segunda-feira, 10 de abril de 2017

Brasil 2017 - Autoritarismo, agressividade e paranoia


Fernando Holiday, membro do MBL e vereador em São Paulo pelo DEM, fez um tour por escolas públicas na semana passada. Adotando um discurso muito semelhante ao de grupos de extrema direita do período pré Segunda Guerra, Holiday disse que estava fiscalizando o que era ensinado nas escolas, prometendo pressionar os professores que estivessem realizando a tal "doutrinação" que ele diz combater. Secretário de Educação da gestão Doria, Alexandre Schneider repudiou a ação do vereador Holiday, dizendo, acertadamente, que o vereador não pode usar seu mandato para intimidar professores e que a função dele não é fazer esta fiscalização. Revoltado, o MBL passou a realizar diariamente posts pedindo a cabeça do secretário, além de divulgar dados pessoais de vereadores que são contrários ao projeto "Escola sem Partido" para que estes sejam pressionados por seus seguidores. Schneider, sentindo-se sem respaldo pela prefeitura, chegou a pedir demissão, situação que foi momentaneamente contornada por Doria que, dependente do respaldo do MBL, um dos grandes apoiadores e divulgadores das "ideias" do prefeito, encontra-se numa sinuca de bico. A situação descrita, a meu ver, ilustra bem as três características principais do momento que vivemos no Brasil e de forma mais clara em São Paulo: autoritarismo, agressividade e paranoia

1) A principal forma como o autoritarismo aparece hoje em nossa vida pública está na ideia, comprada por boa parte da população, de que a solução para os problemas da gestão pública está na sua substituição pela gestão privada, tirânica por natureza. No meio privado não há espaço para debate, grande característica da administração pública. Existe uma pessoa, ou no máximo um pequeno grupo, tomando decisões levando em consideração apenas a margem de lucro e os bônus pessoais que receberão no começo do ano anterior, cabendo à maioria a simples função de obedecer e executar. É exatamente isto que vem acontecendo desde a chegada dessas tais técnicas de gestão aos cargos executivos. Em comunicados sobre a possível privatização sobre o Parque do Ibirapuera, por exemplo, verifica-se a preocupação quase que exclusiva na apresentação de números sobre quanto o parque "custa" à cidade, quanto sai dos cofres públicos. Quase nada é dito sobre os impactos sociais desta venda. O mesmo ocorre quando o assunto é a venda do Autódromo de Interlagos, em que o prefeito chega até a citar o interesse de pessoas que já disseram não ter interesse algum na compra do espaço. A grande característica deste tipo de gestão é a quase destruição do espaço público, que para ela não faz sentido algum. O espaço público só passa a fazer algum sentido nesta concepção quando transformado em espaço privado. Nesta concepção, a opinião de especialistas só é válida quando eles vêm do mercado financeiro. Nenhum urbanista é convidado para debater, por exemplo, os impactos destas privatizações. O MBL, entidade símbolo na defesa da administração pública transformada em gestão privada, não se interessa na opinião de especialistas em educação sobre o tal do projeto de "Escola sem Partido", por exemplo, apressando-se em desqualificar com argumentos quase infantis qualquer pessoa que apresente discordância.

2) A agressividade se manifesta principalmente no esforço em transformar qualquer pessoa que discorde da sua ideia em inimigo a ser combatido e no uso de táticas de intimidação pessoal para forçar membros do Legislativo ou da imprensa a votar ou opinar a favor ou contra uma causa. Note-se que não há nada de errado em formas de pressão social, como passeatas ou a realização de um abaixo-assinado, para o convencimento a algo. Isto, porém, é muito diferente da divulgação de dados pessoais, como número de telefone ou endereço do legislador, para que exista uma coerção que em algum momento pode chegar a uma ameaça física. O caso de SP não é novo e já é claro que o MBL e outros membros da direita o usam sem puder. Durante os protestos pelo impeachment em 2015, membros do MBL foram pressionar o ex-ministro Cid Gomes na frente da sua casa em Fortaleza. Nas semanas anteriores à votação deste processo de cassação na Câmara, o site o Antagonista realizou pressões e chantagens diárias ao deputado federal Tiririca, com telefonemas e até encontros no Congresso com ameaças de uma campanha contrária sistemática caso o deputado votasse pela manutenção de Dilma na presidência. O MBL escolheu como símbolos tudo que representa de alguma forma a nação. As cores, a bandeira, o hino, deixando claro que considera que todos que discordam de suas ideias estão de alguma forma lutando contra o Brasil. Uma versão moderna de "Brasil, ame-o ou deixe-o". Continua nesta semana sua campanha incessante contra o secretário que "ousou" discordar da ação de Holiday, pressionando o prefeito aliado. Já deixou claro que não medirá esforços para alcançar este novo objetivo.

3) A principal demonstração de paranoia vem com a guerra travada contra um inimigo que sequer possui grande força, o tal do "comunismo". A Guerra Fria acabou junto com a URSS em 1991, mas grupos como o MBL continuam usando este conflito para estimular o caos. Qualquer pessoa que se recuse a achar que a solução para tudo está na iniciativa privada e que defenda que o estado deva ter algum papel na gestão da economia é logo tratado como comunista. Foi assim com Lula. O presidente que mais incentivou o consumismo na história do país, trazendo uma grande massa de pessoas para o mercado consumidor, é tratado como comunista porque se importou com uma distribuição mínima de renda. Neste mundo paranoico contra um inimigo que não existe, é fundamental criar exemplos de como o Brasil ficaria se fosse governado da forma como a paranoia acha que é. Estes exemplos atualmente são Venezuela e Cuba, sendo a primeira uma economia 80% dependente de um produto só que sofreu uma gigantesca desvalorização nos últimos anos, sem ter capacidade próxima da do Brasil de suprir suas necessidades internas, e a segunda uma ilha que hoje se abre inclusive para o seu arquirrival EUA. A Guerra Fria acabou até para os irmãos Castro, mas não para o MBL. Não conheço quase nenhum jovem que tenha lido o Manifesto Comunista ou qualquer obra de Marx na escola, o que é uma pena aliás. Trata-se de um dos mais importantes pensadores da história da humanidade e seria importante estudar não apenas sua obra, mas também a de pensadores liberais como Stuart Mill e Tocqueville já nas escolas. Mas isto não acontece. Mas não importa, eles "lutam" contra isto porque na cabeça deles isto existe. É fundamental que eles controlem o que é ensinado nas escolas, uma vez que quem sabe o que deve ser ensinado são eles, não os especialistas e estudiosos da área. Querer controlar isto é autoritarismo. Controlar com intimidação é agressividade. Contra um "inimigo" que não existe é paranoia. Em tempos sombrios como os nossos, nada atrai mais do que um inimigo, seja ele imaginário ou não. 

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