Faltando praticamente três meses
para a eleição presidencial, o ex-presidente Lula lidera com folga as pesquisas
presidenciais. Segundo o Ibope, o petista possui 33% dos votos contra 37% dos
outros candidatos somados. Quase três meses após sua prisão, que foi precedida
de quatro anos de perseguição midiática, com capas de revistas semanais e “analistas
políticos” de emissoras de TV o tratando como o “maior bandido possível”, condução
coercitiva feita de forma ilegal, divulgação de conversa telefônica feita de
forma ilegal, mudança de interpretação na lei para prendê-lo o mais rápido
possível etc, um terço do eleitorado brasileiro insiste em querer votar no
ex-presidente caso lhe seja dada esta oportunidade. O objetivo deste texto é
tentar entender as razões que levam o eleitorado brasileiro a desejar a volta
de Lula ao Palácio do Planalto.
Entender. Esta deveria ser a base
das análises políticas brasileiras, mas não o é. Cada eleitorado representa um
fenômeno social. O que as pessoas que votam em cada candidato querem dizer.
Muito poucas análises que tenho lido buscam falar isto. Bolsonaro como fruto de
uma amargura da elite, descontente com a ascensão social de uma parte da
sociedade na era petista. Marina como fruto de pessoas que não sabem exatamente
o que querem e buscam uma opção que pareça viável. Ciro como a esquerda que
respeita Lula, mas tenta fugir da dependência do petista. O fracasso de Alckmin
como símbolo da decadência paulista.
Lula será a figura central do
processo eleitoral, preso ou solto. Assistindo as sabatinas aos outros
candidatos até o momento, a questão Lula é sempre abordada. Lula é o segundo
maior estadista da história republicana do país. Isto é fato independente da
opinião positiva ou negativa que se tenha sobre a sua figura. Creio que apenas
Vargas tenha sido mais importante do que ele. O Brasil viveu transformações
sociais únicas em sua história durante sua gestão. Acreditando ou não nas
acusações que lhe são feitas pela turma do Power Point, entender estas mudanças
é a base para compreender o fenômeno que faz com que o ex-presidente siga
liderando em condições tão adversas.
O Bolsa-Família tirou o Brasil do
mapa da fome mundial. É um programa pioneiro que foi imitado em seguida por
outros lugares, inclusive a Itália. Fez a economia de municípios pequenos do
interior do país girar. Libertou milhões do que chamo de necessidade de aceitar
trabalhos análogos à escravidão. Pessoas
que antes tinham que aceitar qualquer trabalho desumano em troca de um prato de
comida ganharam a inédita liberdade de dizer não. O Bolsa Família inflacionou o
valor dos trabalhos braçais a que classe média e elite estavam acostumadas a
pagar quase nada. Esta última frase ajuda a explicar a popularidade de
Bolsonaro entre os mais ricos, aliás.
O Prouni permitiu que milhões de
jovens pobres tivessem acesso ao ensino superior. Críticas à forma como o
programa garantiu o lucro a empresários do ramo são justas, claro, mas é
necessária uma incapacidade única de sentir empatia para não compreender o que
isto significou para famílias que viam pela primeira vez seus filhos
ingressando num curso superior. O que significava para uma mãe ver o filho
realizar o sonho outrora irrealizável de ter um diploma. No mesmo período
tivemos a criação do sistema de cotas nas universidades públicas, extremamente
criticada pela mídia conservadora que hoje começa a valorizar seus resultados
muito positivos, sem que esta mesma mídia, claro, faça alguma autocrítica sobre
as acusações falsas que fizera ao programa.
O salário mínimo em 2002 comprava
meia cesta básica. No final de 2010, comprava três cestas básicas e meia. Um
poder de compra real que cresceu 600% num intervalo de oito anos. O trabalhador
que recebia o mínimo garantido por lei de seu patrão podia com este salário não
apenas sobreviver, mas podia gastar com outras coisas. Compra de
eletrodomésticos, por exemplo. Poupança. Consumo, fazendo a economia girar.
Li certa vez numa entrevista de
Thales Ab’Saber que em qualquer país com uma classe capitalista nacional e intelectualmente
desenvolvida Lula seria tratado por esta classe dominante como herói. Não
houve, argumenta ele, presidente mais capitalista em nossa história do que
Lula, uma vez que ele incluiu milhões de pessoas no mercado consumidor. A nova
classe C. No Brasil isto não ocorre e qualquer política de distribuição de
renda é vista como “comunismo” por uma parcela significativa e lunática da
elite.
Lula é uma figura política
gigante em nossa história e há uma gratidão enorme de uma parcela da população
em relação a ele. Gratidão não é algo que pode ser derrubado com denúncias
sobre tríplex ou sítio em Atibaia. Por mais que se tente desmerecer seu eleitorado,
Lula segue forte. E sua popularidade nos dá esperança. Numa sociedade dividida
e que vê o crescimento também inegável de um candidato fascista e sem
propostas, que só conseguem aparecer graças a um discurso de ódio, cuja
violência é estimulada por uma parcela amarga da elite, do judiciário e da
mídia, Lula segue liderando. Cada candidato, a meu ver, representa um
sentimento. Numa época triste como a nossa, temos alguma esperança ao ver que o
sentimento que ainda lidera é o da gratidão.