Um general defende publicamente
uma possível intervenção militar. Pesquisa indica que mais de quarenta por
cento dos jovens também a defendem. O jornal O Estado de São Paulo diz que esta
intervenção poderia ser boa “dependendo do cenário”. Aquelas pessoas que
estavam nas passeatas de 2015 com faixas pedindo “Intervenção Militar Já”
parecem, afinal, não serem tão minoria quanto a grande mídia adorava alardear
no período. O MBL, movimento que liderou aquelas passeatas midiáticas, passou a
perseguir jornalistas e exposições de arte. Bolsonaro já tem 20% das opções de
voto e lidera entre os mais ricos. O objetivo deste texto é refletir sobre o
papel que a Operação Lava Jato no avanço desta onda autoritária no país.
Todo grande regime autoritário
surge em momentos de “limpeza”. A rejeição à corrupção faz com que sociedades
de “pessoas de bem” aceitem qualquer coisa para combatê-la. Ou ao menos a usem
como justificativa para se livrar daqueles que consideram indesejados. Em nome
do que diz ser a lei e a moral, o juiz Sérgio Moro e o restante da Operação fazem
coisas ilegais e moralmente questionáveis, para dizer pouco. Abaixo alguns
exemplos:
- Pessoas estão há mais de dois anos
em prisão preventiva sendo chantageadas para delatar o que o juiz deseja ouvir;
- Delações são tornadas públicas antes de investigadas;
- Conduções coercitivas são
realizadas sem que tenha havido tentativa de intimação;
- Estas conduções e prisões são
transformadas em espetáculos midiáticos;
- Condenações acontecem sem
provas;
- O juiz age como acusador, quase
unido à promotoria;
- O juiz exige que as provas
sejam apresentadas pela defesa, invertendo a lógica de que é a acusação que
deve apresenta-las e não o inverso;
- O juiz grampeia e divulga uma
conversa telefônica de uma presidenta, algo explicitamente proibido pela
Constituição.
Moro e os procuradores da Lava Jato
se colocam acima da lei e não se sentem incomodados por isto. Nem eles nem a
mídia que os bajulam. Moro praticamente nunca deu entrevistas a meios de
comunicação nacionais. Não sente necessidade de explicar nada à sociedade. Quase
todas as suas entrevistas foram dadas a órgãos estrangeiros, em que ele já
disse que foi influenciado por heróis de quadrinhos. As únicas vezes em que
conversou com órgãos nacionais foi para receber prêmios, na maioria das vezes
inventados por revistas ou associações que basicamente querem bajula-lo. Um
destes prêmios foi o da Revista IstoÉ, que o premiou como “juiz do ano”, na
primeira e provavelmente única edição desta premiação. Esta revista foi a mesma
que antecipou sua edição e bateu recordes quando vazou a delação de Delcídio
Amaral, uma semana antes da passeata dos patos verde-amarelos. Aquelas em que
as pessoas que pediam intervenção eram “minoria”. Dois anos depois, esta
delação foi anulada porque o delator não conseguiu provar praticamente nada que
havia delatado. O estrago já estava feito.
Nada é mais perigoso para uma
sociedade democrática do que juízes e outros membros do Poder Judiciário que se
consideram acima da lei. Um crime cometido por aquele que julga é mais grave do
que aquele cometido pelo julgado. Todas as infrações cometidas pela Lava Jato
são mais graves, inclusive, do que a corrupção que julgam. Uma das principais
influências da Operação no avanço do autoritarismo no país é a legitimação do
senso de que pode se passar por cima da lei para derrotar algo “maior”.
Outra influência marcante é a
ideia de que justiça necessariamente significa punição. Moro raramente absolve.
Quase todas as absolvições da Operação vieram na segunda instância, por falta
de provas. Praticamente não há questionamentos a Moro do porquê ele ter
condenado alguém sem provas, há sim descontentamento da sociedade com os juízes
que absolvem, que estariam sendo “permissivos com a corrupção”.
Daltan Dallagnol, talvez o mais
famoso e midiático dos procuradores da Operação, autor do já lendário Power
Point, criou e divulgou dez medidas contra a corrupção. Entre elas, estão a
praticamente extinção do habeas corpus e o quase fim de qualquer obstáculo à
prisão preventiva. Coisas típicas de uma sociedade autoritária. Quase não houve
questionamentos a ele sobre isto.
A Lava Jato virou filme antes
mesmo da Operação acabar. Financiado por “patrocinadores ocultos”, o filme teve
acesso a filmagens de prisões e conduções. Quase ninguém achou isto estranho.
Moro foi à pré-estreia, onde foi tratado como herói. Seus fãs o consideram
acima da lei. Quase todo fã de Bolsonaro é fã de Moro. Enxergam nos dois a
capacidade de sobreposição a leis que “protegem bandidos”.
Moro nada faz para negar o
personagem que lhe foi criado pela mídia. Pelo contrário, parece gostar de ser
um herói como os que ele citou de quadrinhos. O juiz que não cumpre a lei e é
amado por isso. Todo autoritarismo começa assim. O juiz dá indícios de estar
cansado e querer sair da Lava Jato. Sairá provavelmente ovacionado por
bolsonetes, mídia e MBL. Como dito anteriormente, o estrago já foi feito.
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