o MBL, uma milícia de tendências fascistas formada por jovens lunáticos metidos a empreendedores, o partido embarcou de cabeça na maluquice do impeachment, com seus deputados votando por “Deus e pela família” e Geraldo Alckmin inventou João Doria Jr para a cidade de São Paulo. Com Doria, o PSDB finalmente passou a ter um líder que se encaixa no perfil do eleitorado direitista paulistano, com um discurso janista de culto ao trabalho exagerado e lunático e a aprovação de um eleitorado que se identifica com isto. A sua história, aliás, mostra bem a transformação do partido. Entrou no partido apenas em 2001, apenas buscando uma oposição viável ao PT. Ganhou força com o tempo e agora domina.
Doria é o candidato do PSDB mais competitivo para a disputa do Planalto. E não é porque ele é o “novo” ou porque quer “vender tudo”. O motivo principal para Doria ser o tucano mais competitivo é que ele tem o perfil que mais agrada à extrema-direita e se houvesse alguma capacidade de reflexão dentro do ninho tucano as pessoas seriam capazes de enxergar o horror que isto representa. O outrora partido de intelectuais da social-democracia tornou-se dependente de gente que possui o ódio como grande forma de mobilização. Os eleitores de Bolsonaro adoram Doria pelo seu discurso vazio e seu antipetismo doente e obsessivo, não ligam muito para a total ineficiência do "gestor".

Ao inventar Doria, Alckmin criou um nome que hoje é mais forte do que o PSDB em SP. O eleitorado conservador paulistano sempre foi muito mais ligado a nomes do que a siglas e o discurso vazio de Doria se encaixa perfeitamente a estas pessoas. Assim como o prefeito, que provavelmente deixará o partido caso este não se curve a suas vontades, este eleitorado nunca teve identificação com a sigla e não pestanejará ao deixa-lo agora que possui duas opções que agradam mais suas “visões” políticas, Bolsonaro e Doria. Caberá agora ao PSDB decidir se quer perder e continuar existindo ou ganhar e ser dominado pelo reacionarismo do MBL. Os anos aceitando silenciosamente alianças com a extrema-direita para tentar chegar ao poder destruíram o partido original. O PSDB como oposição em nada contribuiu para algum avanço na qualidade do debate político no país, contentando-se em aliar a qualquer um que surgisse para tentar derrotar o PT. Em 1994, o PSDB tinha o apoio de Bresser-Pereira. Em 2014, tinha o apoio de Frota. O PSDB passou anos se contentando em ter o apoio dos medíocres. Agora, resta saber se aceitará ser comandado por estes.

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