Há exatos quinze anos, estreava aquele
que o tempo mostraria ser o mais importante e influente programa de televisão
deste início de século no Brasil: Dedé e
o Comando Maluco. Antes de falar o porquê de este programa ser tão
importante, é necessário que falemos um pouco sobre a trajetória de Dedé
Santana.
Consagrado em Os Trapalhões, Dedé Santana sempre foi o
humorista que não teve graça. Mais do que isto, sua função no programa era não
ter graça. Eterno coadjuvante, ele era a escada, o que preparava a piada para
que os outros se destacassem. Sem ter muito que mostrar, foi perdendo espaço
após as mortes de Zacarias e Mussum, até o momento em que foi substituído por
algum ator de Malhação no papel de
coadjuvante humilhado por Didi. Perdido, encontrou primeiro um caminho na
música evangélica, caminho, aliás, seguido por muitos outros artistas sem
talento durante a decadência. Tudo mudaria, porém, em 2005.
Disposto a divulgar seu parque de
diversões, Beto Carrero comprou um horário matutino no SBT e resolveu fazer um
programa de humor com sede no parque. Sem tanta verba, viu no recém-evangélico
desempregado Dedé Santana uma boa oportunidade de ter um rosto razoavelmente
famoso pagando pouco. E foi assim que surgiu a “obra-prima” Dedé e o Comando Maluco.
Tendo como premissa inicial a
ideia de que Dedé Santana seria um general contratado por Beto Carrero para
proteger e desvendar crimes cometidos no parque, o programa revolucionou a
televisão brasileira com uma série de novidades. A primeira era a completa ausência
de roteiro. O telespectador tinha a impressão de que não havia uma história
escrita. Abandonou-se também qualquer tipo de linearidade, com não apenas as cenas
não tendo relação entre si, mas com os diálogos dentro da mesma cena não
possuindo nenhum nexo. O elenco era todo formado por amadores sem experiência
ou talento, havia uma música que tocava a cada situação “engraçada” e o final
parecia abrupto. Digo que parecia, porque no fundo todo o programa era assim,
uma vez que não havia nexo nenhum em nada que acontecia no programa. A experiência
durou três anos, com o programa sendo encerrado após a morte de Beto Carrero.
Dedé Santana, porém, pôde mostrar o seu “valor”, uma vez que o programa chegou
a liderar as audiências aos domingos de manhã, especialmente quando tinha a
sorte de concorrer com corridas de Fórmula 1. Dedé seria recontratado pela
Globo logo depois da nova demissão e teria mais alguns anos realizando o papel
para o qual foi destinado, ser a escada sem graça de Renato Aragão.
Um empresário rico contratando um
humorista sem graça e sem talento para fazer um programa sem nexo com atores
despreparados e inexperientes. A televisão trazia com treze anos de
antecedência o que seria o governo Bolsonaro. Basta trocarmos Beto Carrero por
Mercado, Dedé por Bolsonaro e Comando Maluco por... bom, pode manter o nome Comando
Maluco, e temos um belo exemplo de como a arte é capaz de antecipar a
realidade.
Cansado dos anos de contrariedade
com um governo que tinha como foco a inclusão de minorias e o combate à
desigualdade, o tal do Mercado resolveu se aliar a um capitão muito doido.
Completamente despreparado, Bolsonaro transformou a ignorância em sua maior “qualidade”
durante a campanha de 2018. Usando da fama obtida através de participações
polêmicas em programas de subcelebridades, Bolsonaro soube como ninguém cativar
o público que transformara Dedé e o
Comando Maluco em líder de audiência. Eleito graças às mais doidas teorias
da conspiração e paranoias, estimulando a violência como solução fácil para
todos os problemas e humilhando minorias, Bolsonaro apressou-se em formar um
ministério que muito lembrou o Comando Maluco de Dedé Santana. Inimigo da
ciência e de qualquer tipo de conhecimento, o novo presidente optou por figuras
inexperientes, com produção acadêmica nula, coadjuvantes ressentidos e com
visão de mundo parecida com a sua para guiar os rumos do país. Apelidou estas
pessoas de “especialistas sem ideologia”. Para Ministro da Fazenda, o “especialista”
é um economista sem nenhuma experiência na área pública e sem nenhuma produção
científica, mas que diz as coisas que o Beto Carrero Mercado gosta. Para
Ministro da Justiça, escolheu um juiz de primeira instância, consagrado com
sentenças que muito lembram o roteiro de Dedé
e o Comando Maluco, uma vez que também não têm início meio e fim, sem
experiência em Segurança Pública, incapaz de citar um livro que tenha lido e
que tem como principais referências na área que hoje comanda personagens de
filmes de Hollywood. Para ministro da Educação, escolheu outro economista que
era o pior aluno da turma, também sem nenhuma experiência na área, que toda
semana se destaca por uma nova trapalhada típica do Comando Maluco. Para
ministra dos Direitos Humanos, uma pastora que ninguém sabe ao certo o que
fazia antes do governo e que baseia todo seu conhecimento “científico” na
Bíblia. Para ministro da Tecnologia, um astronauta que faz palestras vestido
com uniforme da Nasa, apesar de ter ido ao espaço num acordo entre Brasil e
Rússia, também sem experiência alguma na área pública, e que parece ser o mais
razoável do Comando Maluco pois diz que a Terra é redonda. Ainda vai ser
expulso do Comando por isso.
Na semana passada, criador e
criatura se encontraram em Brasília. O ex-humorista coadjuvante ressentido
encontrou o ex-capitão coadjuvante ressentido. Um dos assuntos tratados no
encontro foi o fim da meia-entrada para estudantes em eventos culturais. Sim, o
destino de um instrumento que, embora muitas vezes mal usado, facilita o acesso
de estudantes à cultura, será decidido por um ex-capitão fracassado que tem
como livro favorito a biografia de um torturador sanguinário. Dedé Santana se
disse surpreso com a ideia numa entrevista depois do encontro. Disse
basicamente que achou que o encontro era só um almoço. Bom, quem nunca foi
parar em frias querendo só comer, aliás. Independente disso, sua parte para o
futuro do país Dedé Santana já fez. Vivemos num grande Dedé e o Comando Maluco, um presente distópico em que nossa
educação é destruída por um imbecil lunático, em que nossa justiça é
estraçalhada por um ignorante revanchista tratado como justiceiro acima das
leis, em que a ideia de educação sexual é substituída pelas sandices de uma
pastora evangélica. Vivemos como num roteiro mal escrito, em que as coisas
acontecem aparentemente sem relação com nada, em que tudo parece ser uma
surpresa. Tudo isto com a aprovação do Beto Carrero Mercado, que colocou todas as
suas fichas nesta maluquice. Estes tocam a vida normalmente enquanto compram
ações de empresas de armas e de outras que lucram com a destruição do setor
público. Quando a situação explodir, estes que hoje investem no Comando Maluco
já não estarão por aqui. Terão fugido do parque. Por enquanto seguem rindo
bastante. Acham Dedé e o Comando Maluco engraçado.
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