quarta-feira, 29 de julho de 2015

CAETANO, GIL E AS CARTINHAS HIPÓCRITAS DE ROGER WATERS



Eu sempre cito a hipocrisia. Deus abençoe a hipocrisia. Eu, você e eles, todos hipócritas. Sentimento tão natural do ser humano quanto o amor ou o medo.

Os judeus são, de longe, o povo mais perseguido do mundo. Longe de querer dar aula de história, mas é necessário dizer que os nossos colegas de quipá sempre foram responsabilizados por tudo de errado que aconteceu no planeta. Se não há outra explicação, a culpa é dos judeus.
Em virtude da seca e da fome judeus saíram da Palestina e migraram para o Egito. Viraram escravos por 400 anos. Voltaram para a Palestina, liderados por Moisés. Viraram prisioneiros na Babilônia. Foram libertados pelos persas e voltaram para a Palestina, mas como súditos do Império. Com a queda do Império Persa passaram para o Império da Macedônia sob o amigável domínio de Alexandre, o grande. Macedônia e Palestina foram conquistadas pelos Romanos. Os judeus foram expulsos da Palestina e se espalharam pelo mundo. Um povo sem território. Foram culpados pela morte de Jesus e perseguidos pela Igreja Católica. Peste negra? Queimem judeus e satisfaçam o nosso senhor, era o lema. Como era um povo unido e próspero foi acusado de querer dominar o mundo, sentimento compartilhado por toda a Europa. Holocausto.
Finalmente, em 1948 essa galera conseguiu uma terrinha para chamar de sua. O “minha terra, minha vida” dos americanos pressionou os ingleses e deu novamente aos judeus um território próprio.

Hoje o estado de Israel e forte, rico e, principalmente, armado. Não é para menos, já que o país é uma gota de democracia e avanço tecnológico em uma piscina de atrasos, intolerância e tirania.
Aos olhos do mundo esse conflito é um clássico roteiro de novelas. Os ricos e poderosos contra os pobres e oprimidos. A opinião pública internacional – em grande parte ignorante sobre o tema – condena o estado de Israel de maneira geral. Após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel anexou alguns territórios árabes, afugentando palestinos. Desde então existe uma briga sem fim sobre a devolução desses territórios, o reconhecimento do estado de Israel e também da Palestina.
Onde entram Caetano Veloso e Gilberto Gil nessa história?
Eles foram contratados para fazer um show em Tel-aviv. Existe um movimento artístico de boicote a Israel por conta da ocupação de território palestino chamado BDS (Boicote, Sanção e Desinvestimento em Israel), que busca eliminar a realização de eventos culturais no país como forma de pressionar o governo para a questão palestina. Roger Waters, ex Pink Floyd, enviou cartinhas para Caetano e Gil, pedindo o boicote.

Enfim, o show foi realizado ontem, como deveria ser feito. Eu sou um cidadão da paz, quero que Israel tenha o seu território e que a Palestina também tenha o seu. Rezo pela desocupação Israelense e pela harmonia entre as pessoas, porém se o senhor Roger Waters não fizer shows em países que subjulgam outros povos, prepare-se, enfim, para a aposentadoria, my friend. Moradores de países que não praticaram essa política provavelmente não terão R$ 600,00 para assistir ao seu show na Pista Premium em algum estádio de futebol por aí.

Europeus nunca quiseram os judeus. Os britânicos arranjaram um lugar para eles bem longe dali. Boicote a Grã-Bretanha, então!
Aliás, se eu for escrever sobre as atrocidades do Império Britânico durante séculos nas colônias, matando nativos e explorando riquezas, eu escreveria um livro.
Portugal, Espanha, Polônia, Hungria, Alemanha, Rússia. Todos perseguiram e mataram judeus.
Em todas as guerras existem crimes e com os americanos não é diferente. O que Hollywood conta é bem diferente do que acontece. Durante a guerra do Vietnã militares americanos  entraram na aldeia My Lai, no Vietnã do Sul, com a ordem de busca e destruição. Estima-se que 300 civis, na maioria mulheres, crianças e idosos, tenham sido mortos nesse que seria um dos maiores crimes de guerra da história dos EUA. Mais recentemente o governo Bush matou milhares de civis em busca de armas químicas/ biológicas que nunca foram encontradas no Iraque. A aldeia de Azizabad, no Afeganistão, foi devastada por bombas sob a alegação de terem matado o comandante talibã Mullah Siquid. Dias depois Siquid apareceu vivo, ileso.

No mundo globalizado contemporâneo temos outras formas de sofrimento causadas pelos poderosos. Ou você acha que o sistema de trabalho semiescravo chinês é apenas culpa da China? As centenas de fábricas americanas instaladas em território chinês estão lá apenas por coincidência ou pela conveniência de poder se utilizar de leis trabalhistas ridículas que deixam o custo de produção lá embaixo? Será que eu e você não temos culpa nisso? Eu tenho sim, mas vou continuar comprando meu Nike.

Não vejo ninguém boicotando a Europa ou os EUA. Contemplam esses locais como um exemplo de democracia, respeito e defesa dos valores humanitários. É fácil boicotar Israel, um país de 10 milhões de habitantes e do tamanho de Sergipe.
Além disso, Israel só existe e faz o que faz por conta dos EUA. Não fossem esses padrinhos poderosos os judeus estariam mortos ou espalhados pelo mundo há muito tempo. Protestem artistas, boicotem os EUA.
Antes de condenar Caetano e Gil por ignorarem a cartinha hipócrita de Roger Waters, pense bem. Se continuar discordando, se desapegue do desejo de fazer comprinhas em Miami nas férias, jogue foram o seu Iphone, seu Nike e fique a vontade para esquecer tudo quanto é obra artística no mundo. Em geral, países ricos são ricos porque foram sacanas no passado, ou continuam sendo, de forma mais velada e maquiada no presente. Caetano e Gil gostam de dinheiro e fizeram um trabalho, gostam de aplausos e fizeram um espetáculo para seus fãs. Meu Deus, por incrível que pareça eles foram os menos hipócritas nessa história toda.

Para finalizar, uma frase retirada de uma nota emitida por Rafeef Ziadah, porta voz do Comitê Nacional do BDS, condenando o anúncio de um show dos Rolling Stones em Israel, em 2014:
“Porque qualquer artista com consistência moral aceitaria atuar em um país que está tão profundamente envolvido em crimes de guerra e violações dos Direitos Humanos?”.

Pois é, Roger. Por quê?

Datena prefeito?


José Luiz Datena anunciou ontem, 28/7, sua candidatura à prefeitura de São Paulo. Apenas o tempo dirá se é apenas um golpe midiático ou se ele vai levar a sério esta empreitada. Datena é o tipo de celebridade bajulada e mimada, eu acredito que abandonará a sua candidatura na primeira desavença com qualquer correligionário. A análise mais importante, a meu ver, é entender o que está por trás disso.
O articulador da campanha Datena é Guilherme Mussi, deputado federal pelo PP. Seu principal projeto é um projeto de lei pedindo um plebiscito pela redução da maioridade penal. É deputado deste 2011, tendo passado neste período por 3 partidos, PV, PSD (o partido de aluguel criado pelo Kassab) e agora o PP. Nas eleições de 2010, declarou um patrimônio de R$ 1.136.416,76. Já em 2014, seu patrimônio declarado foi de R$ 67.517,51. “Perdeu” em patrimônio (com toda ironia possível) R$ 1.068.899,25 em 4 anos e mesmo assim quis continuar no Congresso. Um fato bastante curioso.
Eleito deputado federal por São Paulo, seu maior financiador de campanha é a IBAR Nordeste, empresa de extração de Magnésio localizada na Bahia e no Ceará. Recebeu 150.000 votos na última eleição em SP para defender os interesses de uma empresa mineradora nordestina. Em 4 anos e meio de mandato, apresentou 5 projetos, não obtendo nenhuma aprovação. Especializou-se muito mais em defender causas populistas do que em efetivamente fazer algo. Não liga muito para contradições: Faz parte da bancada ruralista e da bancada que defende os interesses indígenas ao mesmo tempo. Mussi é o tipo de político que trabalha nas sombras, mas parece pronto a querer dar um passo maior. Usará Datena para isso.
O vice na chapa de Datena será o delegado Antônio Assunção Olim, ex-chefe da Divisão Antissequestro da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Em 2004 respondeu a um inquérito por expor 3 acusados de forma constrangedora no programa de Datena. Elegeu-se deputado estadual em 2014, aproveitando a fama por ter sido o delegado do Mércia. Aparece constantemente no programa de seu possível companheiro de chapa, já sendo conhecido dos espectadores que Mussi pretende transformar em eleitorado. É o Robin perfeito.
A popularidade de Datena e Olim é fruto da comercialização da violência cotidiana na televisão. Este processo teve início no começo dos anos 90 (embora Jacinto Figueira Junior já tenha sido um precursor nos anos 70) com o programa Aqui Agora, que tinha como objetivo levar o jornal Notícias Populares à televisão. Grande sucesso, o programa elegeu em 1992 o seu primeiro vereador, o apresentador Ivo Morgante e dois anos depois elegeu para deputado federal sua primeira grande celebridade, Celso Russomano. Este segue até hoje na Câmara e é um nome forte também para a próxima eleiçao, mesmo sem atuação significante no Congresso, enquanto aquele acabou entrando no ostracismo após ser um dos chefes dos esquemas de corrupção na gestão Pitta.
Outras redes de TV, aproveitando o sucesso do Aqui Agora, entraram neste ramo. Datena, inicialmente um repórter esportivo, foi convidado para assumir o Cidade Alerta da Record no final dos anos 90, continuando neste tipo de programas até hoje, ora na Bandeirantes, ora na Record. O esquema é sempre o mesmo: repetição a exaustão de crimes ocorridos na cidade, de tal forma a fazer o público acreditar que aquele único crime aconteceu várias vezes, estimulando o medo entre os espectadores. O apresentador sempre assume a posição de dono da verdade. Datena se mostra como especialista em todos os assuntos, discutindo, por exemplo, com um piloto de avião após um acidente aéreo ou dando aulas de medicina para médicos quando algum erro deste tipo acontece.
Tragédia e violência vendem. O personagem de Datena é aquele que sempre “previu” os motivos da tragédia, mas só fala isso depois que ela acontece. É o grande sábio que mostra para o público como elas deveriam ser evitadas. À imagem de sábio une-se a imagem de xerife justiceiro, daquele que critica os criminosos e defende os cidadãos de bem, que são aqueles que estão em casa assistindo seu programa, com medo de sair na rua. Os temas são sempre tratados com superficialidade, estimulando apenas o impulso e nunca a reflexão.
Após 15 anos vivendo o mesmo personagem, é muito possível que Datena não mais se enxergue como alguém que finge ser sábio e justiceiro, mas como alguém que é o sábio e justiceiro que pode salvar a cidade das mãos dos bandidos que tomaram conta dela. Duvido muito que Datena seja capaz de reconhecer o próprio papel nesta sociedade apavorada.  Os anos de bajulação o fizeram ser incapaz de enxergar que ele é apenas um boneco pronto para ser manipulado por pessoas como Mussi. Datena está pronto para virar herói. Não é a primeira celebridade a cair nessa (que o diga Silvio Santos), não será a última. Será que a IBAR Nordeste investirá nessa jogada?

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Quando um político descobre que um problema é real



Angela Merkel fazia uma visita à cidade de Rostock, localizada na antiga Alemanha Oriental. Estava lá para fazer uma conferência com crianças numa escola da cidade. Estas faziam perguntas banais para respostas tão banais quanto, até que Angela foi confrontada por uma menina de 14 anos refugiada da Palestina. Ela contou sua história, disse que estava lá há 4 anos, que se sentia acolhida, que aprendeu alemão com certa facilidade, mas que seu pai havia sido expulso da Suíça e que não conseguia entrar na Alemanha. A menina seguiu seu relato, contando que não via sua família desde que chegou na Europa, para em seguida a chanceler alemã questionar, sem muita emoção na voz, sobre o caminho que ela havia feito. A menina respondeu que fugira da Palestina pelo Líbano e que tinha muito medo de seu futuro, uma vez que não era cidadã alemã, não tinha família por perto e temia ser expulsa da Alemanha em algum momento. Em seguida, questionou a chanceler por que era tão difícil para um refugiado arrumar emprego em território germânico.
Merkel respondeu como um robô. Acostumada apenas a entrevistas coletivas com jornalistas bem empregados, mais preocupados com as próprias carreiras do que com qualquer outro problema do mundo, respondeu como se estivesse falando a alguém de uma televisão ou jornal. Disse simplesmente que a menina tinha motivo para ter medo, uma vez que a Alemanha não tinha condições de receber todos os refugiados palestinos, que boa parte teria que voltar e que dificilmente a menina teria alguma chance de futuro por lá, pois a prioridade era dar emprego a alemães e não a estrangeiros. Tudo isso sem demonstrar nenhum tipo de emoção com o sofrimento da menina, ou ao menos prestar atenção no que estava dizendo. Ao dar esta resposta virou para o moderador, começou a falar de outro assunto até que, uns 5 segundos depois, seus olhos reencontraram a menina chorando. As palavras burocráticas da chanceler a fizeram cair no choro e a expressão de Merkel automaticamente mudou. O robô alemão enxergava finalmente uma pessoa e entendia a dureza da realidade daquele problema que ela tão friamente tratava como uma questão burocrática. Naquele momento, os refugiados deixaram de ser um número de algum relatório que ela havia recebido de um funcionário. O impacto destes refugiados nas finanças alemãs, provável motivo da resposta agressiva sobre a incapacidade da Alemanha de recebê-los, se tornou insignificante perto das lágrimas da menina. Merkel se aproximou, começou a acariciar sua cabeça e falou palavras de apoio, as mesmas que foi incapaz de dizer anteriormente. A mulher mais poderosa do mundo desmontava na frente de uma garota frágil, desmoronava ao enfrentar algo que há muito tempo não enfrentava, a realidade. Para quem tiver interesse, no final do texto está o link do momento em que a menina chora e da reação de Merkel.
Há uma grande probabilidade de que as lágrimas da menina sejam esquecidas em menos de uma semana e que o assunto dos refugiados na Europa volte a ter atenção nula. As pessoas, a mídia e os políticos tendem a estar mais preocupados com a situação do mercado de ações do que com problemas reais de pessoas reais. Vivemos numa racionalidade bocó, mais interessada em números e estatísticas do que em qualquer tipo de subjetividade. Na questão grega, por exemplo, fala-se muito mais sobre a desconfiança dos investidores em relação à Grécia do que da realidade daqueles que vivem na miséria desde que a crise começou em 2008. Repete-se assiduamente o número de bilhões de euros que o governo grego necessita, com atenção quase inexistente ao sofrimento que esta dívida causa ao povo grego. Talvez isto só mude se todos nós, principalmente Merkel, formos confrontados por uma criança grega chorando.