quarta-feira, 16 de junho de 2021

A "terceira via" e os debiloides

 




Se o pessoal da “terceira via” realmente quisesse uma opção na eleição de 2022, não tenho dúvidas de que a melhor opção seria Marina Silva. Competente, experiente, honesta, especialista num assunto fundamental (meio-ambiente), ministra de um governo bem-sucedido, nome conhecido do eleitorado, ajudaria a resgatar a imagem internacional do país, destruída por esta maluquice que nos governa. Mas seu nome nunca seria aceito pela tal “terceira via”. Há requisitos básicos que esta turma quer que ela não possui. Para ser um nome viável para esta galera, o candidato tem que ser homem, branco, rico, bem-sucedido em qualquer área X, completamente inexperiente na área pública e, o mais importante, ser um debiloide. Sim, até o momento não vi nenhum destes nomes de terceira via que não se comporte como um debiloide.

O pior tipo de debiloide é o debiloide rico. É muito difícil mostrar para um debiloide rico que ele é um debiloide. Na cabeça do debiloide rico ser rico funciona como um atestado de que ele não é debiloide. Ele nunca vai ser convencido de que é um debiloide e ele sai por aí convencendo debiloides menos ricos de que ele e seu “projeto” são o caminho. Vira uma espécie de debiloide modelo para os debiloides menos afortunados. João Amoedo é um exemplo destes debiloides. A quantidade de espaço que ele recebe é completamente desproporcional à sua importância no debate público. Amoedo não é especialista em nada muito relevante para a vida pública. Foi diretor de banco, poderia opinar em telejornais sobre este assunto. Mas não, ele está lá sempre, sendo chamado para falar sobre tudo, em 100% das vezes tratando o assunto de forma superficial, com pouca base em dados, repetindo slogans que algum publicitário o mandou repetir.

Qualquer pessoa que diga que qualquer pessoa é igual à coisa que nos governa deve ser chamada de debiloide. E não há nada, nada nada, que justifique comparar a coisa a outro governante. O que vivemos é um genocídio e achar que este genocida é igual a um outro político porque no governo deste outro político houve corrupção ou porque ele não quis privatizar estatais é coisa de debiloide. Todos estes debiloides da “terceira via” votaram no genocida ou em branco nas eleições de 2018. Todos. Não conheço um que tenha votado diferente. Não tiveram problemas em votar no deputado capitão quando ele ameaçava matar ou expulsar do país os opositores, quando ele incentivou a agressão a homossexuais, quando comparou quilombolas a animais, quando exaltou o genocídio indígena, quando exaltou a tortura, quando humilhou os torturados etc. E bota etc nisso.

Nos últimos tempos, a pessoa que liderou a corrida pela “terceira via” entre os debiloides foi Luciano Huck. Huck cumpria todos estes requisitos citados. Homem, rico, branco, bem-sucedido em algo, completamente sem experiência e debiloide. Huck ganhou muito dinheiro com a imagem de candidato a presidente e foi muito levado a sério. Deu palestras e o escambau. Nunca disse nada de relevante. Isto não era empecilho para que ele deixasse de ser chamado para opinar sobre tudo. Virou até colunista de jornal. Não deu certo. Pressionado pela emissora em que trabalha, Huck teve que abandonar a candidatura da “terceira via” debiloide para realizar um sonho, apresentar as videocassetadas. Convocou uma entrevista às pressas quando viu o seu lugar no domingo global ameaçado pelo desempenho do atual apresentador do Big Brother Brasil. Entrevistado pelo antigo apresentador do Big Brother Brasil, mais uma vez anunciou que não será candidato, o chamado não anúncio. Mentindo, disse que votou em branco em 2018. Mentira, há uma porra de um vídeo em que ele diz que o capitão torturador era a chance de “ressignificar a política”. Os debiloides da “terceira via” são cínicos e partem do pressuposto de que todo mundo é debiloide.  Disse também que repetiria o voto em branco (que não deu) na eleição de 2022. Qualquer pessoa que ainda diga isto em 2022 não pode ser chamada de outra forma que não de debiloide.

Outros políticos e figuras públicas tentam assumir o lugar vago da “terceira via” debiloide. Ciro Gomes tem se esforçado para atrair este eleitorado, agindo como um debiloide nos últimos meses. Duvido que consiga atrair o apoio deste eleitorado. Ele entende de muitos assuntos e é muito experiente, não é isto que a “terceira via” busca. Geraldo Alckmin já foi abandonado em 2018, seu nome morreu. É muito experiente, está “desgastado”. João Doria Jr. é outro nome. Talvez ele seja um dos pais do “debiloidismo” na nova política brasileira. Concorreu como um debiloide nas eleições de 2016. Fez uma prefeitura ridícula e, graças a isto, foi consagrado governador nas eleições de 2018, onde fez uma campanha claramente fascista. Ganhou muito apoio entre os debiloides quando disse que ia autorizar policiais a atirar na cabeça de qualquer suspeito. Na enorme crise que vivemos, porém, mostrou não ser um debiloide completo. Por mais críticas que possam ser feitas ao seu governo e à sua figura, é inegável que Doria foi muito bem na questão da vacinação e que estaríamos numa situação ainda mais trágica se não fosse a sua ação. Ter algo para mostrar, porém, fez o seu nome cair muito entre os debiloides. Ele deixou de ser inexperiente e não é isto que os debiloides querem. Provavelmente com a saída oficial de Luciano Huck da campanha (na qual ele nunca entrou) tentarão emplacar um novo debiloide. A falta de experiência será convertida em “novidade”. O homem branco, rico, sem experiência e debiloide adora se apresentar como “novo”. Os porta-vozes oficiais do debiloidismo já tentam emplacar Danilo Gentili, Sérgio Moro, Roberto Justos ou sei lá mais quem.

O Brasil precisa sim de uma terceira via. Sem aspas. Uma terceira via capaz de enxergar o horror que vivemos e que não necessariamente aprove tudo o que Lula faz. Mas uma terceira via que seja capaz de enxergar que qualquer pessoa que estiver enfrentando a coisa que nos governa deve receber total apoio. Uma terceira via não debiloide, que esteja disposta a participar da reconstrução do que restar depois que isto acabar. E que seja capaz de enxergar que vivemos um horror e que não sairemos dele com base em slogans.  


sábado, 5 de junho de 2021

A médica e o monstro

 


Dr. Luana Araújo pareceu ser uma voz de lucidez neste grande circo de horrores que é a CPI. Denunciou todos os crimes cometidos pelo capitão e sua trupe de psicopatas. O Brasil foi o único lugar do mundo em que a aposta na cloroquina foi uma política de estado e em que a campanha de vacinação teve que ser chefiada pelos governos estaduais. Se não fossem os governadores dos Estados, especialmente SP e Nordeste, não teríamos nada neste momento. O governo federal fez tudo, absolutamente tudo para avacalhar a situação. Realizou aglomerações desnecessárias, desincentivou o uso de máscaras, incentivou e ainda incentiva o uso de um remédio sem eficácia para a doença, boicotou todas as tentativa de estados e municípios de conter o avanço da praga. O presidente da República demonstrou um descaso inédito no mundo com as quase 500.000 vítimas da doença. Está cagando e andando. Foi pescar, andar de jet ski, fazer todo tipo de babaquice possível. Até correr atrás de uma ema com uma caixa de remédio. Às vezes temos que nos questionar o porquê de Bolsonaro agir desta forma. Esta tragédia é a prova de que trinta por cento do país vai com ele até o fim. Seguirão com ele até a queda do Reichstag. Também estariam com ele se Bolsonaro fizesse o certo. O “certo” desta não é o certo do que restou de humanidade no Brasil, é um “certo” baseado na vontade do líder. Se o “certo” fosse o certo, adoradores do presidente estariam fazendo o certo. Mas ele optou pelo errado. Simplesmente porque ele precisa disso, é incapaz de escolher o certo. Precisa de um conflito. Ele estaria com uma popularidade bem mais alta se escolhesse a vida. Mas a racionalidade dele é outra.

Os bolsonaristas usam a CPI como palco para divulgar maluquices. O mundo das redes sociais é avesso a qualquer debate. A pessoa muitas vez nem responde a pergunta, simplesmente fala coisas desconexas para serem editadas e virarem lacração de 40 segundos no Instagram e no Twitter. Foi assim que o MBL explodiu, afinal. Dr. Nice foi um dia antes de Dr. Luana e falou todos os tipos de absurdo. Não importa que 500.000 pessoas tenham morrido e sigam morrendo em boa parte por causa deste governo patético. Não importa que já esteja provado que a cloroquina não ajuda no combate da doença. Simplesmente não importa nada que não seja a própria vontade. Nas redes sociais bolsonaristas ela bombou. Foi quase uma heroína, uma mártir. Ser imbecil é visto por esta turma como um ato heroico. Não há remorso. Mas não é apenas ela que não tem remorso.

Dr. Luana fez questão de apagar todas as suas redes sociais na semana anterior a seu depoimento. Quis esconder que apoiou Bolsonaro nas eleições de 2018 e seguiu apoiando seu governo até a pandemia. Era uma das médicas que apoiava a barbaridade até a barbaridade assumir outra proporção. Até fevereiro de 2020 estava ao lado de Dr. Nice e inclusive se mostrou pronta a entrar neste governo não apenas para salvar vidas, mas para ajudar a salvar o presidente e seu projeto de governo. Se Dr. Nice se mostra incapaz de discernir certo e errado ou de ter qualquer empatia pelos milhares de mortos, Dr. Luana mostrou que sabe fazer esse discernimento. Por que votou em Bolsonaro então? Por que o apoiou? A resposta, a meu ver, é simples e assustadora: porque ela não acha errado as outras coisas.

A pandemia tornou Bolsonaro ainda mais inaceitável, mas ele já era inaceitável muito antes. Passou a vida defendendo a ditadura e a tortura. Humilhava pessoas por serem gays e chegou a incentivar que pais agredissem filhos que demonstrassem sinais de homossexualidade. Defendeu em 2018 que opositores fossem expulsos do país ou metralhados. Defendeu o genocídio de indígenas, a destruição de suas terras, comparou quilombolas a animais. Exaltou um torturador em rede nacional. É assustador que alguém como Dr. Luana não seja capaz de entender que isto é errado. É assustador que alguém como ela, que demonstrou ser capaz de separar certo de errado, não consiga enxergar erro nestas coisas que citei. E não há papo de “votei contra a corrupção”. Bolsonaro seria o horror mesmo se não fosse corrupto. A corrupção é o menor dos defeitos de Bolsonaro, aliás. Ela votou nele porque concorda com tudo isto.

Dr. Luana é pior em alguns aspectos do que Dr. Nice. Esta última vive numa paranoia e perdeu qualquer discernimento ou senso. Ela não sabe mais o que é certo e errado, bem ou mal, tamanho é o grau de fanatismo. Já Dr. Luana mostrou que é capaz de discernir e não o fez em 2018, e provavelmente não fará se o futuro exigir. O que torna Dr. Luana tão perigosa é que ela é uma imagem de um país que não se humanizou com esta tragédia. Um país da “terceira via”, que insiste em comparar e igualar um genocida maluco e paranoico com a corrupção na Petrobrás. Que finge ter sido “enganado”, mas que estaria tranquilo se o genocídio acontecesse em “outros” lugares. Pessoas que aplaudem assassinatos em operações policiais, que transformam assassinos em heróis.

O Brasil precisaria ser refundado após esta experiência com Bolsonaro. Isto exigiria de nós reflexões sobre tudo que fizemos e que nos trouxe até aqui. Lidar com o fato de que o país aceitou e aceita tão “tranquilamente” a morte de meio milhão de pessoas porque se acostumou com a morte. Um país em que mais da metade da população vota em um candidato que promete a morte fica adormecido quando ele a entrega, mesmo que não da forma que prometeu. As mortes estão vindo, mas não aquelas que Dr. Luana aceitou em 2018. Dr. Luana não está disposta a esta reflexão, quer apagar seu passado e posar de heroína. Provavelmente dará certo. Todo o projeto de “terceira via” é baseado nisto. Com exceção de Ciro Gomes, todas as pessoas que embarcaram neste discurso de terceira via apoiaram as promessas genocidas de Bolsonaro em 18. Ninguém quer lidar muito com sua culpa. Em qualquer outro lugar a gestão de Bolsonaro resultaria numa revolução. Aqui resultou numa CPI, que provavelmente não vai dar em nada.  

Dr. Luana e as outras drs. Luanas de 2018 não se sentem responsáveis pelo que acontece. Pois são. E muito. Dr. Nice é doente, paranoica. Dr. Luana, não. É apenas uma pessoa má, preocupada em parecer boazinha. Dr. Luana e Dr. Nice parecem muito diferentes, mas não são. Estão unidas na incapacidade de sentir remorso. Bolsonaro é um monstro. Mas não é o único.