O Pacto com o Diabo nunca pode ser desfeito. Uma vez que você
vendeu a sua alma, já era. Não depende mais da sua vontade. Será pela eternidade.
O diabo não existe. E ele está em
todo lugar. Está dentro de nós. Precisa apenas de um clique para nos ocupar. Aí
já era. Virá a vitória. Virá a derrota. Virá o arrependimento. Virá a culpa.
Mas aí já era.
Algumas vezes eu já senti que estive em
presença demoníaca. Numa aula, conversava com um aluno sobre sei lá o quê e o papo
acabou parando na tragédia de Brumadinho. “Ganhei muito dinheiro naquele dia,
professor”, disse o aluno. “Como assim?”, perguntou o professor. “Quando vi
aquilo, pus uma grana nas ações da Vale”, replicou o aluno sorrindo. O diabo
sorria.
Em 17/04/2016, o diabo sorriu em rede
nacional. Subiu no palanque, virou para a câmera e homenageou o torturador. “Perderam
em 1964, perderam em 2016”, disse o diabo. Apenas um deputado cuspiu no diabo. Boa
parte dos restantes aplaudiu. As ruas aplaudiram. O Pacto já estava feito.
Alguns se arrependeriam depois. Mas já não depende mais da vontade deles.
A grande arma do diabo é dizer aquilo que a pessoa quer escutar. Todos temos nosso ponto fraco. E queremos soluções simples. O diabo às vezes nos oferece a simplicidade. Seduz com tolices e com noções comuns. “Eu não gosto de corruptos”, disse o diabo. Não que ele se importe com isto. Isto é o de menos. “Eu também não gosto”, pensou o seduzido. “Temos que prender todos os corruptos”, disse o diabo. “É isso aí”, disse o seduzido. Numa sociedade em que todo mundo é culpado todo mundo acha que é o único inocente. É muito fácil convencer o “único inocente” de que o outro é culpado. Basta um boato. O boato vira denúncia. O diabo faz o resto.
O diabo assume a face que o seduzido
deseja. Pode ser o tiozão que fala “a real”. Pode ser o juiz que manda prender
e que chama direito de defesa de “formalidade”. Pode ser o tecnocrata do mercado
financeiro que diz que você vai ganhar muito dinheiro se o cara mais pobre
perder os direitos trabalhistas.
O Pacto está em todo lugar. O Pacto é
a nossa história. É o bandeirante matando o indígena. É o senhor de engenho chicoteando
o negro e estuprando a negra. É a Vale soterrando pessoas em Minas Gerais e
garantindo o lucro do acionista em São Paulo. É o militar colocando um rato na
vagina da militante presa. É o cidadão de classe média que vê o presídio superlotado
e acha isto justo. “Queremos Justiça”. Quem faz o Pacto sempre se acha um “injustiçado”. Ele é o único inocente, afinal. E sempre acha que “merece” o que conseguiu depois do Pacto. A história do Brasil é uma sucessão de tragédia cometidas em nome de uma parcela da população que ou apoia ou opta por um silêncio criminoso enquanto o crime é cometido. Uma hora a ficha
cai. Mas quando cai, já era. Já não tem mais alma. A coragem para desfazer o Pacto exige alma. A solução não virá de quem a perdeu.
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