O título deste post é igual ao
título de um livro clássico escrito pela filósofa judia alemã Hannah Arendt. Nele,
a autora busca explicar como as pessoas se subjugaram à ideologia nazista e
aceitaram passivamente os horrores de uma dominação totalitária. O
totalitarismo, diz ela, não é fruto do acaso e sim resultado de anos de
preparação ideológica, naquilo que o jornalista Paul Gourevitch, em sua obra
sobre o genocídio de Ruanda dos anos 1990, chamou de ódio silencioso. Um
processo histórico de rejeição aparentemente inofensiva criou um ambiente que
permitiu que judeus perdessem gradativamente seus direitos de cidadania,
chegando-se a um ponto em que a população geral estivesse preparada para
aceitar um líder totalitário que conduzisse um genocídio contra o inimigo
odiado por séculos. Todo regime totalitário é dependente do ódio, nenhum
sentimento é mais facilmente usado para manipulação de massas.
Chico Buarque foi abordado num
restaurante esta semana no Rio de Janeiro por um grupo de pessoas capitaneado
por Álvaro Garnero Filho, que como o nome diz é filho do empresário
apresentador de programas de viagem, e o rapper Tulio Dek, desconhecido
musicalmente, mas famosinho no mundo das pseudo-celebridades por ter namorado a
atriz global Cléo Pires. Os 3 não se conheciam, muito provavelmente nunca
tinham se encontrado. Mas Garnero e Dek estavam com raiva de Chico. O motivo,
suas ideologias políticas e seu apoio ao governo Dilma. A turma de Garnero foi
tirar satisfação com o cantor com expressões como “você apoia bandidos”, “seu
merda” e, finalmente, com “vai fugir Chico” no momento em que este chamou um
táxi. A turma se sentiu não apenas no direito de incomodar uma pessoa que
desconheciam questionando suas opiniões políticas como achavam que ele era
obrigado a participar deste debate, “fugindo” do confronto.
Pessoas como Garnero não debatem
conceitos, como ficou provado neste curto diálogo. Repetem frases feitas e
xingamentos, questionando o estilo de vida de Chico Buarque, como se o fato
dele defender melhor distribuição de renda, por exemplo, fosse um voto de
pobreza. Não há espaço para reflexão e ideias, apenas para um ódio que neste
caso se disfarça de ativismo político.
Nada é mais perigoso
historicamente do que uma massa movida pelo ódio. Mais do que isso, um grupo de
pessoas movido por este ódio e que é bajulado por tal. É assustador o número de
pessoas que concorda com a ação de Garnero e a incentiva. As pessoas que
praticam este tipo de ação são tratadas como justiceiras pelos que pensam
iguais, aqueles que foram lá ‘ “disseram umas verdades”. Não há uma ação
concreta da opinião pública condenando este tipo de atitude. As pessoas postam “Dilma,
sua vaca” em redes sociais sem medo de nenhum tipo de punição e recebendo
curtidas estimulantes de iguais. São as mesmas pessoas que reclamam, aliás, que
o Brasil precisa de mais educação, sem entender o óbvio paradoxo entre o pedido
feito e o tipo de xingamento que realizam.
Os opositores do atual governo
foram às ruas e escolheram o verde e o amarelo como cores da sua indignação. Ao
realizar esta escolha, colocaram-se como defensores da pátria e puseram todos
os que estão do outro lado como inimigos do país. Simbolicamente é como se
estivessem preparados para a guerra. O primeiro passo já foi dado, aborda-se e
se incomoda uma pessoa que nada te fez de concreto apenas porque ela pensa
diferente. Há o xingamento e o argumento típico de gente que quer brigar. “Vai
fugir”?
A meu ver, o cenário totalitário
já está assustadoramente preparado no Brasil. Há uma parcela significativa de
pessoas movidas pelo ódio e com pouca capacidade de reflexão, movidas por um
sentimento de pseudo-injustiça inflado por um empresariado bajulador, que
critica impostos e aplaude subsídios. Pessoas com pouco conhecimento, mas que
se julgam inteligentes e portadoras da noção do que são o bem contra o mal, não
enxergando mais o rival como opositor, e sim como inimigo. Parte do projeto para
afastar o atual governo democraticamente eleito do poder passa pela manipulação
deste tipo de pessoa, que discerne bem e mal não por conceitos morais, mas pela
vontade pessoal. O suposto moralismo disfarçado pelo discurso contra a
corrupção logo é derrubado por atitudes como a praticadas contra Chico. Alvaro
Garnero Filho acha que Buarque apoia um governo bandido. Quer fazer “justiça”. Qual
o próximo passo? Hannah Arendt já nos contou.
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