segunda-feira, 16 de março de 2015

Não seja saudosista, intervenção militar jamais


O Regime Militar foi uma catástrofe em praticamente todos os âmbitos. Não “apenas” no campo dos direitos humanos, em que uma pessoa poderia ser torturada por ter uma opinião e em que REALMENTE havia censura. Numa era desumana como a nossa, em que as pessoas não se enxergam como indivíduos com algum tipo de subjetividade, e sim como partes da engrenagem racional de uma máquina que nunca pode parar, direitos humanos ficam num segundo plano. Boa parte das pessoas realmente acredita que argumentos econômicos devem se sobrepor a isso e não se chocam com a foto título deste post. Por isso, evitarei abordar este assunto óbvio. Para elas, um crescimento econômico justificaria a barbárie que foi a ditadura de 1964, especialmente entre 1968 e 1977. Mas nem isto ocorreu.
                O Regime terminou em 1985 deixando o país com uma taxa de inflação nunca vista, que Sarney viria a piorar. Esta taxa era de 228,93 % ao ano. Em 1964, foi de 91,8% ao ano. Fica fácil concluir que falhou neste sentido, certo? Se você é do tipo que quer estabilidade econômica, não seja saudosista.
                Quanto à corrupção, outra pauta dos manifestantes, basta dizer que a ditadura militar criou Paulo Maluf e José Sarney, grandes símbolos do país neste quesito. O Regime especializou-se em grandes obras públicas faraônicas, algumas delas necessárias e bem-sucedidas, como Itaipu, outras nem tanto, como a Transamazônica, hoje quase totalmente comida pelas florestas. As condições de trabalho eram sub-humanas, com relatos assustadores de operários mortos durante a construção da ponte Rio-Niterói, cujos corpos foram simplesmente concretados. Foi durante a ditadura também que se construíram boa parte dos grandes estádios públicos do país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Se você é daqueles que é contra gastos públicos e que postou no facebook durante a Copa “menos estádios e mais hospitais”, não seja saudosista.
                Sobre educação, o Regime Militar foi responsável pelo total sucateamento do ensino público. Quando você encontrar alguém idoso que lhe disser “na minha época a escola pública era boa”, saiba que isto era antes ou no começo do Regime Militar. Depois disse, degringolou. Uma prova disso é que, nas eleições de 1989, 5 anos após o regime, metade da população brasileira não tinha acesso a praticamente nenhuma informação, a ponto de não saber o nome do presidente da República. Se você é do tipo que acha que o maior problema do Brasil é educação, não seja saudosista.
                Quanto à burocracia, o Regime Militar separou, no final dos anos 70, o estado de Mato Grosso em 2. O objetivo era aumentar o número de senadores daquele estado de 3 para 6, garantindo a maioria para a Arena (Partido dos Militares) no Senado. Se você é do tipo que acha que temos que reduzir burocracias, não seja saudosista.
                Para não ficar só em críticas, do ponto de vista social houve duas enormes conquistas durante o regime, mais especificamente no governo Geisel. Foram aprovadas as leis que permitiam o divórcio e o bebê de proveta. O ato foi extremamente corajoso. Assuntos “normais” para nós hoje em dia, estes temas geraram debates tão acalorados à época quanto legalização do aborto e do casamento gay. Possivelmente as pessoas que odeiam tudo e todos e carregam estas faixas não sabem disso. Mesmo neste caso, então, não seja saudosista.
                Falando especificamente sobre a manifestação de ontem, não falarei muito sobre os clichês óbvios dos dois lados. Tanto o lado que repete o quanto manifestações pacíficas são importantes para a democracia quanto o lado que repete que é absurdo fazer um protesto em março contra uma presidente que assumiu para o seu segundo mandato em janeiro. Nem toda manifestação faz bem à democracia como o PT fez o mesmo tipo de passeata contra FHC, três meses após a posse deste. A grande marca desta passeata foi a reação bovina dos manifestantes “de bem” às faixas de “Intervenção Militar Já”. É lógico que este tipo de ideia é coisa de uma minoria. Porém, boa parte da maioria dessas pessoas “de bem” que estavam à volta nada fizeram para criticar aquilo. Para dar um exemplo, um rapaz com a camisa do PT foi esculachado por todos que estavam perto no MASP. O mesmo não ocorreu com os que apareciam na televisão vestindo preto com faixas pedindo a volta dos militares. O grau de ódio é tão grande que a revolta é maior com quem está do outro lado do que com que quer acabar com a democracia. A grande marca da barbárie é a não aceitação do diferente. Ontem ficou claro que um grande número de pessoas prefere que alguém acabe com o jogo a continuar vendo o outro lado ganhar. Não enxergo nenhuma melhora possível no país a partir de amanhã. O que vi ontem foi uma série de pessoas ingênuas e apolitizadas, repetindo palavras de ordem como se estivessem num estádio de futebol. A mídia pode até tentar dizer que a manifestação foi por reforma política, mas não vi nenhum manifestante usando este termo. O que eles querem é a saída de Dilma, pura e simplesmente, alguns com Intervenção Militar, outros não. O problema para essa massa está na pessoa e não no processo. Elas todas estariam felizes em casa vendo futebol se o Congresso fosse o mesmo, mas o presidente fosse outro. E nada oferece mais riscos do que uma massa despolitizada e arrogante, que tem seu ego bajulado por uma mídia que os apresenta como “patriotas querendo salvar a nação”, com baixo grau de conhecimento histórico. Gente acostumada a vitórias, que enxerga o adversário como inimigo. O protesto aconteceu exatamente 30 anos após a posse não realizada de Tancredo Neves, início do maior período realmente democrático de nossa história. Paradoxal.

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