Nasci em 1984, mas minha primeira
memória na vida é a final do campeonato paulista de 1988, em que o Corinthians
derrotou o Guarani por 1x0 na prorrogação com gol do Viola. Nestes 35 anos de
vida e 31 de memória, eu sinceramente não me lembro de nada que tenha sido tão
ridículo quanto o vídeo postado hoje pelo presidente da República Federativa do
Brasil, Jair Bolsonaro. Constrangimento é uma das palavras-chaves deste
governo, junto com ignorância, arbitrariedade, violência e autoritarismo.
Bolsonaro e todas as pessoas ao seu redor são toscas, completamente incapazes
de produzir algo que tenha alguma validade, mas mesmo assim este vídeo
surpreendeu. Somos, afinal, governados por um aluno de quinta série que vai
repetir de ano.
Além da tosquice, são muitas as
características de Bolsonaro que podemos ver no vídeo. A primeira, é que ele se
sente o leão na selva, o rei. Ele se sente o ser mais forte no seu mundo
megalomaníaco. O outro é a paranoia. Bolsonaro é paranoico e conseguiu criar um
verdadeiro reino da paranoia, em que todos são movidos pela mania de
perseguição, pelo medo e por um estado alterado de “realidade” em que estamos
numa verdadeira guerra, em que apenas Bolsonaro pode salvar. No vídeo, todos
estão atacando o leão Bolsonaro. Não apenas os inimigos de sempre, aqueles que
ele ameaçou prender, expulsar e metralhar durante a campanha, como PT e PSOL,
mas basicamente qualquer entidade, nacional ou internacional, que ouse contestar
a supremacia do leão. Bolsonaro se sente atacado pela ONU, pelo Greenpeace,
pelo MBL, pela CUT, pela Veja, basicamente por todos. Nada mais paranoico e
megalomaníaco.
No vídeo, o leão acaba sendo
salvo por um outro leão, uma entidade chamada “Conservadores Patrióticos”, que
teria muito mais sentido no vídeo se fosse representada por um boi, e não por
um leão. O “Conservador Patriótico” nada mais é do que o que nacionalista bocó bolsonarista,
aquele ser que basicamente detesta todas as características nacionais, detesta
nossa música, nossa cultura, nossa literatura, mas que se acha nacionalista
porque hasteia a bandeira, canta o hino nacional que não é capaz de interpretar
e veste a camisa da CBF. Na selva bolsonarista, o leão Bolsonaro aposta neste
gado para chegar ao triunfo.
O leão Bolsonaro é incapaz de
lidar com conflitos ou com o debate. Já deixou bem claro durante toda sua vida
como deputado insignificante que não acredita na democracia como regime ideal
de governo. Todas as suas referências políticas brasileiras são de ditadores e
torturadores, gente que colocava ratos nas vaginas de mulheres torturadas em
sessões monstruosas. Elogiou Pinochet no Chile, Strossner no Paraguai, entre
outros. Sua presidência é baseada na mentira e nas teorias da conspiração. O
Greenpeace, ele diz, espalhou óleo pelo litoral do Nordeste. Baseado no que ele
diz isto? Em nada. Ele apenas quer assim. Não foi tendo algum tipo de
responsabilidade que Bolsonaro se transformou em leão da selva. Foi mentindo e
agredindo, não teria porquê mudar após atingir o ápice.
Bolsonaro conseguiu transformar o
Brasil numa grande selva da paranoia. Criou uma verdadeira realidade paralela.
Basta entrar na rede social de qualquer eleitor fanático do leão para notar o
quanto nossa realidade é assustadora. Uma parcela gigantesca da população está
completamente afastada de qualquer tipo de realidade, sendo informada quase que
exclusivamente por fontes falsas ou inexistentes. São pessoas que postam
diariamente sobre a conta secreta de um trilhão de dólares de Lula na Suíça,
sobre a cirurgia de sexo que o PT queria fazer em crianças, sobre a mamadeira de piroca, sobre a economia do
Brasil que não para de crescer graças a Bolsonaro. Pessoas que perderam
completamente a capacidade de reflexão e pensamento, totalmente hipnotizadas
pela situação. Lembro-me de uma vez em que o leão, dois dias após a também
muito constrangedora frase em que dizia que a solução para o meio ambiente era
fazer cocô dia sim, dia não, discursava para o seu gado e falava que ia acabar
com o cocô no Brasil, comunistas e corruptos. Antes de explicar a “piada”, os
seus seguidores já estavam rindo e aplaudindo enlouquecidamente. Sim, as
pessoas riram e aplaudiram apenas a seguinte frase: “vamos acabar com o cocô no
Brasil”. Qualquer coisa que o leão diga, os gados aplaudem. Como lidar com uma situação destas sem esperar o caos?
Bolsonaro usa muito a expressão
acabar. Ameaça tirar o Brasil de qualquer associação que possa representar um
controle externo ao seu domínio. Durante a eleição, ameaçou tirar o Brasil da
ONU e do Mercosul, por exemplo. Uma das hienas que atacavam o leão e era depois
posta para correr pelo leão-gado é o STF. Esta instituição é tudo que Bolsonaro
e seu gado odeiam. A função do STF é defender uma constituição-cidadã. Por mais
que o Supremo tenha falhado diversas vezes nesta função nos últimos anos, ele é
o maior obstáculo para o tipo de regime que Bolsonaro tanto exalta e quer
implantar. Seu gado é diversas vezes incitado por ele e pelo ministro da
Justiça a pedir o fechamento do Supremo. O filho do leão faz piada sobre isto,
aliás. “Basta um cabo para fechar a instituição”. Um cabo e um rebanho de gado.
Li um texto há alguns dias em que
uma senhora alemã relatava o bombardeio de Danzig durante a Segunda Guerra. Com
um dos filhos no colo, ela dizia “nós merecemos isto”. Bolsonaro é fruto de
diversos erros históricos, que culminaram nesta coisa assustadora. Ele
conseguiu chegar ao poder do leão graças ao gado e a uma parte das hienas, que
nas eleições agiram como gado. Boa parte da imprensa que há um ano tratou a escolha entre Bolsonaro e outra pessoa como "difícil" hoje é tratada como hiena. A única forma de derrotar o leão é com a união
das hienas. Estas devem deixar toda diferença de lado neste momento. A selva
brasileira segue em geral sem acordar para o que está acontecendo. Bolsonaro e seu governo vão dando diversos sinais de que tentam ao pouco romper com o que resta de democracia no país e ameaçando as relações com vizinhos. Talvez só
acordem chegando em Danzig.