“Pela manutenção da melhora nos
dados de desemprego”. Um número significativo de deputados usou esta
argumentação ao votar pelo arquivamento da segunda denúncia contra o presidente
Michel Temer. O mesmo Congresso que afastou Dilma por uma “corrupção” nunca
provada, inocentou Temer, que foi flagrado em gravação conversando sobre
propina com um dos donos da JBS. A mesma linha de argumentos costuma ser usada
pelos defensores do atual governo em elogios das medidas por ele tomadas. Tudo
é feito para “criar empregos”. A Reforma Trabalhista vai facilitar a criação de
empregos. A Reforma da Previdência vai facilitar a criação de empregos. As
mudanças na legislação do Trabalho Escravo vai facilitar a criação de empregos.
Pesquisa realizada no começo do
ano mostra que o desemprego é o terceiro maior medo do brasileiro. Fica atrás da
traição e da morte. À frente de corrupção e desigualdade. Nada historicamente é
mais usado por movimentos de extrema-direita, em qualquer lugar do planeta, do
que a manipulação do medo. Por isso, segurança e desemprego são as pautas
básicas adotadas em telejornais da grande mídia e devem ser os assuntos mais
abordados nas eleições do ano que vem.
O uso político do medo do
desemprego e da violência são as armas que explicam as vitórias de Trump nos EUA
e o avanço dos partidos neofascistas na Europa. Numa era de individualismo
extremo, as pessoas só enxergam como graves aqueles problemas que acham que em
algum momento as afetaram ou podem afetá-las. Boa parte dos americanos se
mostrou favorável a um candidato que propunha deportação de imigrantes por um
simples motivo, isto tornaria mais fácil conseguir um emprego. Não importa se
uma família mexicana com crianças for expulsa dos EUA, desde que isto deixe as
vagas de trabalho livres.
A grande mídia brasileira, seja
ela na TV, na internet, nos rádios, nas revistas ou nos jornais, é formada por
pessoas de elite ou de classe média de grandes cidades informando pessoas de
elite ou de classe média de grandes cidades aquilo que estas pessoas de elite
ou de classe média de grande cidades querem saber. Quem define o que é
importante é um público normalmente fútil e egocêntrico que busca informações
com as quais se identifique. É por isso que um atentado que mata dez pessoas em
Paris é mais noticiado por esta imprensa e choca mais este público do que um
atentado que mata mais de trezentos na Somália. Há uma identificação destes com
Paris que não há com a Somália. É por isso que uma bala perdida no Leblon gera
choro e passeata entre globais enquanto uma chacina no Vidigal tem bem menos
repercussão. E também porque uma matança de crianças no sertão nordestino não gerou
tanto assunto quanto matança semelhante ocorreu no Rio de Janeiro há alguns
anos. São pessoas que também enxergam fome e miséria como algo distante e
desemprego como algo próximo. “Miséria avança no governo Temer” é uma notícia
que tem menos destaque do que “Queda no desemprego”.
Flávio Rocha é dono da Riachuelo,
uma das empresas com mais acusações de uso de trabalho escravo no Brasil. Ao
receber uma notificação do Ministério Público na semana passada, esbravejou e
expôs a vida da juíza que ousou condená-lo, pedindo para que ela o “deixasse
criar empregos em paz”. Logo foi apoiado pelo MBL, que divulgou dados pessoais
da magistrada em redes sociais.
O individualismo nos fez uma
sociedade de incapazes de enxergar algo além do nosso próprio umbigo. O pior problema
que existe é aquele que nos atinge, por isso desemprego virou algo pior do que
miséria. E por isso um governo autoritário se torna cada vez mais aceito.
Mate-se a oposição e os bandidos, mas criem-se empregos. Afaste aqueles que
atrapalham.
O empresariado está sabendo muito
bem utilizar este momento. Conseguiram convencer boa parte da população que o
seu maior objetivo é criar empregos e não obter lucros, sendo o estado de
proteção social o seu grande inimigo neste nobre intento. A classe média tende
a comprar os interesses da elite e aprova, em geral, todas estas medidas. O
patrão que demite em dezembro, passa férias na Disney em janeiro e recebe bônus
em março agradece.
Como fruto do individualismo, formou-se
uma sociedade de pessoas vazias, que se reconhecem apenas como força de
trabalho e que conseguem alguma felicidade apenas quando compram algo. Ser “trabalhador”
é praticamente a única “qualidade” que muitas pessoas são capazes de enxergar
em si mesmas. Não há nada por trás destes indivíduos que só se veem como algo
comprado e vendido no mercado de trabalho. Não há para estes, afinal,
xingamento maior do que “vagabundo”. As raízes dos avanços da extrema-direita
no Brasil, nos EUA e na Europa são individualismo e consumismo. Trabalhar e
pagar boleto. No fundo é isto que a sociedade medíocre quer. E é ela que no
Brasil sustenta o governo Temer. Pela melhora na situação do desemprego. O
resto não interessa.