terça-feira, 11 de abril de 2017

O que um episódio de BBB tem a dizer sobre a sociedade atual


Por muito tempo da minha vida assisti ao BBB. Acho que até a edição 8, sei lá. Não sei se arrumei outras coisas para fazer ou se simplesmente enjoei, mas passei muito tempo sem assistir ao programa. Não sou do tipo, porém, que o critica. Acho uma forma interessante de divertimento. Mais do que dizer algo sobre os participantes, este tipo de programa diz muito sobre quem o assiste. O maior entretenimento não está em analisar as reações dos participantes, mas sim a do público. O programa dá ao público o direito, de certa forma, de "brincar de divindade". O público é de certa forma onipotente, onipresente, onisciente, podendo premiar àquele que agir da forma que gosta e punir aquele que cometer erros. É uma boa ferramente para analisar os tipos de comportamento que são aceitos pela maioria da sociedade.
Vivemos em uma era de bolhas. A minha é a da classe média descolada. Quase todas as pessoas que convivo são esquerdistas progressistas. Amam ciclovias e o Marcelo Freixo. Todo dia vejo minha rede social repleta de frases criticando o machismo, elogiando programas sociais e a diversidade. Uma exceção ou outra compartilha coisas com as quais não compactuo. Se são muito violentas, deleto a pessoa. Os bolsonetes, por exemplo. Minha bolha é legal, sem dúvida, mas tem defeitos. Volta e meia alguém desta bolha compartilha, por exemplo, textos que não enxergam que viagens são privilégios, que acham que largar tudo e sair o mundo é uma opção viável para todos, apenas para dar um exemplo. Minha bolha, como todas aliás, servem para nos afastar da realidade. Lembro-me da surpresa coletiva no meu mundinho, por exemplo, quando descobrimos que a periferia votou em peso em Doria e não em Haddad.
Nos últimos dias, minha bolha começou a compartilhar em peso textos sobre machismo no BBB. Um cara mais velho estaria namorando uma garota mais nova no programa e abusando física e psicologicamente dela. Resolvi então, depois de sei lá quanto tempo, assistir a um episódio. Foi no último domingo 9/4. Foi possivelmente das coisas mais assustadores e dos maiores choques de realidade que tive nos últimos tempos.
O programa começou com o apresentador Tiago Leifert dizendo que todos na produção estavam preocupados e "observando" o que vinha acontecendo com o casal. Em seguida, começaram as cenas. Não lembro exatamente a ordem. Em uma, Marcos (o agressor) gritava com Emily (a agredida) com o dedo na cara dela. Em outra, ao não ter um pedido de desculpas atendido, jogou a menina no chão e a imobilizou até que ela o ouvisse. Em mais uma, segurou o braço da menina, não parando após ela dizer que estava doendo. Outras três participantes assistiam àquilo em choque. Uma que tentou intervir foi expulsa da conversa por Marcos aos gritos de "não é da sua conta". Na manhã seguinte, a produção do programa chamou Emily para uma conversa e disse que ela podia procurá-los caso se sentisse agredida. A TV Globo assistiu às agressões, mas simplesmente se omitiu. Pior que a omissão, jogou nos ombros da vítima a responsabilidade de fazer algo. A emissora não fez nada, mas quis fingir que estava fazendo. Como boa parte das vítimas, Emily nada fez. No mesmo dia, o agressor foi para o paredão contra uma outra menina que não lembro o nome. Ele ficou com 77% dos votos. Três em cada quatro espectadores do programa votaram para o agressor ficar. A Globo reconheceu a agressão, mas não teve coragem de contrariar seu público. O capitalismo ensina que o cliente tem sempre a razão, não? 
Vivemos numa país agressivo e atrasado. Casos de agressão contra mulheres e contra minorias se repetem. O BBB, de certa forma, dá voz ao Brasil e não a uma bolha específica. E a maioria não se importa com agressões deste tipo. Pelo contrário, acha que de certa forma o agressor é um "perseguido" por aqueles que o acusam e saem na sua defesa. Ver um episódio de BBB foi abrir os olhos e sair da minha bolha, ter contato com o Brasil real. 
Vivemos uma era triste. Cada vez mais por aqui as pessoas estão com raiva e rancorosas, expondo preconceitos e ignorâncias. É um momento de explosão do ódio, inflado por redes sociais. Do mesmo jeito que tem a minha bolha, formada pela classe média descolada, há bolhas formadas basicamente por gente que odeia, que passa o dia inteiro espalhando mensagens odiosas na rede, humilhando e denegrindo tudo que seja diferente. E isto não tem nada a ver com classes sociais, basta ver que o fascista Bolsonaro está em primeiro nas pesquisas entre pessoas de alta renda e de diploma superior. Foi aplaudido na Hebraica. Um número cada vez maior de pessoas tem como prioridade política ver as outras se fodendo. A vida é difícil e na maioria das vezes não conseguimos fazer nada de muito bem sucedido dela, ao menos no que o capitalismo nos ensina de sucesso. Para cada caso de sucesso amplamente divulgado, há trocentos de fracassos gerando rancor. Ao chegar o momento de constatação do próprio insucesso, a maioria dos fracassados tende a culpar o outro. Mais do que isso, não há empatia alguma por qualquer outra pessoa que sofra agressão ou preconceito. Tudo é "frescura" e fruto de falta de esforço. Todos têm que se foder. O sistema depende dos conceitos de sucesso e fracasso para vender e lucrar. E estes conceitos estão nos levando ao abismo.
O Brasil real não é o país da minha bolha. Àqueles que fazem parte desta minha bolha, agradeço muito. Vocês fazem minha vida melhor e mais esperançosa. Mas para analisar nossa realidade, temos que sair dela. O Brasil real não é o país que critica José Mayer em seu abuso, é o país que aceita e defende o agressor no BBB. Quer conhecer o grau de agressividade, rancor e abuso do país, assista ao que a maioria também assiste. Veja a homofobia em jogos de futebol e perceba o silêncio ensurdecedor daqueles que participam da transmissão quanto a este assunto. Assista à agressividade de Datena pedindo sangue toda tarde. Mesmo que por um dia. Você, parceiro de bolha ou membro de outras bolhas que por algum motivo veio parar aqui, ainda acha que não há risco de um cara como o Bolsonaro triunfar em 2018? Deveria assistir mais ao BBB.

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