Não escrevo há muito tempo aqui,
mas o mais novo britânico da música me trouxe a inspiração. Todos nós pudemos
nos deliciar com as belas palavras escritas por Sir Ed Motta em sua conta no
Facebook no último dia 09, quando se utilizou de diversos adjetivos bem bacanas
para se referir ao povo brasileiro. Simplório, caipira, burro, coitado, indígena
(em tom depreciativo), bicho, intolerante, ignorante e pedreiro
(novamente em tom depreciativo). Durante o texto, as palavras em negrito +
itálico são as escritas por Ed Motta.
Não faço o político e não vou me
candidatar a nada no próximo ano, então entendo que ele queira dar uma dica ao
seu público sobre o seu show, avisando que não quer ouvir algo parecido com o desgastado
“toca Raul!” no meio de sua apresentação, mas ele escolheu a pior (ou não) das maneiras
de fazer isso.
É claro que o nosso artista quis
aparecer, e conseguiu. Do Greenpeace ao Estado Islâmico se sabe que as redes
sociais são as armas mais rápidas e devastadoras do nosso tempo e que atingem a
todos de maneira instantânea e democrática. Ser escroto na rede dá um upgrade
nessa instantaneidade, pois é o que o público mundial gosta e é o que está me
motivando para movimentar meus dedos nesse momento.
Estamos acostumados a ver as
pessoas fazerem tipo. O político faz tipo que é “do povo”, mas sabemos que a
maioria não é. O Gugu faz o tipo que se importa com as pessoas, mas não é
assim. Petista faz tipo que é de esquerda, tucano que pensa em pobres. O Ed
Motta faz o tipo intelectual intimista, mas adora repercutir por aí, adora se
promover pela via mais fácil causando a revolta popular. Uma pessoa tão culta como
ele iria imaginar que alguém da “turma mais simplória que nunca me acompanhou no Brasil, público de
sertanejo, axé, pagode, que vem beber cerveja barata com camiseta apertada tipo
jogador de futebol, com aquele relógio branco, e começa gritar nome de time”
antes de ir ao seu concerto iria entrar no seu site ou nas suas redes sociais
para saber como se portar? O pedreiro iria comprar o ingresso, ir
ao show, gritar Vai Curíntia e
pronto.
Qual o único motivo que sobra?
Sim, uma jogada de marketing às avessas. Toda extrema minoria ao decidir
radicalizar consegue crescer. Levy Fidelix fez isso na última eleição
presidencial, já que com o seu discurso infame contra gays ele passou de 58 mil
(2010) para 447 mil votos (2014). O problema é que esse tipo de radicalismo
limita a pessoa. O Sr. Levy Fidelix não vai virar presidente ou governador por
conta da sua rejeição popular. Sir Ed Motta, o britânico, nunca vai vender como
o corporativista
Caetano Veloso, mas para ele está bom. Confesso que não tenho fontes
confiáveis, apenas o Wikipédia, mas os últimos 7 discos venderam uma média de
40 mil cópias com vendas cada vez menores do ano 2000 para cá. Se o Levy
encontrou 450 mil pessoas que concordam com ele, o britânico encontrará alguns
babacas que partilham de seus adjetivos aos conterrâneos e que certamente o
financiarão para que continue distribuindo preconceitos online.
Sir Ed esquece que vem de um país
de povo humilde, com tradições e costumes muito diferentes dos europeus. A
grande maioria das pessoas não teve, como ele, condição de abandonar os estudos
na adolescência para se dedicar a fazer o que gosta, e muito menos passar uma
temporada em Nova York aos 19 anos. Não há problema em informar o público sobre
a vertente do espetáculo, que se trata de um show com músicas do novo disco em
inglês, ou até mesmo dizer que não vai falar em português. O problema é a
rotulação, é classificar como povo simplório quem gosta de outros estilos
musicais, usa roupas apertadas ou não tem dinheiro para comprar cervejas caras.
Talvez se fosse apenas o texto eu nem estaria o criticando tanto, mas os
comentários são de dar nojo e aliados ao histórico do cidadão, o qualificam
como um cretino, arrogante, reacionário e preconceituoso.
Em 2011 Sir Ed publicou o
seguinte: "O sul do Brasil, como é bom, tem dignidade isso aqui. Frutas vermelhas,
clima frio, gente bonita. (...) povo feio o brasileiro. Em avião, dá vontade
chorar. Mas chega no Sul ou São Paulo e tem gente bonita compondo o ambiente".
Não é a primeira vez que o cara é
agressivo sem a menor necessidade. Como vi em um dos comentários acerca da polêmica
atual: Negro, gordo, careca e
preconceituoso, como pode?
E realmente é essa a pergunta do
milhão. Um cara que se enquadra em boa parte dos rótulos que a sociedade erroneamente
mais condena sai por aí rotulando pessoas pela sua aparência, local de nascimento
ou gosto musical? Talvez seja esse tipo de pessoa que o Tim Maia (Pobre, negro,
gordo e usuário de drogas) tenha visto no sobrinho bem antes de tudo isso,
quando disse: “Meu sobrinho Ed Motta
ficou besta pra caramba. Se deixar, ele manda o Tim Maia pra casa do cacete!”.
No Brasil a minha audiência não é
de pedreiro, não é popular. Pedreiro vai assistir filme do David Lynch?
Pedreiro frequenta bons restaurantes? Pudemos julgar pelas últimas
vendagens, que nem o pedreiro e nem o mais alto executivo nascido em berço de
ouro aprovam seu trabalho. Espero que o Brasil siga um de seus conselhos e não
perca tempo com você e com os seus temas complexos e cheios de acordes.
O agora europeu Ed Motta se esquece
do passado e que já tocou em programas que devem estar bem abaixo do seu nível
intelectual e social. Não sei o que ele deve ter pensado do auditório do Faustão ou do Raul Gil, ou quando ele viu a sua música virar tema de novela. Vi
um vídeo dele no programa da Fátima Bernardes, o Encontro, em que as pessoas batiam palmas enquanto ele cantava... Deve
ter sido horrível para ele, um crime contra a sua arte.
O saudoso Nelson Rodrigues
citaria hoje em sua coluna, novamente, o complexo de vira-lata do brasileiro. Se perguntaria porque o Sir Ed Motta ao invés de ajudar a mudar esse conceito faz exatamente o contrário,
se traveste de europeu para criticar uma pátria que já o faz por natureza. O
que ele espera dos shows dele na Europa é um público local ou que possa ser equiparado
a este. Brasileiros revestidos de cultura branca europeia são bem vindos para
assistir um show com vários elementos de música negra.
Por fim, quem já leu Maus, de Art Spiegelman, conseguirá
notar a semelhança entre o nosso artista e o personagem judeu ex-prisioneiro do
regime nazista que não entra no taxi guiado por um negro nos EUA. Embora eu
ache que o melhor paralelo seja o Brasil colonial, em que um escravo encontrava
ouro ou diamante, comprava a sua liberdade e, pasmem, comprava alguns escravos
também. Sir Ed Motta já comprou a sua liberdade há muito tempo, mas não deixaremos
que ele nos compre, chutaremos a bunda dele antes.
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