1) Não acho que Guilherme Boulos tenha
chance de ser eleito prefeito. Imaginar que uma cidade que deu mais de 60% dos
votos há dois anos para um capitão genocida, torturador e que representa o que
há de pior na humanidade vá dar mais de 50% a alguém como Boulos, que
representa o oposto de tudo que é o capitão, me parece ilusão. Mas ao mesmo
tempo acho justo que as pessoas curtam ilusões. Elas nos ajudam muito em
momentos horrorosos como o que vivemos. Independente disto, seria muito muito
importante que Boulos tivesse uma quantidade razoável de votos e, quem sabe,
fosse ao segundo turno. Isto daria um grande espaço ao assunto habitação no
debate público. A falta de habitação e a especulação imobiliária são dois dos
maiores problemas que temos na cidade e a grande mídia não conseguiria mais
esconder estes assuntos do noticiário com Boulos no segundo turno. Seriam
obrigados a dar a ele o espaço que nunca dão para falar sobre este assunto. Além
disso, respeitando o enorme legado de Lula, o maior líder popular da história
deste país, não podemos nos esquecer que ele é um senhor de 75 anos sobrevivente
de um câncer. Lula mostra uma força e uma dignidade gigantescas após viver
enormes dramas pessoais com sua prisão injusta e com a perda de familiares
próximos. O presidente é um exemplo a ser seguido. No entanto, a esquerda
precisa que surjam novos nomes para o futuro e Boulos e Freixo são as duas melhores
opções. Um bom desempenho agora significará mais força em eleições futuras (se
elas acontecerem);
2) Bruno Covas fez uma boa gestão,
principalmente se pensarmos que a cidade ficou um ano e quatro meses completamente
parada na piada que foi a gestão de João Doria Jr. Covas foi também o líder que
mais se destacou positivamente na pandemia. Mostrou enorme coragem e força ao
enfrentar a tragédia pública ao mesmo tempo em que enfrentava um câncer, sempre
colocando a vida em primeiro lugar e enfrentando os interesses do empresariado.
Isto dito, seus números nas pesquisas são preocupantes. Embora esteja
liderando, 16% para quem é o ocupante atual do cargo, conhecido por todo o
eleitorado, é um número muito baixo. O eleitorado paulistano é um eterno
descontente. Contrariando o que acontece no estado e no país, é rara uma
vitória da situação na cidade. Das nove eleições desde a redemocratização, apenas
em duas o candidato da situação venceu (Pitta em 1996 e Kassab em 2008). Também
pesa contra ele a forma como a Lava Jato passou a focar suas ações no PSDB para
tentar conquistar o que restou do eleitorado tucano. Embora todos saibam que eu
tenho muitas divergências ideológicas com o atual prefeito, acredito que sua
reeleição seria uma boa notícia. A democracia brasileira precisa do
ressurgimento de uma centro-direita e de uma direita civilizadas, ela
funcionará melhor se um líder deste campo tiver características que permitam
classificá-lo como um ser humano, e Covas provou que se encaixa neste grupo. As
pessoas dizem que Bolsonaro e a Lava Jato acabaram com a esquerda, mas isto não
é verdade. Bolsonaro e a Lava Jato acabaram mesmo foi com a direita civilizada.
3) Eu acho inimaginável um
segundo turno na cidade de SP sem um candidato de extrema-direita. Lembremos
que a cidade foi fundamental para a ascensão de Sérgio Moro e de Jair Bolsonaro.
Os dois grupos fascistas, Lava Jato e bolsonarismo, se separaram e terão candidatos
separados na capital paulista. Falemos dos dois separadamente.
4) No campo lavajatista, a
candidata será Joice Hasselmann, a meu ver a candidatura com maior potencial de
crescimento na cidade. Joice é a personificação da maior parte da classe média
paulistana. Ignorante, preconceituosa, agressiva, arrogante, egocêntrica, com
enorme facilidade de comunicação e boa conhecedora de redes sociais, Joice é
quase uma versão atualizada de João Doria Jr. Totalmente sem escrúpulos e sem
ética, já se mostrou capaz de tudo por poder. É uma das precursoras da onda de
fake news no Brasil, produzindo-as desde a época em que era jornalista da
revista Veja. Sabe ler e entender o eleitorado como ninguém e, assim como Doria
fez em 2016, terá uma campanha voltada para a pesquisa de marketing, ou seja,
dirá aquilo que o eleitor paulistano quer ouvir. Este eleitor sempre quer “novidade”
e não tenho dúvidas de que cairá no papo de Joice. Além disso, Joice é
extremamente próxima de Sérgio Moro e da Lava Jato, tendo escrito uma das
primeiras biografias enaltecendo o “herói”, já em 2016. É muito possível que a
Lava Jato se empenhe em ajudá-la para criar na prefeitura de SP um trampolim
para a candidatura presidencial de Moro em 2022. Joice é o espírito do tempo,
tem a mediocridade para representar uma geração;
5) No campo bolsonarista, é muito
provável que o candidato seja Celso Russomano. O “defensor dos consumidores” da
TV tem o ambiente propício para finalmente chegar à prefeitura, mas enfrenta
uma verdadeira tradição paulistana. Assim como o pão com mortadela, a padaria
com catraca e o shopping center, já podemos classificar como tradição
paulistana a desidratação da campanha de Russomano na semana da eleição;
6) O segundo candidato com mais
potencial de crescimento é Jilmar Tatto. Deve conquistar uma boa parte dos
votos de Boulos, uma vez que muita gente ainda acha que Boulos é o candidato do
PT. Foi secretário de transportes nas gestões de Marta Suplicy e Fernando
Haddad, participando da criação do bilhete único e das implantação das faixas
de ônibus que tanto ajudaram a melhorar o fluxo de transporte na cidade. A eleição
de 2018 mostrou que o PT recuperou boa parte dos eleitores na periferia e Tatto
tem sim chance de ir para o segundo turno. A maior parte da direita focará os
ataques em Boulos e boa parte dos votos que este perder em razão destes ataques
irão para Tatto;
7) Em 2018, o Patriota apresentou
ao país Cabo Daciolo. Mantendo a linha de apresentar candidaturas absurdas, o
partido lança neste ano Arthur Mamãe Falei, o mais aloprado membro do aloprado
MBL. Após tentar reposicionar sua marca com um discurso mais “sereno”, o MBL vem
se radicalizando novamente e é bem possível que Mamãe Falei faça muita baixaria
nesta eleição. Não acho que tenha chance alguma, acredito que o empresariado
que tanto financiou o MBL entre de cabeça na candidatura de Joice ou de
Russomano.
8) Ex-governador, Márcio França vem
apresentando números paupérrimos nas pesquisas e pode ver esta eleição
significar o fim de sua ascensão política. Faria mais sentido esperar mais dois
anos para tentar o governo. A seu favor conta o fato de ser um dos melhores
debatedores da geração.
9) É certo que um dos focos da
campanha serão os ataques a Covas. A maior cagada que a esquerda pode fazer
neste momento é participar deles. Ninguém deixará de votar em Covas para votar
em Boulos ou em Tatto. Todos os votos que Covas perder irão para Joice,
Russomano ou França. Em agosto de 2018 focamos os ataques em Alckmin e uma
semana antes da eleição lá estávamos nós tentando convencer nossos tios a
votarem nele e não em Bolsonaro. Não vamos repetir o erro em 2020. O caminho para
a esquerda é propor e aproveitar o tempo para expor os problemas que a elite
insiste em esconder. Boulos deve aproveitar todo o tempo possível para falar do
horror que é a situação da habitação. E sim, muito provavelmente na primeira
semana de novembro tentaremos convencer nossos tios a votarem em Covas e não em
Joice.