domingo, 2 de fevereiro de 2020

A influência de Dedé e o Comando Maluco no governo Bolsonaro



Há exatos quinze anos, estreava aquele que o tempo mostraria ser o mais importante e influente programa de televisão deste início de século no Brasil: Dedé e o Comando Maluco. Antes de falar o porquê de este programa ser tão importante, é necessário que falemos um pouco sobre a trajetória de Dedé Santana.
Consagrado em Os Trapalhões, Dedé Santana sempre foi o humorista que não teve graça. Mais do que isto, sua função no programa era não ter graça. Eterno coadjuvante, ele era a escada, o que preparava a piada para que os outros se destacassem. Sem ter muito que mostrar, foi perdendo espaço após as mortes de Zacarias e Mussum, até o momento em que foi substituído por algum ator de Malhação no papel de coadjuvante humilhado por Didi. Perdido, encontrou primeiro um caminho na música evangélica, caminho, aliás, seguido por muitos outros artistas sem talento durante a decadência. Tudo mudaria, porém, em 2005.
Disposto a divulgar seu parque de diversões, Beto Carrero comprou um horário matutino no SBT e resolveu fazer um programa de humor com sede no parque. Sem tanta verba, viu no recém-evangélico desempregado Dedé Santana uma boa oportunidade de ter um rosto razoavelmente famoso pagando pouco. E foi assim que surgiu a “obra-prima” Dedé e o Comando Maluco.
Tendo como premissa inicial a ideia de que Dedé Santana seria um general contratado por Beto Carrero para proteger e desvendar crimes cometidos no parque, o programa revolucionou a televisão brasileira com uma série de novidades. A primeira era a completa ausência de roteiro. O telespectador tinha a impressão de que não havia uma história escrita. Abandonou-se também qualquer tipo de linearidade, com não apenas as cenas não tendo relação entre si, mas com os diálogos dentro da mesma cena não possuindo nenhum nexo. O elenco era todo formado por amadores sem experiência ou talento, havia uma música que tocava a cada situação “engraçada” e o final parecia abrupto. Digo que parecia, porque no fundo todo o programa era assim, uma vez que não havia nexo nenhum em nada que acontecia no programa. A experiência durou três anos, com o programa sendo encerrado após a morte de Beto Carrero. Dedé Santana, porém, pôde mostrar o seu “valor”, uma vez que o programa chegou a liderar as audiências aos domingos de manhã, especialmente quando tinha a sorte de concorrer com corridas de Fórmula 1. Dedé seria recontratado pela Globo logo depois da nova demissão e teria mais alguns anos realizando o papel para o qual foi destinado, ser a escada sem graça de Renato Aragão.
Um empresário rico contratando um humorista sem graça e sem talento para fazer um programa sem nexo com atores despreparados e inexperientes. A televisão trazia com treze anos de antecedência o que seria o governo Bolsonaro. Basta trocarmos Beto Carrero por Mercado, Dedé por Bolsonaro e Comando Maluco por... bom, pode manter o nome Comando Maluco, e temos um belo exemplo de como a arte é capaz de antecipar a realidade.
Cansado dos anos de contrariedade com um governo que tinha como foco a inclusão de minorias e o combate à desigualdade, o tal do Mercado resolveu se aliar a um capitão muito doido. Completamente despreparado, Bolsonaro transformou a ignorância em sua maior “qualidade” durante a campanha de 2018. Usando da fama obtida através de participações polêmicas em programas de subcelebridades, Bolsonaro soube como ninguém cativar o público que transformara Dedé e o Comando Maluco em líder de audiência. Eleito graças às mais doidas teorias da conspiração e paranoias, estimulando a violência como solução fácil para todos os problemas e humilhando minorias, Bolsonaro apressou-se em formar um ministério que muito lembrou o Comando Maluco de Dedé Santana. Inimigo da ciência e de qualquer tipo de conhecimento, o novo presidente optou por figuras inexperientes, com produção acadêmica nula, coadjuvantes ressentidos e com visão de mundo parecida com a sua para guiar os rumos do país. Apelidou estas pessoas de “especialistas sem ideologia”. Para Ministro da Fazenda, o “especialista” é um economista sem nenhuma experiência na área pública e sem nenhuma produção científica, mas que diz as coisas que o Beto Carrero Mercado gosta. Para Ministro da Justiça, escolheu um juiz de primeira instância, consagrado com sentenças que muito lembram o roteiro de Dedé e o Comando Maluco, uma vez que também não têm início meio e fim, sem experiência em Segurança Pública, incapaz de citar um livro que tenha lido e que tem como principais referências na área que hoje comanda personagens de filmes de Hollywood. Para ministro da Educação, escolheu outro economista que era o pior aluno da turma, também sem nenhuma experiência na área, que toda semana se destaca por uma nova trapalhada típica do Comando Maluco. Para ministra dos Direitos Humanos, uma pastora que ninguém sabe ao certo o que fazia antes do governo e que baseia todo seu conhecimento “científico” na Bíblia. Para ministro da Tecnologia, um astronauta que faz palestras vestido com uniforme da Nasa, apesar de ter ido ao espaço num acordo entre Brasil e Rússia, também sem experiência alguma na área pública, e que parece ser o mais razoável do Comando Maluco pois diz que a Terra é redonda. Ainda vai ser expulso do Comando por isso.
Na semana passada, criador e criatura se encontraram em Brasília. O ex-humorista coadjuvante ressentido encontrou o ex-capitão coadjuvante ressentido. Um dos assuntos tratados no encontro foi o fim da meia-entrada para estudantes em eventos culturais. Sim, o destino de um instrumento que, embora muitas vezes mal usado, facilita o acesso de estudantes à cultura, será decidido por um ex-capitão fracassado que tem como livro favorito a biografia de um torturador sanguinário. Dedé Santana se disse surpreso com a ideia numa entrevista depois do encontro. Disse basicamente que achou que o encontro era só um almoço. Bom, quem nunca foi parar em frias querendo só comer, aliás. Independente disso, sua parte para o futuro do país Dedé Santana já fez. Vivemos num grande Dedé e o Comando Maluco, um presente distópico em que nossa educação é destruída por um imbecil lunático, em que nossa justiça é estraçalhada por um ignorante revanchista tratado como justiceiro acima das leis, em que a ideia de educação sexual é substituída pelas sandices de uma pastora evangélica. Vivemos como num roteiro mal escrito, em que as coisas acontecem aparentemente sem relação com nada, em que tudo parece ser uma surpresa. Tudo isto com a aprovação do Beto Carrero Mercado, que colocou todas as suas fichas nesta maluquice. Estes tocam a vida normalmente enquanto compram ações de empresas de armas e de outras que lucram com a destruição do setor público. Quando a situação explodir, estes que hoje investem no Comando Maluco já não estarão por aqui. Terão fugido do parque. Por enquanto seguem rindo bastante. Acham Dedé e o Comando Maluco engraçado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário