2015 termina com a maior recessão
econômica desde 1992, deixando um cenário nada animador para 2016. Crise
política, econômica e uma sociedade rachada por um discurso muito mais próximo
do ódio do que da união. O objetivo aqui é tratar esta crise não como algo momentâneo,
mas como resultado de um modelo econômico expandido a partir de 1994, que
acreditou que a melhora do nível do país estava quase que unicamente ligada à
melhora no nível de consumo, sendo bem sucedido neste princípio raso durante 20
anos, mas que vive agora seu esgotamento. Não há nenhum interesse em
desvalorizar as conquistas da estabilidade econômica obtida no governo tucano
e, principalmente, dos avanços sociais obtidos na era petista. Pretende-se
apenas mostrar como não se planejou um avanço na cidadania e como o lado consumidor
sempre foi posto em primeiro plano.
O brasileiro médio é um
consumidor voraz desprovido de autocrítica e de senso de reflexão. Sua
principal motivação é a compra de produtos e serviços que, muito além de
atender suas necessidades, possam servir para que ele se sinta e demonstre
estar numa posição mais alta no conceito de estratificação social. Isto é
verificado em certas situações insanas do ponto de vista lógico, como a troca
do automóvel a cada 2 anos ou a compra de apartamentos cada vez menores e mais
distantes, com prestações que duram uma vida, mas que se justificam na cabeça
do comprador como qualidade de vida por ter uma piscina e uma academia. A
grande vítima da crise de 2015, até o momento, é este brasileiro médio.
Demitido por seu chefe na maioria das vezes incompetente, gestor em uma empresa
gerida de forma ineficaz, terá que tirar seu filho da escola particular ruim em
que o matriculou apenas pela segurança de tê-lo fora da escola pública, ficará
3 ou 4 anos com o mesmo carro e não sabe o que fazer com a prestação eterna de
seu imóvel de 45 m² com varanda gourmet. Não possui a menor capacidade de
enxergar-se como vítima de um modelo pouco sustentável de crescimento que
engoliu a sociedade e seu único interesse é manter-se como ator passivo deste
ciclo vicioso em que se sente vencedor ao realizar a tarefa de pagar as contas
no dia 30.
Este brasileiro médio não se
importa com a corrupção. Pode até fingir que está “indignado com a bandalheira”,
mas só se sente incomodado mesmo quando percebe que ela não o beneficia. Não se
sente culpado ao roubar TV a cabo, baixar aplicativos que o ensinem a fugir da
lei seca, fazer download de filmes gratuitamente, falsificar carteiras de
estudante ou comprar a carteira de motorista, entre outros. Não repreende o amigo
que faz isso. Não se incomoda também com a corrupção na política, desde que
isto não o atrapalhe na missão “sagrada” de pagar suas contas. Só lembra que a
corrupção existe quando a economia vai mal e este é seu foco.
O Brasil é um país que funciona à
base do jeitinho. PT e PSDB dividem o poder desde 1994, garantindo sua
governabilidade através de alianças com o PMDB, obtidas através da distribuição
de cargos e da criação de ministérios inúteis. Não deixa de ser irônico e
simbólico que o período de maior estabilidade democrática da nossa história
tenha se formado dessa forma e esteja em crise em parte graças à vontade do
PMDB de ter mais. O brasileiro médio não se incomoda com isso. Sua única
prioridade é manter a estabilidade do seu fetichista modelo carro – prestações –
viagens à praia em feriados. A corrupção aparece como argumento nos momentos em
que este brasileiro médio começa a achar que o governo não o está mais ajudando
a consumir mais e que está mais difícil pagar suas contas. Não questiona a
ineficácia do setor privado, pois isto seria de certa forma questionar a si
mesmo e é fundamental colocar a culpa no “outro”, neste cenário representado
pelo governo incapaz de continuar gerindo este modelo. Na sociedade brasileira,
a corrupção é aquele mal que existe e se permite que exista, sendo usado como
argumento fácil para criticar o governo de que não gostamos. Tucanos não se
importam com o escândalo das privatizações e se chocam com o mensalão. Petistas
vivem exatamente o inverso. No fundo não se importam com nenhum, apenas
precisam de um argumento para criticar o governo que não gostam. O brasileiro
médio age historicamente assim. Não se importava com a repressão e as história
de tortura do governo Médici, pois achava que gozava das benesses do milagre
econômico. A democracia só entrou na pauta quando a economia entrou em
recessão, com a crise do petróleo fazendo desmoronar o projeto
desenvolvimentista dos militares.
A era de ouro de consumo do
brasileiro médio começou com o Plano Real, em 1994. A estabilização da economia
foi o primeiro passo para o boom de consumo vivido especialmente nos anos 2000.
Milhões de pessoas ascenderam a uma nova “classe C” e este fato foi muito mais
propagado na mídia do que a verdadeira grande conquista do governo Lula, que
foi o combate à miséria. Os dois governos, porém, foram incapazes de dar o
passo mais importante, que era a expansão do conceito de cidadania no âmbito da
educação de base. Não houve reversão no processo de desvalorização das ciências
humanas, aquelas capazes de permitir o surgimento de uma sociedade mais
pensante, autocrítica e reflexiva. Ampliou-se significativamente o número de
vagas em universidades, mas se focando sempre apenas na geração de mão-de-obra
em cursos como Administração e Marketing, de tal forma a agradar este
brasileiro médio que enxerga também a educação como um produto a ser consumido.
O Brasil deveria aproveitar esta
crise para debater este modelo econômico focado na ideia de consumo, em que o
desenvolvimento social não é sustentado pela expansão da cidadania, e para
questionar o funcionamento de seu modelo político à base da corrupção, um
espelho da nossa sociedade aliás. Mas não o faz, porque seu cidadão médio não
pensa, apenas age instintivamente pelo desejo de consumir mais. Tudo que ele
quer é continuar comprando e pagando suas contas. O governo pode roubar, desde
que não o atrapalhe neste ciclo vicioso de infelicidade e insignificância em
que ninguém pensa. Não há um desejo coletivo real por uma sociedade melhor,
apenas por um local em que se possa ser vítima da especulação imobiliário com
mais tranquilidade.
2016 será um ano de alta tensão.
Temos uma massa acéfala pronto para ser manipulada e com ódio, interessada no
show midiático que se tornou o processo de impeachment. Ao incentivar um modelo
de crescimento que enxerga o bem-estar social como algo fruto quase que única e
exclusivamente do nível de consumo, o modelo tucano-petista estimulou uma
sociedade cada vez mais individualista e supérflua, disposta a permitir a
corrupção que o beneficie e revoltar-se com aquela que o deixa de fora quando o
governo não agrada. O debate político se converteu num show de horrores,
tratado como uma disputa entre torcidas. Não há um plano partidário de enfrentamento
deste ciclo, o debate se concentra quase que exclusivamente em como fazê-lo
voltar a funcionar, quando não há sustentabilidade a longo prazo para tal.
A primeira tentativa interessante
de saída deste modelo tosco vem da prefeitura de SP. A gestão Haddad, voltada
exclusivamente para o coletivo, foi abandonada por parte do PT, que o enxerga
como responsável pela impopularidade do partido na cidade, quando a verdade
está na recíproca. Enfrenta forte rejeição da torcida que se pinta de verde e
amarelo para sair às ruas, o que é uma prova da incapacidade desta massa de enxergar
a causa real dos seus problemas. Nada seria mais simbólico do que vê-lo perder
para Celso Russomano, o defensor dos consumidores. O brasileiro médio não quer
combater a corrupção. Também não quer saúde e educação. Só quer comprar cada
vez mais. E pagar suas contas. Se possível, pegando menos trânsito.
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