"Chegou a hora da minha geração ocupar espaços de poder", disse o apresentador Luciano Huck em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 30/03/17. "Deixarei o Brasil se Lula voltar à presidência", disse o publicitário Roberto Justus em entrevista para um órgão de imprensa que não me recordo qual neste fim de semana. Os dois têm deixado implícito que almejam um dia, não se sabe quando, concorrer à presidência, ganhando com isto um pouco de mídia e de massagem de ego. Num período de total descrédito da classe política e de mediocrização do debate, é muito possível imaginar que algum dos dois tente dividir este espaço com o atual prefeito de São Paulo, João Doria Jr., que tem sabido ler e se apresentar como opção aos medíocres como ninguém.
Na entrevista de Huck à Folha, há apenas um momento em que ele use a primeira pessoa do plural. Toda vez em que ele propõe alguma "solução" ou "ideia", o uso dos pronomes é na primeira pessoal do singular. "Tenho", "sou", "quero". Toda vez que ele aponta problemas, usa terceira pessoal. Resumindo, ele se enxerga como a solução para problemas que os outros criaram. Não há também nada que remeta a algum tipo de projeto de desenvolvimento nacional, apenas um egocentrismo querendo ser bajulado. O tempo inteiro o foco é ele e sobre como ele pode ser a solução de tudo.
Vindo de família rica, Luciano Huck era desconhecido para o grande público quando começou a apresentar o programa H na Bandeirantes. Começou a ter sucesso com a criação de personagens femininos submissos, que ficavam seminuas no palco aos gritos fetichistas de adolescentes punheteiros. A exploração de mulheres como objetos levou Huck à fama e, muito bem relacionado, chegou à Globo, mesmo sem ter tanta audiência na Band. Na nova emissora, trocou o fetiche sexual pelo assistencialismo, em quadros em que ajuda pessoas tendo sempre como foco não a pessoa que foi ajudada, mas a "superioridade" dele no papel de provedor. Algo como a patrão bonzinho que dá roupa que não quer mais para a empregada. Como todo rico fã de meritocracia, nesses quadros é sempre necessário que o pobre faça algo para "merecer" a bondade do milionário, seja aprender a dançar algo, a fazer embaixadinhas ou simplesmente ficar um tempo fazendo um malabarismo qualquer. "Não temos que dar o peixe, e sim ensinar a pescar" é o lema de 10 em cada 10 jovens ricos de direita que fizeram intercâmbio na adolescência e começaram a trabalhar depois dos 20. Ao final do quadro, o momento principal, em que Huck recebe os agradecimentos da pessoa ajudada, faz cara de foda, agradece a chance de ajudar e corre para fazer a propaganda de alguma bugiganga.
Roberto Justus também já nasceu rico e aumentou sua fortuna fazendo propaganda de bugigangas. Seu pai foi um dos construtores de Brasília. Trabalhou com papai até os 25 anos, quando resolveu usar o dinheiro dele para abrir uma agência de publicidade. Deu certo. Em algum momento, porém, o dinheiro não lhe bastou mais, começando a busca pela fama. Inicialmente isto se deu com relacionamentos com mulheres famosas, sempre loiras e jovens, lá em meados dos anos 1990. As capas de revistas de celebridades, em que ele sempre aparecia ostentando bens materiais e mulheres, deram certo e nos anos 2000 ele foi convidado para apresentar a versão brasileira do Aprendiz de Donald Trump. Neste programa, uma dinâmica de grupos gigante, jovens se matavam em gincanas empresarias, tendo sempre Justus como juiz supremo, aquele que faria tudo diferente e certo. Estes jovens passavam o tempo todo tendo que massagear o ego do apresentador, sempre impassível e gerando o deleite do público a cada demissão. Em um dado momento, Justus saiu do programa e em seu lugar entrou João Doria Jr. Já sabemos no que isto deu.
Ao dizer que deixará o Brasil caso Lula seja eleito novamente, Justus chega ao ápice do egocentrismo. Ele acredita que sua presença no país é um prêmio à nação e que, caso se faça aquilo que ele não quer, este país deixa de merecer a presença de alguém tão foda quanto ele. Age como uma criança mimada. É um exemplo clássico da ausência de senso democrático da nossa elite, disposta a tudo para "corrigir" o que considera erros cometidos pela maioria. Foi a justificativa para o golpe de 1964, foi a justificativa para o impeachment tosco de 2016. "Não importa se foi ou não golpe", disse Luciano Huck na entrevista citada no início do texto. Não há senso ético no egocentrismo. Certo e errado é definido apenas por vontades individuais.
Mídia, esporte e religião. A crise política levará, muito possivelmente, a ascensão de pessoas destes três meios. Nas eleições municipais de 2016, os três vencedores nas três maiores cidades do Brasil foram um apresentador de reality show, um bispo evangélico e um ex-presidente de clube. Os três sem absolutamente nenhum projeto de longo prazo para o desenvolvimento urbano de suas cidades. Como dito no início, o sucesso deste tipo de figura grotesca é fruto do descrédito da classe política e da mediocridade. O público quer uma solução fácil e o egocentrismo de figuras como Huck e Justus entregam o que este público quer ouvir. Com eles ou com alguém semelhante a eles ocupando este espaço, a eleição de 2018 tem tudo para ser uma grande gincana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário