Numa sessão de 15 horas no Senado
Federal, a presidenta Dilma Rousseff realizou provavelmente o último ato
político de sua vida. Em sessão marcada pela repetição e pela falta de
interesse dos senadores dos dois lados em suas respostas, a presidenta se saiu
bem, sendo educada e clara em suas respostas, mesmo aquelas que foram feitas
mais de 10 vezes. As edições do julgamento provavelmente não mostrarão isto,
focando provavelmente nas inúmeras vezes que ela gaguejou, privilegiando mais
uma vez a forma sobre o conteúdo. Edições capazes de agradar a um público que
não se importa com o fato de termos um “julgamento” em que a maioria dos
julgadores já declarou que a ré é culpada antes mesmo deste começar. O
espetáculo se põe acima da realidade.
A sessão foi cansativa. Dilma
ficou sentada assistindo a um show de senadores dos dois lados, mais
preocupados em gravar um vídeo de 5 minutos para postar no Facebook e
aproveitar a propaganda gratuita, especialmente das TVs a cabo, do que qualquer
outra coisa. Nenhum deles conversava com Dilma. O interesse era em falar com
seus eleitores, que esperavam uma humilhação vingativa caso o senador fosse da
base aliada ao governo Temer, ou xingamentos ao golpe caso o senador fosse
aliado da presidente afastada. A maioria nem sequer tocou no assunto do tal do “crime”
de responsabilidade fiscal, desculpa arrumada para afastar a presidente
execrada pela classe média e pela mídia nas ruas.
Neste cenário, Dilma se destacou.
Com postura digna e de forma educada, respondeu a todas as perguntas,
preparando-se para o fim do seu martírio pessoal que dura desde dezembro. Pela
última vez teve que lidar com uma antiga oposição circense, disposta a culpá-la
por todos os problemas do mundo e tentando de toda forma justificar a chegada
do seu projeto de governo ao poder sem a realização de eleições diretas. Também
não terá mais que lidar com o seu partido, que completará o processo de
abandono da ex-líder, responsabilizando-a pessoalmente por todos os fracassos
de sua gestão e evitando qualquer tipo de autocrítica.
O Brasil passou por situações
bizarras em 2016. Um juiz grampeou ilegalmente a presidenta da República e
divulgou o áudio na imprensa. O Poder Judiciário impediu a posse de um ministro
sem que houvesse condenação. Uma massa de pessoas de classe média, bradando
contra a corrupção, não se envergonhou de unir-se ao bandido-mor em seu
projeto. Um processo de impeachment aconteceu sem que se soubesse realmente
qual crime aconteceu, com a maioria aceitando a ideia de que o julgamento é “político”.
Por fim, o partido que teve seu projeto de governo interrompido recusou o
projeto da presidenta afastada de convocação de novas eleições, completando seu
abandono. A decadência moral, em que o que menos importou foi a verdade.
O jornalista ícone do movimento
reacionário Ricardo Noblat colocou uma foto de Dilma em seu twitter às 10:00 da
manhã (a foto que está acima do texto), dizendo que ela já não aguentava mais
participar daquela sessão. Pois ela ficou por mais 14 horas, mantendo sua
dignidade intacta. O jornalismo, graças a pessoas como Noblat, está morrendo,
mas para Dilma a vida segue. Fecha-se um ciclo de crise política iniciada com
as manifestações de junho de 2013 (Dilma possuía 78% de aprovação naquele
período), agravou-se com a incapacidade dos derrotados de aceitar sua reeleição
um ano e meio depois, e se tornou irreversivelmente moribundo com a união entre
Eduardo Cunha – classe média – mídia no começo de 2015. Dilma entra para a
história, sem dúvida, como uma presidenta inapta, mas sua foto enfrentando seu
julgamento farsesco lhe garantiu um último ato digno. A presidenta não
envolvida diretamente em casos de corrupção afastada por um Congresso repleto
de corruptos.
O maior argumento dos que
defendiam que o julgamento deveria ser político é que o país estava parado com
a crise entre Executivo e Legislativo. Desde que o governo interino que em
instantes será empossado começou, já ficou claro que a CLT será flexibilizada,
que serviços essenciais serão privatizados e que direitos sociais serão
perdidos. Tudo isto sem uma aprovação das urnas. Parabéns, o país está “andando”.
Aos que se aliaram ao que há de
pior na política (Bolsonaro e afins) para afastar a presidenta incompetente,
peço que vejam as pesquisas para as eleições municipais deste ano para ver o
que está acontecendo no Brasil. Em São Paulo, lidera Celso Russomano, com
grande chances de ter o empresário João Doria Jr. como seu concorrente no
segundo turno. No Rio, lidera o bispo Marcelo Crivella, com altas
possibilidades de Flávio Bolsonaro enfrentá-lo no segundo turno. A crise
política está acabando com Dilma. A crise moral e social está apenas começando.
Uma crise econômica dura mais ou menos 5 anos. Uma crise moral e social costuma durar
décadas.