Não há nada pior no mundo do que
um rico idiota. Todas as grandes tragédias da história da humanidade, no fundo,
foram causadas por ricos idiotas. Quando eles se juntam para fazer merda,
normalmente sai algo gigantesco. No caso brasileiro, não há símbolo maior da
idiotice entre os ricos do que o jet ski.
O jet ski não serve para nada.
Sua única função é causar risco à vida do seu condutor e das pessoas próximas.
É estatisticamente impossível que uma pessoa que é dona de um jet ski não seja
idiota. Rico de vez em quando gosta de pagar para arriscar a vida. Eles devem
enxergar nisto uma forma de mostrar coragem, sei lá. Ou talvez a vida seja tão
vazia que eles só enxerguem algum sentido no prazer de arriscá-la. O conceito
de coragem desta galera é diferente. Aí eles fazem idiotices. Há outras, tipo
comprar um kart. Mas neste caso, ao menos, eles não arriscam uma vida que não
seja a própria. Pular de paraquedas também é meio idiotice, embora neste caso
ao menos as pessoas tenham uma vista legal. Não tenho nada contra pessoas
arriscarem a própria vida por diversão, desde que seja só a própria vida. Não é
o caso do jet ski.
Quer ver uma pessoa de classe
média achar que está subindo na vida é coloca-la em contato com alguém que tem
um jet ski. A classe média pira quando faz coisas de rico. Classe média fica
uma semana falando quando vai numa festa chique. Uma semana antes e uma semana
depois. Conta para todo mundo. Enlouquece quando compra um apartamento em
prestação de trinta anos num prédio com piscina. Mas nada a deixa mais maluca
do que andar num jet ski.
De todos os
bens e serviços supérfluos do planeta nenhum é mais supérfluo do que o jet ski.
Eu sinto que todas as babaquices de quem é muito rico tem alguma função, exceto
o jet ski. A piscina ao menos refresca. O iate é ao menos um meio de
transporte. Vinho pelo menos deixa bêbado. O jet ski não faz nada. É apenas um
jeito de jogar muito dinheiro fora.
“Crescer na
vida” no estágio classe média – elite não significa nada além de inventar novos
supérfluos. E a classe média não mede esforços no sonho de querer parecer cada
vez mais com a elite que venera. Para quem não me conhece, eu sou um paulistano
de classe média, faço parte do grupo social mais imbecil da história da
humanidade, embora tente ao máximo sair disso. Sou o hipócrita, como dizem meus
amigos de classe média descontentes com as minhas críticas. Nenhum assunto no
momento me causa mais brigas com os meus amigos deste mundo do que casamentos.
A impressão que tenho é que paulistanos de classe média simplesmente não
conseguem mais casar em SP. Tem que ser um casamento “mágico”, normalmente
copiado das séries americanas dos anos 90. Eles não conseguem mais casar num
salão de festas na Lapa num sábado à tarde, tem que ser numa fazenda ou na
praia e tem que durar o fim de semana todo. E tem que ser tudo exagerado, quase
um jet ski. Isto vai criando uma espécie de rede de desperdícios. Vendo que a
classe média agora casa na praia no fim de semana, o casamento do rico acontece
na Europa e dura sei lá quantos dias. E assim vamos.
A nossa hierarquia
social se reflete na rede de conselhos. É muito raro uma pessoa mais pobre dar
conselhos para alguém mais rico. É raro não só o rico ter interesse em ouvir o
que o mais pobre tem a dizer, mas também o próprio pobre se sentir à vontade
para falar. Mais do que isto, é muito raro a pessoa mais rica ter interesse
real na vida da pessoa mais pobre e ocorre certa aversão do mais rico quando
ele acha que o mais pobre exagerou no consumo. O rico dono do jet ski fica bem
contrariado quando vê o gerente da sua empresa aparecer com um carrão novo na
firma. “Ele deu um passo maior do que as pernas”, pensa o rico. A mesma coisa
acontece com a pessoa de classe média quando vê alguém mais pobre, por exemplo,
comprar um Iphone. Aliás, poucas coisas revoltam mais uma pessoa de classe
média do que pobre de Iphone. “Que irresponsabilidade!”. É neste contexto de
país que chegamos a Paulo Guedes.
Em entrevista à
Folha de São Paulo neste fim de semana, o ministro da Fazenda do Brasil disse
que rico sabe poupar, mas pobre não. Não sei se Paulo Guedes tem um jet ski,
mas neste texto eu o tratarei como dono de um. Paulo Guedes é o dono do jet ski
que não entende como um pai de família que ganha um salário mínimo por mês não
consegue poupar. Paulo Guedes é o dono de jet ski que matricula os filhos numa
escola que custa cinco dígitos, mas não sabe como um pai de família que ganha
um salário mínimo por mês não consegue poupar. Paulo Guedes é o dono de jet ski
que gasta cinco dígitos numa garrafa de vinho, mas não sabe como um pai de
família que ganha um salário mínimo por mês não consegue poupar.
No Brasil
vivemos em bolhas. Do mesmo jeito que a minha bolha é a da classe média que
quer casar na praia tipo os personagens de séries americanas, a bolha de Paulo
Guedes é a dos donos de jet ski. Imagino que uma vez por mês, os donos de jet
ski se reúnam uma vez em Trancoso, em Jurerê Internacional ou em New York para
debater os rumos do mundo. Eles são as pessoas que dão os conselhos e, como tais,
não precisam ouvir ninguém. Poupar é fácil para quem tem jet ski. Eles não
estão dispostos a ouvir os que estão abaixo e conhecer suas dificuldades. Não é
a função social deles. Eles decidem e aconselham, e o conselho do momento é
poupar.
Poucas atitudes
são tão arrogantes quanto o ato de aconselhar. A pessoa que aconselha se
enxerga sempre como superior moralmente à aconselhada. Ela sabe o que é melhor
para a vida do outro, mesmo sem saber os detalhes e as dificuldades reais da
vida do aconselhado. “Pobre tem que gastar menos”, diz o dono do jet ski.
Aqueles que enxergam o dono do jet ski como supra sumo da verdade, dono de um “conhecimento”
que só o status de dono de jet ski pode trazer, elogiam o ministro, mesmo que
estejam atolados em dívidas impagáveis pelo apartamento no prédio com piscina
que quase nunca usam e pelo carro com câmbio automático, “porque sabe como é,
desacostumei do câmbio automático”.
Paulo Guedes
não sabe nada e foi alçado ao cargo de economista sábio do momento pela
associação dos donos de jet ski. Esta associação cria heróis que facilmente são
comprados pela classe média. Não tem conhecimento algum sobre a realidade do
país. Conseguiu convencer a classe média que casa na praia, porque, afinal, se
ele tem um jet ski é porque deve saber de algo. Paulo Guedes, o mesmo ministro
que diz que “pobre não sabe poupar”, teve como principal medida para aquecer a
economia até o momento a liberação de dinheiro do FGTS, uma poupança pública, para
que pobre pudesse consumir. Pobre consumindo incomoda. A classe média, aquela
atolada em dívidas, acha isto uma irresponsabilidade. “Onde já se viu o fulano
ir para a Disney?”. O pobre indo para a Disney incomoda muito mais do que o
rico tendo um jet sky.
Se eu
concorresse à presidência, eu teria duas propostas. A primeira seria aumentar
muito o imposto de renda sobre a elite, mas também sobre a classe média.
Cerveja artesanal, restaurante japonês, viagem para a Disney, tudo isto teria
imposto dobrado, e olha que eu nem sei para ser honesto quanto é o imposto
disto. O objetivo seria mostrar para a classe média que ela está muito mais
perto do “pobre que não poupa” do que do dono do jet ski. O segundo, seria a
expropriação dos bens e imóveis de todos os donos de jet ski. Esta segunda
causaria mais polêmica. "Onde já se viu propor algo assim", diriam os donos de jet
ski. Eles já se mostraram dispostos a tudo para manter seus jet skis. No fundo,
a base deste governo é esta. Donos de jet ski querendo manter seus jet skis,
com o apoio da classe média que sonha em ter um jet ski. Se tiver que destruir
a democracia para isto, paciência. Os pobres já consumiram muito nos anos 2000. "Onde já se viu? Quebraram o país!" Agora está na hora deles pouparem. Enquanto
isto, a turma do jet ski dá uma “apavorada” nas praias mais descoladas do país.
E dá conselhos. "Tá na hora de poupar".