quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Origens do totalitarismo


          

O título deste post é igual ao título de um livro clássico escrito pela filósofa judia alemã Hannah Arendt. Nele, a autora busca explicar como as pessoas se subjugaram à ideologia nazista e aceitaram passivamente os horrores de uma dominação totalitária. O totalitarismo, diz ela, não é fruto do acaso e sim resultado de anos de preparação ideológica, naquilo que o jornalista Paul Gourevitch, em sua obra sobre o genocídio de Ruanda dos anos 1990, chamou de ódio silencioso. Um processo histórico de rejeição aparentemente inofensiva criou um ambiente que permitiu que judeus perdessem gradativamente seus direitos de cidadania, chegando-se a um ponto em que a população geral estivesse preparada para aceitar um líder totalitário que conduzisse um genocídio contra o inimigo odiado por séculos. Todo regime totalitário é dependente do ódio, nenhum sentimento é mais facilmente usado para manipulação de massas.
Chico Buarque foi abordado num restaurante esta semana no Rio de Janeiro por um grupo de pessoas capitaneado por Álvaro Garnero Filho, que como o nome diz é filho do empresário apresentador de programas de viagem, e o rapper Tulio Dek, desconhecido musicalmente, mas famosinho no mundo das pseudo-celebridades por ter namorado a atriz global Cléo Pires. Os 3 não se conheciam, muito provavelmente nunca tinham se encontrado. Mas Garnero e Dek estavam com raiva de Chico. O motivo, suas ideologias políticas e seu apoio ao governo Dilma. A turma de Garnero foi tirar satisfação com o cantor com expressões como “você apoia bandidos”, “seu merda” e, finalmente, com “vai fugir Chico” no momento em que este chamou um táxi. A turma se sentiu não apenas no direito de incomodar uma pessoa que desconheciam questionando suas opiniões políticas como achavam que ele era obrigado a participar deste debate, “fugindo” do confronto.
Pessoas como Garnero não debatem conceitos, como ficou provado neste curto diálogo. Repetem frases feitas e xingamentos, questionando o estilo de vida de Chico Buarque, como se o fato dele defender melhor distribuição de renda, por exemplo, fosse um voto de pobreza. Não há espaço para reflexão e ideias, apenas para um ódio que neste caso se disfarça de ativismo político.
Nada é mais perigoso historicamente do que uma massa movida pelo ódio. Mais do que isso, um grupo de pessoas movido por este ódio e que é bajulado por tal. É assustador o número de pessoas que concorda com a ação de Garnero e a incentiva. As pessoas que praticam este tipo de ação são tratadas como justiceiras pelos que pensam iguais, aqueles que foram lá ‘ “disseram umas verdades”. Não há uma ação concreta da opinião pública condenando este tipo de atitude. As pessoas postam “Dilma, sua vaca” em redes sociais sem medo de nenhum tipo de punição e recebendo curtidas estimulantes de iguais. São as mesmas pessoas que reclamam, aliás, que o Brasil precisa de mais educação, sem entender o óbvio paradoxo entre o pedido feito e o tipo de xingamento que realizam.
Os opositores do atual governo foram às ruas e escolheram o verde e o amarelo como cores da sua indignação. Ao realizar esta escolha, colocaram-se como defensores da pátria e puseram todos os que estão do outro lado como inimigos do país. Simbolicamente é como se estivessem preparados para a guerra. O primeiro passo já foi dado, aborda-se e se incomoda uma pessoa que nada te fez de concreto apenas porque ela pensa diferente. Há o xingamento e o argumento típico de gente que quer brigar. “Vai fugir”?
A meu ver, o cenário totalitário já está assustadoramente preparado no Brasil. Há uma parcela significativa de pessoas movidas pelo ódio e com pouca capacidade de reflexão, movidas por um sentimento de pseudo-injustiça inflado por um empresariado bajulador, que critica impostos e aplaude subsídios. Pessoas com pouco conhecimento, mas que se julgam inteligentes e portadoras da noção do que são o bem contra o mal, não enxergando mais o rival como opositor, e sim como inimigo. Parte do projeto para afastar o atual governo democraticamente eleito do poder passa pela manipulação deste tipo de pessoa, que discerne bem e mal não por conceitos morais, mas pela vontade pessoal. O suposto moralismo disfarçado pelo discurso contra a corrupção logo é derrubado por atitudes como a praticadas contra Chico. Alvaro Garnero Filho acha que Buarque apoia um governo bandido. Quer fazer “justiça”. Qual o próximo passo? Hannah Arendt já nos contou.

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