Um terço dos eleitores não votou no segundo turno das eleições. Taxa semelhante foi observada no primeiro turno. A eleição em São Paulo foi vencida por um lobista do empresariado nacional, que se apresentou como gestor não político, com propostas como o fim das secretarias voltadas contra a desigualdade, a colocação de pobres para serem atendidos em hospitais particulares durante a madrugada e a revisão da redução de velocidades nas marginais. Em Belo Horizonte, venceu o ex-presidente do Atlético – MG, cujo slogan era “chega de política” e que teve como frase mais famosa da campanha “eu roubo, mas não pego propina”. No Rio de Janeiro, a vitória foi da Igreja Universal do Reino de Deus, com um candidato homofóbico e machista, que acredita que a função da mulher é servir ao homem. Enquanto a mídia celebra e analisa a histórica derrota do PT, deixa passar a característica maior do resultado observado especialmente nas três maiores capitais da região mais rica do país: a derrota da classe política.
O sentimento de rejeição à política na região Sudeste tem várias explicações. O primeiro, sem dúvida, são os erros cometidos pelo PT, especialmente no tipo de alianças que fez em nome de governabilidade com gente de caráter duvidoso e que não titubeou em abandonar o barco no momento em que ele começou a afundar. Não nos esqueçamos de que o bispo homofóbico e machista era ministro do governo Dilma. Mas o objetivo aqui, porém, não é analisar este ponto da rejeição à política. Matérias e textos analisando as falhas petistas são abundantes em nossa mídia extasiada com a decadência do partido.
Toda ação gera uma reação contrária de igual intensidade. Não entendo nada de física, mas lembro desta lei que acho que pode ser aplicada à política. Os treze anos de gestão petista geraram na região Sudeste uma enorme onda conservadora e individualista. O conservadorismo é apoiado num certo lunatismo de gente que não saiu da Guerra Fria e que se vê num combate contra um inimigo que nem existe mais. Não à toa a advogada do impeachment alerta seus seguidores para uma lunática invasão russa vinda da Venezuela. Lula foi possivelmente o mais capitalista presidente que o Brasil já teve, uma vez que para ele a melhora do país estava ligada à ideia de expansão do mercado consumidor. A pequena distribuição de renda, que embora minúscula foi capaz de salvar milhões de vida, foi suficiente para criar uma série de teorias da conspiração na cabeça de muitas pessoas, tudo isto inflado por uma mídia que insiste em fazer comparações descabidas entre a situação econômica brasileira e a venezuelana, sem nenhuma análise das enormes diferenças existentes entre os dois países. Mais do que os erros petistas, a camada mais conservadora da sociedade se incomoda mesmo é com seus acertos. O individualismo se apega neste conservadorismo. Quem, informado ou não, não gosta de um governo que distribui renda, automaticamente gosta do governo que faz o oposto. Neste cenário, o maior problema do país para este tipo de pessoa é a carga tributária. Faça-se tudo, eles acreditam, menos aumentar impostos. Nem que para isto seja necessário cortar gastos em saúde e educação. O que importa é ter mais dinheiro no seu bolso. A sociedade está em segundo plano. A PEC 241 está aí para isso.
Neste cenário, surgiu Doria em SP. Com uma mensagem de rejeição à política e de ódio ao PT, atraiu este eleitorado paulistano que vê nele um exemplo de empreendedor bem-sucedido, ícone de sucesso para o típico individualista. Lobista e histórico puxa-saco de quase todos que estão no poder, incluindo Lula, chegou ao Estado para destruí-lo, vendendo tudo que é possível muito provavelmente para amigos do grupo que lidera, a Lide, associação em que empresários se autobajulam e trocam experiências banais sobre como ganhar dinheiro gerando a menor quantidade de empregos possível. Alckmin fez uma leitura perfeita do cenário atual e apresentou uma candidatura que misturava o discurso fiscalizador de Jânio com a inexperiência política de Pitta, conseguindo uma vitória esmagadora entre todas as classes sociais. Numa eleição sem dinheiro, apostou num empresário egocêntrico disposto a se autofinanciar e que já era conhecido pelo público que já o vira anteriormente num programa de TV em que sua função era demitir engravatados. O candidato de quem quer menos serviço público, afinal. De quem não precisa e está disposto a fazer tudo para não precisar deste serviço. Independente da classe social.
Em BH, Aécio não teve a mesma sacada de Alckmin e foi vítima do mesmo tipo de discurso. Vindo de uma família tradicional, Alexandre Kalil soube catalisar não apenas o ódio ao PT, mas também a rejeição que Aécio possui no estado, que já havia ficado clara na sua clamorosa derrota para Dilma em MG em 2014. Numa campanha recheada de bizarrices, com uma quantidade nula de propostas importantes, Kalil vendeu a ideia de que transformará a cidade num novo Atlético. Resta saber quem será o Ronaldinho Gaúcho neste cenário surreal que a capital mineira viverá pelos próximos quatro anos.
No Rio, o lunatismo “anti-bolivarianismo -soviético-Janaina Paschoal” gerou seu resultado mais trágico. Como dizia o MBL, movimento símbolo da luta contra a Guerra Fria que acabou em 1989/1991, era “Crivella ou Venezuela”. E assim a administração da segunda maior cidade do país foi entregue à Igreja Universal do Reino de Deus. A vitória de Crivella serve como prova de que este conservadorismo ataca muito mais ideias progressistas do que a corrupção que eles dizem combater. Havia duas candidaturas, uma claramente desonesta, que havia inclusive participado do governo que eles dizem ser “o mais corrupto da história”, contra outra com um candidato que havia abandonado este mesmo governo quando este estava no ápice da popularidade, mas já mostrando seus defeitos éticos. Entre o corrupto e o não-corrupto, optou-se pelo primeiro pelo simples motivo de que o segundo defende pautas progressistas. Entre um candidato que representa um fundamentalismo religioso e corrupto que representa um retrocesso gigantesco em termos de direitos sociais e outro que defende igualdade e distribuição de renda, os conservadores escolheram o primeiro, tudo para combater um risco de bolivarianismo que só existe no mundo de fantasia de suas mentes doutrinadas.
A eleição de 2014 terminou com uma onda de ódio e preconceito de parte do eleitorado conservador do Sudeste contra os eleitores da região Nordeste. Naquele momento surgia um cenário que levaria, em 2016, há um impeachment fajuto e à vitória destes candidatos nas eleições das três maiores capitais da região. Explodiu o ódio numa grande massa arrogante e ignorante, facilmente manipulada por meios de informação dispostos a tudo para derrubar um governo que não a agradava. Surgiu um grande monstro que odeia a política e, portanto, o debate. Historicamente, sabemos onde isto costuma dar. O lobista, o fundamentalista religioso e o boleiro podem ser apenas o primeiro passo de algo muito sério. Na eleição de 2016, o Sudeste acha que ganhou, mas perdeu feio. Junto com o PT, esta região foi a grande derrotada das eleições municipais.