segunda-feira, 26 de agosto de 2019

O Mr. e a Mrs. Conje




Postou a Mrs. Conje neste último fim de semana: “Mesa posta. Esperando o Ministro da Justiça chegar no Lar! Curitiba gelada e sopinha para aquecer o corpo. Sorry feministas. Mas AMO cuidar de quem eu Amo. Eu trabalho eu pago boletos eu dou emprego e eu motivo , mas amo Cuidar !! Bom final de semana! Beijo gelado de Curitiba.”. A Mrs. Conje é muito ativa no Instagram e em outras redes sociais. Era através delas que o casal Conje se comunicava com seus fãs nos últimos anos. No período em que era juiz, o Mr. Conje não podia ou não queria ter este tipo de contato direto com o seu público para não demonstrar imparcialidade, cabendo a Mrs. Conje a função de laranja do casal nas redes sociais. Não foi apenas nas redes sociais que a Mrs. Conje cumpriu esta função, aliás. Proibido pelo cargo de ter uma empresa de palestras, o Mr. Conje abriu uma empresa em nome da Mrs. Conje para faturar uma graninha extra aos R$ 30 mil que recebia como juiz. Como disse seu aliado e parceiro Deltan Dallagnol, “eles tinham que monetizar a operação”.

O casal Conje é um dos grandes símbolos da classe média brasileira. Neste post da Mrs. Conje há algumas características que podemos encontrar no casal e em seus seguidores. Começando pela forma de comunicação desta turma, a primeira coisa que podemos verificar é a dificuldade gigantesca para utilizar vírgulas. Ela não separa as frases “Eu trabalho”, “eu pago boletos” e “eu dou emprego” com vírgulas para, em seguida, utilizar este complicado instrumento para separar a frase “mas amo Cuidar”. Ela basicamente chuta na hora de usar a vírgula, tem hora que usa, tem hora que não usa. Uma segunda característica do texto da Mrs. Conje é o uso desnecessário de pontos de exclamação. Esta galera adora usar esta pontuação para indicar intensidade. Note que “mas amo Cuidar !!” vem com dois pontos de exclamação, enquanto “Bom final de semana!” vem com um ponto apenas. Acho que a Mrs. Conje quis mostrar que ela gritou alto na primeira frase e menos alto na segunda frase. Antes, ela usou caixa alta para dizer “Mas AMO cuidar de quem eu Amo”. Acho que neste primeiro AMO, a Mrs. Conje quis mostrar que gritou também. Curioso imaginar uma pessoa com aparência tão inexpressiva berrando e gesticulando. Por que o segundo “Amo” começa com letra maiúscula? Provavelmente ela usa a letra maiúscula da mesma forma que usa as vírgulas. Ela chuta, usa de acordo com a vontade. Tive um chefe parecido com o casal Conje que fazia as mesmas coisas. Dá-lhe exclamações, caixas altas e vírgulas fora do lugar. Pontuação excessiva é coisa de quem não gosta de ler. Nunca encontramos este tipo de coisa em Machado de Assis ou Saramago. Se bem que o Mr. Conje já disse que só “lê” biografias, sem saber citar a última que leu.

Na tal da foto, a Mrs. Conje mostra dois pratos vazios, cada um com uma colher, como forma de mostrar o quanto ela ama e seduz o Mr. Conje. Acho que se o prato estivesse cheio, provavelmente a ideia de gerar “inveja” nos outros seria mais bem sucedida, ao menos comigo. Eu gosto de sopa em dias frios. E temos, para fechar com chave de ouro, o uso de algo que mais aproxima o casal Conje do seu séquito de classe média, o uso desnecessário de expressões em inglês. “Sorry”, diz a Mrs. Conje ao provocar as feministas. Gente como ela adora este tipo de coisas. Aposto que a Mrs. Conje fez um “call” para o Mr. Conje para saber se ele estava chegando em casa e depois pediu um “feedback” para o maridinho sobre a sopa invisível. O lado curioso da história é que o inglês do Mr. Conje é bisonho. Há um vídeo dele explicando como “O Poderoso Chefão” influenciou o seu trabalho em que ele tenta falar inglês e a situação é cômica. Comprem pipoca e assistam.

A Mrs. Conje bate no peito para dizer que paga os boletos. Para isto, creio eu, usava parte do auxílio-moradia que o Mr. Conje recebia como juiz. O Mr. Conje recebia um salário de R$ 30 mil, tinha imóvel próprio em Curitiba, mas mesmo assim recebia mais de R$ 4 mil de auxílio-moradia. Ao ser questionado por isto, o Mr. Conje disse que estava há muito tempo sem receber aumento de salário. Tadinho. Vai ver é por isso que aceitou também abrir uma empresa de palestras em nome da esposa, afinal. Como o paulistano que brada contra corrupção, mas passa os pontos da carteira de motorista para o filho do funcionário, o casal Conje não se incomoda muito com a corrupção praticada a seu favor. “Onde está o Queiroz?”, recusa-se a responder o Mr. Conje há quase nove meses.

A Mrs. Conje tem uma vontade incrível de aparecer. É hoje uma verdadeira celebridade típica de “A Fazenda”. O casal Conje, aliás, podia pedir à Record, grande aliada do governo do chefe do Mr. Conje, uma participação da Mrs. Conje neste programa. Ela podia enxergar nisto uma chance de aumentar o número de seus seguidores em redes sociais e provocar ainda mais as “feministas”. A Mrs. Conje não sabe nada sobre feminismo. Fez uma relação muito louca sobre dois pratos vazios na mesa e feminismo. Mas não tem problema. O Mr. Conje também não sabe nada sobre segurança pública e virou ministro, afinal. A Mrs. Conje quer curtidas e sabe provocar, este tipo de programa seria ideal para ela brilhar.

Era pelas redes sociais da Mrs. Conje que o casal declarava abertamente apoio a Jair Bolsonaro durante as eleições presidenciais e que ficava claro que havia uma aliança entre o futuro presidente e o Mr. Conje. É por lá também que sabemos que o casal compartilha as mesmas ideias do presidente, como o machismo, a homofobia e a defesa ao uso da tortura como instrumento judicial. Enquanto o Mr. Conje abria o conteúdo de uma delação não homologada e não provada com denúncias contra o rival de Bolsonaro no segundo turno, a Mrs. Conje postava no seu Instagram uma montagem com o Cristo Redendor usando a camisa da CBF número 17. Já nas primeiras semanas de governo, enquanto o já ministro Mr. Conje se reunia com lobistas do mercado de armas e assinava no dia seguinte um decreto facilitando a posse das mesmas, a Mrs. Conje postava mensagens de apoio à medida, conclamando os fãs do casal a apoiarem cegamente o marido Conje.

Já como ministro, o Mr. Conje deixou de terceirizar o assunto com a Mrs. Conje se rendeu às redes sociais através do Twitter, postando com certa frequência e quase sempre desrespeitando as normas cultas da língua portuguesa. Os erros do Mr. Conje são típicos da classe média tentando falar bonito. O clássico momento em que ele diz conje ao invés de cônjuge, por exemplo, veio porque ele não quis falar algo mais simples, como esposo e esposa. É pelo Twitter que o Mr. Conje se defende dos vazamentos que mostram que ele agiu com parcialidade no caso do ex-presidente Lula, usando quase sempre a palavra “sensacionalismo” para qualificar os órgãos que publicam as informações. O Mr. Conje não sabe o que significa “sensacionalismo”. Usou esta palavra, por exemplo, na entrevista que deu ao programa do Ratinho, rei do sensacionalismo. Ele provavelmente aprendeu esta palavra naquela semana, achou bonita e ficou repetindo. Algumas semanas depois, aliás, o chefe do Mr. Conje utilizou a mesma palavra para falar da imprensa. É pelo Twitter também que o Mr. Conje estimula seu gado a realizar passeatas que, entre outras coisas, pedem uma intervenção militar e o fechamento do STF. Quem segue a Mrs. Conje no Instagram sabe que o casal não é contrário a esta ideia.

O Mr. Conje está com medo de perder o emprego. Anda brigando com o chefe. Para tentar acalmá-lo, postou uma fotinho vestido de soldado na última semana, com um textinho que, como previsto, continha erros de português. “Há mil anos atrás”, escreveu o Mr. Conje de forma redundante.

O Mr. Conje tem enormes dificuldades para formar uma frase com início, meio e fim. Gagueja e não consegue olhar diretamente para a pessoa que o escuta. Como alguém assim conseguiu se tornar juiz? Uma amiga me deu a melhor explicação. Concursos no Brasil não pedem interpretação ou reflexão, cobram decorebas. Assim, um cara como o Mr. Conje, incapaz de escrever um texto simples com lógica, provavelmente decorou em que dia foi assinado sei lá o que de tal lei e cresceu na vida. O casal Conje pode estar começando a perder poder. A Lava Jato sofreu algumas derrotas nos últimos tempos e o Mr. Conje coloca todas as fichas em impedir a aprovação da lei de abuso de autoridade, que visa a obrigar que pessoas como o ex-juiz Mr. Conje tenham que cumprir a lei. Onde já se viu exigir isto do Mr. Conje?

Ao tirar Lula da eleição e garantir a vitória da extrema-direita, o Mr. Conje ganhou uma espécie de salvo conduto da grande mídia e dos fascistas. Ainda é amado e protegido por eles. Enquanto isto, vai cumprindo seu papel de abafar todos os escândalos que envolvem a família Bolsonaro. O Mr. Conje é tipo um gerente de grande empresa. Fala alto com os funcionários, mas fica quietinho quando ouve umas broncas do chefe. Qualquer dia ainda vamos ver o Mr. Conje postar algo deste tipo para o seu chefinho na rede social: “Mesa posta. Esperando o Presidente chegar no Lar! Brasília gelada e sopinha para aquecer o corpo. Sorry esquerdistas. Mas AMO cuidar de quem eu Amo. Eu trabalho eu pago boletos eu dou emprego e eu motivo , mas amo Cuidar !! Bom final de semana! Beijo gelado de Brasília.” Ele nem vai perceber a falta de vírgulas.

sábado, 24 de agosto de 2019

Deus e o Diabo na Terra do Fogo




Qual a responsabilidade pessoal de cada um nos atos de um regime totalitário? Por que algumas pessoas, aparentemente boas e normais, aceitam passivamente colaborar com as atrocidades de um regime autoritário enquanto outras enfrentam o totalitarismo, mesmo que isto tenha como custo a própria vida? São estas perguntas que Hannah Arendt tenta responder no ensaio O que chamamos de responsabilidade pessoal em uma ditadura publicado alguns anos depois do genial e polêmico Eichmann em Jerusalém. Diz Arendt que a principal característica que separa os colaboracionistas dos opositores é não apenas a capacidade de pensar nos atos que estão cometendo, mas a capacidade de julgar a si próprio. A grande maioria, conclui-se do ensaio, é incapaz de discernir certo e errado através de valores morais e sim através da vontade. O certo para a maioria é o que “eu quero”, e esta vontade se sobrepõe a qualquer tipo de ética vindo do exterior.
Não há criação humana mais humana do que o Deus do Velho Testamento. O homem pegou todos os seus defeitos, colocou-os num ser imaginário e o chamou de Ser superior. O Deus do Velho Testamento é mesquinho, rancoroso, vingativo, sádico e sanguinário. Ele é invisível e julgador, está conosco o tempo todo e nos mandará passar a eternidade num lugar quente e cheirando a enxofre caso descumpramos uma das dez regras que ele mandou gravar numa pedra. Por puro sadismo, pediu a um pai que sacrificasse um filho sem motivo, só para que aquele provasse sua submissão. Fechou o mar no momento em que os egípcios passavam. Lançou uma praga contra uma cidade de pecadores. Este é o Ser que o homem criou e chamou de Criador. Este Criador, dizem os homens, fez-nos à sua imagem e semelhança. Assim, o Ser mesquinho, rancoroso, vingativo, sádico e sanguinário nos fez a sua imagem e semelhança. O oposto é mais verdadeiro. O ser que se diz criado foi quem criou um Criador à sua imagem e semelhança e se equiparou a Ele. Se Deus é o Ser Superior e tudo pode, nós, criados por Ele à sua imagem e semelhança, somos os seres superiores e tudo podemos. A visão do amor deste Deus é extremamente ligada à vontade e a submissão. Deus ama aquele que é submisso e age de acordo com Suas vontades. Expulsou Adão do Paraíso por um erro e toda a humanidade paga por isto.
“Deus está sempre comigo” ou “Deus me ama” dizem os mais religiosos. Se o Ser superior está comigo, eu tudo posso. Para este Deus não há valor moral, há apenas a vontade de ser atendido. Se este Deus pode tudo e Ele está comigo, eu posso tudo. A vontade de Deus passa a ser a minha vontade e perde-se assim a capacidade de julgamento moral sobre as próprias atitudes. Por que um governador evangélico desce de um helicóptero comemorando uma ação policial que resultou numa morte? Porque ele quer. Não há, na visão de mundo desta pessoa, paradoxo nenhum na situação, uma vez que a vontade dele é a vontade de Deus. Por que tantos pastores evangélicos apoiam alguém como Bolsonaro, que abertamente defende a tortura, o preconceito e para quem a principal função do estado é, através da violência, afastar ou eliminar aqueles que ousam discordar de suas “ideias”? Porque não há diferença alguma entre o Deus do Velho Testamento e este novo Deus-Estado, que mata e tortura aqueles que ousarem enfrentar o Senhor.
As bases do cristianismo são submissão e punição. Deus, aquele Ser que está conosco o tempo todo e cuja vontade se mistura a do fiel, manda. Quem obedece vai para o céu. Quem desobedece, para o inferno. Não há espaço para algo diferente da submissão. Deus não precisa ser provado para seus fiéis. Ele apenas existe. Suas vontades, portanto, não precisam de demonstração, elas apenas precisam ser atendidas. A ciência, quando prova que Deus está errado, é a inimiga maior e deve ser combatida.
Bolsonaro acha. Ele acha que os médicos cubanos eram guerrilheiros comunistas. Também acha que ONGs colocaram fogo na Amazônia. Perguntado sobre provas, respondeu “Precisa provar isso daí?”. Para quem acredita no Deus do Velho Testamento, nada precisa ser provado. Se Deus está ao seu lado, por que Bolsonaro precisa provar algo? O achismo dele é o achismo divino, e isto já basta. Não à toa, o grupo de procuradores da Lava Jato, braço judicial do bolsonarismo, é quase todo composto por evangélicos. "Não há provas, mas há convicção". Basta a fé e a crença de que Deus está ao seu lado, enxergando-se o crente junto ao Ser superior. Os órgãos que ousam negar os achismos e as vontades desta turma devem ser extintos. INPE, IBGE, entre outros. Queimar a Amazônia nada mais é do que uma praga do Egito ou o Mar Vermelho fechando.
É pouco dito, mas o Brasil passa por uma versão tosca de Reforma Protestante. É muito provável que nos próximos anos os evangélicos se tornem maioria no país. A falta de perspectivas numa vida terrena marcada pela competitividade, pelo consumismo, pela ansiedade e pela infelicidade empurra as pessoas para a crença na salvação através de um mundo imaginário que virá depois do fim do sofrimento terrestre. Eles chegaram ao poder e não se importam com os miseráveis sendo assassinados pela polícia carioca ou pelas ameaças que Bolsonaro faz à vida e à liberdade dos oposicionistas. É a vontade do Deus em que eles acreditam. A salvação virá depois, no mundo imaginário. Para quem não acredita nesta versão sanguinária de Deus e conserva alguma moralidade, resta lidar com este inferno terrestre. O fogo na Amazônia pode ser apenas o começo. Podemos não acreditar em Deus. Mas vendo tudo que está acontecendo, é difícil não acreditar no diabo.